PRIMAVERA DA INTOLERÂNCIA:

PRIMAVERA DA INTOLERÂNCIA:

Na última semana o Brasil e o mundo se surpreenderam com as manifestações populares que tomaram as ruas do nosso país. Em apenas sete dias, o povo realizou passeatas em oito capitais e em pelo menos mais cem cidades importantes. Mais de um milhão de pessoas resolveu protestar. Motivos não faltavam… Mas a verdade é que ninguém esperava por isso.

Lideradas por estudantes anônimos,organizadas quase exclusivamente por sites de relacionamentos, as manifestações rapidamente tomaram a cena e se transformaram em assunto extraordinário em todas as mídias. Ataques a instituições públicas, incêndios a ônibus e saques a lojas, complementaram o quadro de susto. Confusos e estarrecidos, políticos, sociólogos, antropólogos tentavam encontrar respostas aos repórteres de grandes veículos de comunicação que eram também hostilizadospelas massas.

O motivo inicial foi o aumento das passagens de ônibus, que passaram há custar R$ 0,20 mais caro. Porém, segundo o IBOPE, esta razão mobilizou apenas 28% das pessoas. A manifestação tomou vulto e ganhou (ou descobriu) também diversas outras causas. Entre os ativistas, 78% foram às ruas por motivações políticas (corrupção, a PEC 37, a falta de investimentos na saúde e na educação, os gastos excessivos com os preparativos para a Copa do Mundo, a aprovação do projeto da chamada “cura gay”), conforme medições feitas também pelo IBOPE.

A Presidente da República se viu compelida a um pronunciamento em rede nacional. Prefeitos e governadores do Rio de Janeiro, de São Paulo, e de outras cidades, uniram-se em seus estados e encontraram rapidamente soluções para reduzir as tarifas públicas, retirando o aumento das passagens.

As atitudes dos políticos foram positivas, mas já significavam pouco a esta altura. O povo queria mais… As imagens históricas de milhares de pessoas tomando as principais vias de todo o país munidos de faixas, cartazes e bandeiras nacionais, encheu a todos de orgulho. Palavras de ordem expressavam o que todos nós sempre quisemos dizer. Estaria o Brasil mudando seus rumos? Teria chegado a tão esperada hora do “basta”? Conseguiríamos a partir de agora imprimir uma dinâmica diferente na política nacional?Os protestos prosseguirão? Até quando? Perguntas excitantes ainda sem respostas…

Confesso que a capacidade de mobilização de tantas pessoas, em tantos lugares diferentes e na mesma hora, apenas pela internet, me surpreendeu… Gente como eu, nascida em meados do século passado, tem mesmo certa resistência a entender isso com normalidade. Tentei (e ainda tento) encontrar motivos, razões, tramas, conspirações que estivessem por trás de tudo isso. Ainda não encontrei… E certamente não sou o único a estar procurando.

Apesar de tantos motivos de insatisfação popular, custei a entender por que o povo resolveu ir “de repente” às ruas. Não foram no auge do escândalo do mensalão, iriam agora por causa de R$ 0,20 ?!  – questionei. Precisei de um tempo para assimilar tudo isso para poder escrever… Por isso demorei tanto a articular essas palavras.

Em toda a história da República, apenas por três vezes o povo foi às ruas para mostrar união em torno de algum tema. Na década de 60, no comício da Central, o então Presidente João Goulart reuniu cerca de 150 mil pessoas para divulgar medidas populares que estatizavam refinarias de petróleo e promoviam uma esperada reforma agrária; nos anos 80, pela aprovação das eleições diretas; e na década de 90, para derrubar o presidente Collor. Nestas três ocasiões, as quais por sinal me lembro muito bem, havia um ensejo claro, uma razão, um objetivo uníssono que uniu a todos. Desta vez não…

Talvez por terem sido tão poucas as manifestações populares e por terem sido elas tão restritas a determinados temas, acumularam-se os motivos, agravou-se a revolta, diminuiu a paciência do povo taxado como o mais “pacífico” de toda a América Latina…

Nem imprensa, nem os políticos e nem a agência nacional de informações (ABIN) foram sensíveis, nem competentes o suficiente para perceberem o limite da indignação dos brasileiros.

Só depois que o povo ganhou as ruas, é que as autoridades e a mídia abriram espaço para discutir os temas dos protestos. Pena que em nenhuma manifestação da “Primavera Brasileira” falou-se em intolerância religiosa, nem em preconceito racial. Talvez tenhamos perdido uma boa oportunidade. Quem sabe, talvez, estejamos preparando a nossa oportunidade? Os fatos atestam que a estratégia adotada até agora é correta: ir às ruas, mostrar a cara da insatisfação, unir forças para impor às autoridades constituídas como desejamos que as coisas sejam feitas.

Nossa pauta é antiga, é legítima e dói na pele. O que falta? Será que ainda não chegou nossa hora? Quando será o dia da “Primavera” da Tolerância, do Respeito, da Paz?

Neste ano de 2013, será realizada a VI Caminhada Contra a Intolerância Religiosa na Praia de Copacabana, aqui no Rio. Precisamos aproveitar os efeitos desta brisa republicana para marcarmos definitivamente a nossa posição. Como alguns dizem, a Caminhada tem dono, sim. Esse dono é o civismo. A luta contra o preconceito e a intolerância religiosa não pertence apenas aos militantes do movimento negro e aos religiosos das matrizes minoritárias, como os Cultos Afros. Pertence e deve pertencer a toda a grande maioria dos brasileiros de bem, que desejam viver em um País melhor.

No passado, homens determinados se uniram para comprar a alforria dos seus. No passado, heróis se rebelaram e criaram quilombos como oásis de convivência.

Creio que o nosso desafio presente seja até mesmo mais difícil do que foi a árdua missão de outrora dos nossos antepassados. Nossa tarefa é construirmos uma sociedade capaz de conviver em paz com as diferenças, de forma perene. Para resolvermos esta questão, precisamos mudar o que há dentro de nós e o que está em torno de nós, na busca de uma sociedade mais justa, mais caridosa, mais compreensiva e mais feliz.

Não é momento de nos deixarmos cegar por vaidades improdutivas. Precisamos lapidar um consenso inspirados pelo que há em comum: o desejo de pôr fim à intolerância. Não há mais tempo para discutirmos as diferenças tolas que nos afastam. O tempo urge. Não podemos perder este momento histórico.

Que venha a “Primavera da Tolerância”!

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Rio de Janeiro, 23/6/13.

Márcio de Jagun

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