Mães de Santo. Parte 5

Mãe Stella.

SUPERANDO A SI MESMO

Ninguém entra para a religião dos orixás pensando em ser mãe-de-santo, pelo menos as pessoas sensatas, explica Mãe Stella:

Porque aí não é algo espiritual, passa a ser uma coisa de superação. No candomblé, a gente não tem que superar o outro, tem que superar a si próprio.

E foi o que aconteceu com as líderes de duas das mais importantes e antigas casas da Bahia: o Afonjá e o Cobre. A superação veio por meio de um cotidiano de trabalho, esforço e dedicação contínua ao sacerdócio. Os ritos praticados nessas casas são exigentes e, por isso mesmo, fortalecem e educam aqueles que os praticam. No caso do Cobre, que chegou a permanecer fechado por alguns anos, a retomada do funcionamento da casa foi uma convocação espiritual. Quem mais lucra com o trabalho do Afonjá e do Cobre são os adeptos e vistantes, que encontram nesses lugares fontes de conhecimento e proteção.

Eugênia Anna dos Santos fez uma opção ousada: comprou um terreno para a sua roça num lugar distante e ermo, o Alto do São Gonçalo do Retiro. Para chegar lá, era preciso subir uma ladeira íngreme que o mato praticamente dominava. Mas, em 1910, todos estavam contentes. Depois de passar por vários endereços, o grupo estava finalmente na sua casa definitiva: o Ilê Axé Opô Afonjá. A fundadora do Afonjá, mais conhecida como Mãe Aninha ou Obá Biyi, sabia o que estava fazendo. Filha de um casal de africanos grunci, ela foi iniciada pelos nagôs da Casa Branca. Desde quando deixou o antigo terreiro, Aninha sempre buscou congregar boas colaborações e estabelecer parcerias, inclusive, com muitos homens, como os lendários Miguel Sant’Anna e Martiniano Eliseu do Bonfim, que morou muitos anos na Nigéria e a auxiliou a resgatar aqui os 12 obás de Xangô, os ministros do rei. Também era amiga de intelectuais como Donald Pierson, Jorge Amado e Edison Carneiro, que ela escondeu da ditadura de Vargas. O mesmo Getúlio Vargas com quem Aninha conversou quando esteve na antiga capital federal, Rio de Janeiro, em busca de apoio para a sua religião. Como deputado, o seu amigo Jorge Amado conseguiu aprovar uma lei que estabelecia a liberdade de culto no país, que só foi se tornar efetiva na Bahia somente muitos anos depois. No governo de Roberto Santos, em janeiro de 1976, foi assinado um novo decreto eliminando a necessidade de registro, pagamento de taxa e licença da polícia para o funcionamento dos terreiros.

Nessa época, em que o risco de ter a sua casa religiosa invadida pela polícia estava sempre presente, conseguir simpatizantes e boas amizades era uma necessidade. Os contatos com a Igreja Católica também eram freqüentes, como explica Mãe Stella:

Mãe Aninha se integrou na Igreja Católica para ter status, porque quem mandava era o branco e essa era a religião do branco.

Foi na sua época também que se criou a Sociedade Civil Cruz Santa Opô Afonjá. Até os acadêmicos se curvaram à sabedoria e força dessa mulher, dona de uma quitanda. Em 1937, ela participou do II Congresso Afro-Brasileiro com uma comunicação sobre alimentação litúrgica. Com a morte de Mãe Aninha, assumiu Mãe Bada, de 1939 a 1941 e, então, chegou a vez de Mãe Senhora, a poderosa filha de Oxum e bisneta de Marcelina Obatossi, que seguiu à frente do Afonjá de 1942 a 1967.

Vigorosa e de personalidade forte, ao lado de Menininha do Gantois, Senhora foi uma das mães-de-santo baianas que mais homenagens recebeu em vida e que mais longe levou a sua tradição religiosa. Em 1965, ela foi ao Rio de Janeiro receber o título de Mãe Preta do Ano, no Maracanã. Em Madureira, existe um busto em sua homenagem. Com a ajuda do fotógrafo e antropólogo Pierre Verger, restabeleceu importantes contatos com a África, mantidos por seu filho, Mestre Didi. De lá, recebeu o título de Iya Nassô.

Como todos os antigos, Mãe Senhora brigava feio quando as regras litúrgicas não eram respeitadas, mas logo fazia um carinho no faltoso assustado, como conta Waldeloir Rego, iniciado por ela em 1964. Waldeloir lembra de um episódio com Mãe Senhora que define bem o poder que lhe era atribuído e a seriedade com que ela o exercia:

Quando ela estava no Rio, chegou uma senhora de família tradicional para vê-la, dizendo: “Oh, minha mãe, eu quero me ver livre do meu marido, mate ele”. Aí, ela disse pra moça: “Minha filha, eu não posso fazer isso, porque eu só vim ao mundo pra aconselhar e pra botar a mão”, que é iniciar os filhos-de-santo.

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