Mães de Santo. Parte 1

Igreja da Barroquinha

Mães-de-santo

Pesquisa bibliográfica, entrevistas e elaboração dos textos  Agnes Mariano

Mesmo antes de chegar ao Brasil como escravas, elas já conheciam a violência da guerra entre povos africanos vizinhos, que vendiam aos traficantes os prisioneiros vencidos. Mas elas nunca conheceram o medo. Na África, as mulheres iorubás participavam do conselho dos ministros, tinham organizações próprias e chegaram a liderar um intenso comércio que incluía rotas internacionais. Foi por isso que, na Bahia do início do século XIX, elas conseguiram o que parecia impossível: deram à luz uma organização religiosa que conciliava tradições de diferentes povos, resistindo à exploração da escravidão e à perseguição policial. No candomblé, com diplomacia, inteligência e fé, elas reuniram todos os elementos necessários para garantir ânimo e auto-estima ao seu povo. O título que receberam expressa bem o misto de liderança religiosa, chefia política e poder terapêutico que exercem: mães-de-santo.

Contam os antropólogos, como Ordep Serra, que é professor da Universidade Federal da Bahia (UFBa) e ogã suspenso do terreiro da Casa Branca, que não há registros da existência efetiva do matriarcado em nenhuma sociedade. Ainda que tudo não passe de uma lenda criada por sonhadores, experiências como a do candomblé baiano deixam entrever como seria o mundo governado por mulheres. A liderança feminina nessa tradição religiosa, explica Maria Stella de Azevedo, a Mãe Stella de Oxóssi do Ilê Axé Opô Afonjá, vem de um fato simples. As pioneiras do candomblé, princesas africanas que vieram para a Bahia em fins do século XVIII, criaram o princípio de que as suas casas religiosas só poderiam ser lideradas por mulheres. Uma tradição mantida até hoje nos terreiros mais antigos, como a Casa Branca, o Alaketu, o Gantois, o Afonjá e o Cobre.

Inteligência, energia, generosidade, iniciativa, conhecimento litúrgico. Cada um dá a sua lista de qualidades indispensáveis para que uma mulher se torne uma mãe-de-santo ou ialorixá. O certo é que a tarefa é repleta de responsabilidades e sacrifícios, mas, se desempenhada com competência, traz a possibilidade de mudar a realidade das pessoas em volta. Não é à toa, então, que tantas mães e pais-de-santo, como Mãe Senhora, Mãe Aninha e Mãe Menininha do Gantois gozam de grande prestígio, sendo recebidos e visitados por políticos, artistas e intelectuais de todo o mundo. A escravidão, a pobreza, a perseguição, as surras e as prisões não foram suficientes para diminuir a altivez, o espírito empreendedor e a sabedoria dessas pessoas.

Segundo Mãe Stella, todo terreiro é, em princípio, uma família, porque é uma família espiritual. Como elo maior que une a todos, a busca de contato com os elementos que nutrem a vida de todos os seres vivos: a força dos ventos, do fogo, das matas, da terra, das pedras, das águas.

Os orixás são simbolizados pelas forças naturais, que são coisas que não têm sexo. O vento tem sexo? Qual é o sexo do vento, apesar de simbolizar o orixá chamado Iansã? O espiritual não tem sexo, não tem raça, nada disso – define Mãe Stella.

Mas outros aspectos da vida também são contemplados na comunidade religiosa: apoio financeiro, moradia, criação de escolas, bibliotecas, museus, grupos de estudo, cursos profissionalizantes, assistência à saúde física e mental. Assim, aqueles que exercitam os seus direitos e deveres para com a comunidade podem se considerar membros de uma família e, de fato, filhos e irmãos-de-santo.

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