Mães de Santo. Final

Mãe Menininha

Poucos dias antes de morrer, em janeiro de 1938, Mãe Aninha conheceu uma garotinha desconfiada que, nenhuma das duas podia imaginar, anos mais tarde se tornaria a ialorixá do Afonjá: Stella Azevedo. Depois de Mãe Senhora, veio Mãe Ondina, que cuidou do axé do São Gonçalo até 1975, quando então assumiu Stella de Oxossi. Se nesses anos todos a roça de Obá Biyi sempre prosperou, sob o comando de Mãe Stella as coisas seguiram com uma rapidez ainda maior. A enfermeira que estudou em boas escolas, aprendeu francês e piano, foi funcionária pública e dona de uma loja de artesanato, transformou o Afonjá, definitivamente, numa universidade da cultura afro-brasileira. Os filhos-de-santo e amigos da casa criaram o Museu Ilé Ohun Lailai, uma biblioteca, oficinas, grupos de estudo, eventos culturais e a menina dos olhos de Mãe Stella: a Escola Municipal Eugênia Anna dos Santos. Novas casas para os orixás foram construídas, as antigas foram reformadas e os contatos com o mundo acadêmico se intensificaram: Mãe Stella é convidada para fazer conferências em universidades inglesas e americanas, representou o candomblé no ECO-92, promovido pela ONU e escreveu livros.

FORÇA MAIOR

Valnísia de Airá nunca tinha imaginado assumir um cargo como o de mãe-de-santo:

Eu nem imaginava, não sabia, nunca ninguém tinha me dito nada que me deixasse perceber.

Na verdade, o Ilê Obá do Cobre, terreiro fundado no Engenho Velho da Federação por sua bisavó, Sinha Flaviana, já nem funcionava plenamente e Mãe Val tinha sido iniciada na Casa Branca, aos 16 anos:

Esse terreiro veio da Barroquinha há mais de um século, aqui pro Engenho Velho, segundo minha tia Edite, neta de Sinha Flaviana – conta ela, revelando que o Cobre, assim como o Afonjá e o Gantois, é também descendente direto do primeiro terreiro jeje-nagô do Brasil.

Depois de Sinha Flaviana, quem ficou à frente do Cobre foi Maria Eugênia, avó de Mãe Val, que era iniciada, mas não “feita de santo”:

Ela continuou tomando conta dos orixás e preservou a casa.

Com a morte de Maria Eugênia, o terreiro ficou cada vez mais abandonado:

Quando cheguei aqui, encontrei a casa no chão.

Ela explica que não se arrepende de ter seguido este caminho, apesar de não ter sido uma escolha:

Mas existia uma força maior, a do orixá abandonado, esperando alguém da família pra levantar o axé.

Esta cobrança, Valnísia e sua família estavam sentindo na pele:

Minha mãe foi desenganada pelo médicos, a família toda estava com problemas, muito desemprego. Cada dia que passava, as coisas piorando. Aí eu vinha aqui, sozinha, afastava as teias de aranha, acendia uma vela e pedia a Xangô pra ter paciência. Eu só tinha 20 e poucos anos, não podia assumir. Mas um dia eu fiz uma promessa: que se minha mãe ficasse boa, eu vinha tomar conta dele. Não disse que ia ser mãe-de-santo, disse que ia zelar por ele. Só que em uma semana minha mãe ficou boa e está aí até hoje. Então reunimos a família toda pra dar comida a Xangô. Foi muito difícil, mas todos ajudaram, muitas pessoas da Casa Branca, Dona Tatá. Depois desse amalá, tudo melhorou, as coisas começaram a caminhar. Isso há uns 15 anos atrás.

A necessidade de cercar o local, que estava servindo como passagem para marginais e a necessidade de ocupá-lo, fizeram o resto e o Ilê Obá do Cobre cresce a cada dia.

Além do trabalho religioso, que tem tornado Mãe Val cada vez mais conhecida, outra marca do seu trabalho é a atuação social. No começo, eram sessões educativas, apresentações de filmes, discussões sobre AIDS. De quatro anos para cá, com as parcerias com a Fundação Cultural Palmares e programas governamentias, o trabalho se intensificou. Como o espaço é pequeno, qualquer lugar serve para as aulas dos cursos profissionalizantes para adolescentes, informática, telessala, alfabetização de crianças e de adultos, percussão, teatro: na sala, no barracão, ao ar livre, em frente à casa dos orixás.

Assim como a Casa Branca, o Gantois, o Afonjá e o Cobre, existem centenas de outras grandes e pequenas casas religiosas em todo o Brasil que mantém a tradição religiosa africana e, ao mesmo tempo, garantem amparo para um enorme contingente de pessoas de todas as classes e raças. Terreiros como o Alaketu e o Bogum, de tradição jeje, no Engenho Velho da Federação, por onde passaram grandes ialorixás como Emiliana e Valentina Maria dos Anjos, a Mãe Ruinhó. A praça no fim de linha do bairro tem hoje o seu nome e um busto em sua homenagem. Mulheres como Mirinha do Portão, Mãe Elza de Oxum e tantas outras. Há também os terreiros criados por homens, mas que em alguns períodos foram liderados por mulheres, como Simpliciana de Ogum, no Ilê Axé Oxumarê, que se recusou a receber dinheiro para preparar um banquete especialmente para o presidente Getúlio Vargas, curioso sobre a comida baiana. Homens e mulheres que, como dizia Edison Carneiro, governam pela influência de sua força moral. Se, infelizmente, não é possível contar a história de todos eles, que pelo menos fique registrado que cada uma dessas casas participa, ao seu modo, de uma das mais significativas e inspiradoras organizações que os negros e mestiços já conseguiram criar no Brasil: o candomblé.

Após décadas em ruínas, a igreja foi restaurada e atualmente sedia o Espaço Cultural da Barroquinha

 

Créditos. Pesquisa bibliográfica, entrevistas e elaboração dos textos:  Agnes Mariano / agnesmariano@gmail.com

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