IKU E O AXEXÊ:

IKU E O AXEXÊ:

Segundo a Cultura Yorubá, “Quando Odudua estava criando o mundo, encarregou os Orixás de recolherem a lama para moldarem os corpos dos seres, mas toda vez que tentavam pegar a lama, Odudua chorava condoída. Com isso, os Orixás interrompiam a tarefa e nada pegavam. Então Iku apareceu e pegou a lama (eerúpé) sem piedade e a entregou a Olúgama para que esta modelasse os arás (corpos). A partir de então, Iku ficou incumbido de devolver a lama de onde a retirou. Por esta razão é que a morte nos leva de volta à terra.”

A Iku foi entregue uma ferramenta chamada kumon (kùmòn): um bastão medindo 30 cm com uma cabeça esculpida na ponta superior. É com ele que Iku retira a vida.

Iku, para os nagôs, é uma Divindade masculina. Veste-se de negro, pois esta é mesma a cor do Odu que lhe dá caminho, Oyeku Meji. Este odu  simboliza o esgotamento da matéria.

Iku é um guerreiro, e também um dos Irúnmolè do lado esquerdo. É uma divindade que não se fixa em nenhum lugar. Gira em torno do mundo para realizar sua tarefa.

Iku é considerado por  Olorun  como o Orixá mais fiel, pois é o único que jamais deixa de cumprir integralmente sua missão, percorrendo todo o aiyê sem cansar, procurando todos os seres vivos, sem distinção entre ricos e pobres, novos e velhos, machos e fêmeas, belos ou feios, fortes ou fracos, sábios ou ignorantes. Todos um dia sempre serão encontrados e montados por Iku.

Para os nagô Iku é o único Orixá que tomará a cabeça de todos os seres humanos. Contudo, Iku trabalha só e apenas usa como critério as ordens de Olodumare.

Dessa forma, mesmo que alguém deseje a sua própria morte querendo o alívio das dores e sofrimentos; ou ainda queiram provocar Iku para levar alguém de quem não se goste, não terão o direito de invocar morte. O suicídio e o assassinato são interditos de Iku, que não tolera ser importunado pelos homens, sendo obrigado por estes a antecipar sua tarefa. Por isso, os suicidas e assassinos são condenados por Iku a vagarem sem descanso no mundo da escuridão.

Embora ninguém consiga evitar a vinda de Iku, ele não é invencível. Todos sobrevivem à morte e podem tornar-se imortais na memória dos que o amaram, pelos seus feitos positivos em vida e no ipori de seus descendentes.Embora Iku ceife a vida, só ele pode abrir caminho para uma nova existência. A reencarnação (atunwá) só advem após a morte. E se o fim da vida encerra um ciclo, imediatamente reabre a possibilidade do início de outro, com a vida posterior.

Ejiogbe (o odu da vida) e Oyeku Meji (o signo do fim da matéria) se contrapõem e se complementam, como tudo na harmonia da natureza plena.

A reencarnação é fundamental para que sejam alcançados os elementos que um dia poderão tornar aquele Ser Humano um ancestral honrado e importante (um esá): o resgate (gbígbàsílè), o arrependimento (ìrobinúje), o perdão (dákun) e com isso alcançar a salvação (ìgbàlá).”

Em razão disso, a chegada da morte é um momento extremamente importante na cultura yorubá.

A transição deste ciclo tão arrebatador: a morte e a vida, deve ser cultuada em um dos rituais mais instigantes e complexos do povo nagô: O axexê.”

O Povo Yorubá tinha vários tipos de funerais. O que se levava em consideração no momento de escolher o ideal, eram as circunstâncias da morte, suas causas, a idade e a condição social do morto junto à Comunidade.

Os funearais eram chamados de ÌSÌNKÚ (enterro), e não tinham como objetivo simplesmente sepultar o corpo, mas conduzir o espírito do falecido até o reino dos espíritos onde estão os outros ancestrais da família.

Pode-se dizer que o Ìsìnkú (enterro) era uma celebração que durava até 7 dias de cânticos, danças, rituais fúnebres e banquetes.

Era tão grande a importância dos funerais suntuosos, que os yorubás tinham por tradição até contraírem dívidas para os festejos, quando era necessário. Se a família fosse pobre, muitas vezes pagavam os credores com trabalho, dando a si mesmos ou aos parentes como escravos, até a quitação da dívida.

Os rituais fúnebres consistiam basicamente em 9 procedimentos:

1º) assim que morria a pessoa, o corpo era envolvido imediatamente numa mortalha branca;

2º) o corpo era banhado com água morna, sabão e esponja. Quem jogava primeiro a água, era o filho mais velho do falecido; Se fosse mulher, o cabelo era penteado; e se fosse homem, algumas vezes era raspado.

Eles acreditavam que se o corpo não fosse levado na cerimônia de partida, o morto não tomaria lugar junto aos ancestrais e se tornaria um fantasma errante, que eles chamavam de isekú (fantasma ou assombração de pessoa cuja tarefa está inacabada);

3º) um embalsamador preparava o corpo e eram então realizados os primeiros sacrifícios e oferendas aos pés do morto. Esse gesto, objetivava fortalecer o espírito.

Todas essas, eram formas dele não sentir fome durante a jornada à terra dos ancestrais;

4º) era então preparado um banho de ervas (agbô) que serviria para banhar o corpo;

5º) o filho mais velho do morto, então esfregava efún e osún nas palmas das mãos do defunto, dizendo: “iké funlowó fún mi” (você põe efun nas minhas mãos). Isto significa que o filho que foi alimentado, agora nutria seu pai no torno ao orún. Ou seja: o pai trouxe ao mundo uma criança, então esse filho deve ajudá-lo na passagem de volta.

6º) o sexto passo, era vestir o corpo com belas roupas e pousá-lo em casa onde ficaria exposto. Era tradição que amigos e parentes enfeitassem a cama onde o morto ficava com ricos panos coloridos, como forma de reverenciar o morto. As estampas coloridas significavam as experiências adquiridas pelo morto ao longo da vida e serviam também para torná-los mais interessados na viagem de retorno. Começavam, a partir daí os cânticos, as danças e a distribuição de comida.

7º) dias após todo esse procedimento, o corpo era envolvido em uma esteira especial (êni fafá) sendo carregado em procissão solene até a sepultura onde seria pousado cuidadosamente no caixão com todas as suas partes bem acomodadas. Eram depositados junto ao morto, pedaços de prata, dinheiro, roupas, etc.

8º) ao anoitecer, quando o calor diminuía, começavam então os preparativos no caixão, onde depositavam as últimas oferendas pelos parentes maternos e paternos.

9º) finalmente após a tampa do caixão ser fechada, o filho mais velho do morto toca o corpo do falecido com um cajado de latão por 3 vezes, despachando assim sua alma. Então o caixão baixava à sepultura completando o enterro do corpo.

As sepulturas eram feitas em um quarto particular dentro de casa. Com o tempo, a tradição mudou e passaram a fazer os sepultamentos nos quintais.

Para os yorubás, enterrar um parente em um cemitério comum seria como jogá-lo fora e perder o contato com ele.

No Brasil o rito do axexê foi redesenhado.

Rio, 20/4/11

Márcio de Jagun

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