ORIXÁS X DEMÔNIOS: BATALHA CONTRA A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA. Artigo Pai Marcio de Jagum. Parte 01

ORIXÁS X DEMÔNIOS: BATALHA CONTRA A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

Infelizmente tem se tornado comum assistir a programas de TV, de rádio, ou a vídeos na internet onde neopentecostais se referem aos Orixás como “demônios”. Aliás, não apenas “demônios”. Há toda uma nomenclatura peculiar para ofender, macular, desacreditar os Deuses e Entidades do Panteão Afro Brasileiro.

Alguns termos e situações são tão bizarros que até provocam risos, até mesmo em nós Candomblecitas, Umbandistas e simpatizantes.

Contudo, é importante compreender melhor essa dinâmica, decifrando onde ela começa, como deve ser encarada e suas consequências.

De início, é crucial que se diga que os Orixás, para as Religiões Afro são divindades cultuadas como ancestrais divinizados de etnias iorubas.

Afirmações em contrário, antes de mais nada, são completamente equivocadas não somente em relação às definições religiosas, mas também às constatações históricas e antropológicas.

A associação de Orixás com demônios é uma grave ofensa à Fé e à liberdade de culto, amplamente protegidas pela legislação nacional e internacional.

 

DO CONCEITO DE DEMÔNIO:

Conforme esclarece o Dicionário Aurélio, demônio é “…nas religiões judaico e cristã, anjo mau que, tendo-se rebelado contra Deus, foi precipitado no inferno e procura a perdição da humanidade; gênio ou representação do mal; espírito maligno; espírito das trevas; Lúcifer, Satanás, Diabo;  pessoa má, perversa, de maus instintos…” (Pág.534, 2ª ed.,1986).

Ora, a palavra “demônio”, é entendida como personificação do mal; antítese do bem e do que é divino. “Demônio” é compreendido como algo nocivo, perigoso, pejorativo; entidade que deve ser exorcizada (banida, espantada) para libertar o homem do mal que o domina. O demônio é sempre algo que aterroriza.

Não se associa jamais o vocábulo “demônio” a algo benigno ou positivo.

A iconografia do “demônio” ao longo dos séculos, sempre o apresenta com aspecto assustador, povoando histórias macabras e as formas artísticas pelas quais os Homens demonstram terror.

Ainda que a etimologia do vocábulo seja outra, a significância moderna da expressão nos indica que a palavra “demônio” nada tem de positiva. Modernamente, demônio é sinônimo de mal, maldade. É entendido popularmente como o mesmo que diabo, satanás, belzebu, “coisa ruim”.

Na Bíblia, no Livro de Mateus (8:16), a expressão “endemoniados” é aplicada para significar espíritos que devem ser expulsos.

Em outras ocasiões, no Livro Sagrado dos cristãos, a expressão é substituída por termos como “espíritos maus” (Lu 7:21), “imundo” (Mt 10:1), “espírito mudo” (Mr 9:17) e “espírito imundo, mudo e surdo”(Mr9:25).

O cientista francês Pierre Simon Laplace, no ano de 1814, em plena eclosão do Século das Ciências (XIX), período em que floresceram descobertas e estudos contrariando antigos princípios basilares cristãos, como o evolucionismo de Darwin, batizou sua teoria supostamente capaz de explicar todos os fenômenos do universo, como “demônio”. Era o “demônio de Laplace”. Pois seria uma maneira de desbancar a atuação e o determinismo de Deus. O “Demônio de Laplace” era um opositor a Deus e à sua atuação no universo.

O filósofo Sócrates em sua Apologia, referiu-se a demônio, como “…uma espécie de voz que, quando se faz ouvir, me desvia sempre do que me proponho fazer,…” (Jean Brun, página 71).

O “Eterno Retorno” era considerado um dos seus pensamentos mais aterrorizantes por seu próprio autor, o filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900).

No seu livro A Gaia Ciência (1882), Nietzsche esclarece este conceito sendo visitado por um demônio que lhe atormenta os seus pensamentos.

Logo, para os grandes pensadores ao longo dos séculos, “demônio” também era símbolo de algo ruim, negativo e perigoso.

Vale dizer que para as Religiões Afro Brasileiras não existe nenhuma entidade que personifique o mal. Nem mesmo o polêmico Exu, cuja influência está ligada à energia sexual e sobretudo à comunicação.

Portanto, é totalmente inadequada e descabida a associação de Orixás a demônios e seus sinônimos.

É bem verdade que as Religiões de Matrizes Africanas acreditam na existência espiritual do bem e também do mal. Mas o mal para tal Credo, é representado pelos “AJOGUNS” (diferente de “AJAGUN”, “AJAGUNÃN”, “JAGUN”, ou “OGUN”).

Os AJOGUNS são sentimentos negativos e situações que atrapalham o ser humano, como o ódio, a inveja, a doença.

Os AJOGUNS não são cultuados, nem reverenciados, nem tampouco são os Orixás. Frise-se que as Religiões Afro Brasileiras tradicionais não possuem qualquer culto ao mal, ou à entidades malignas.

Logo, não se pode, sob nenhum critério, ou circunstância, firmar que Orixás são demônios. Também não se pode aceitar passivamente tal assertiva.

 

DAS CONSEQUÊNCIAS DA AFIRMAÇÃO DISTORCIDA NA MÍDIA:

Afirmações, ilações, ou suposições que igualem Orixás a demônios, são gravíssimas. Pois incitam a violência e o caos social.

A Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) acumula denúncias de agressões físicas, invasões em Templos de Umbanda e Candomblé, atos de vandalismo contra Terreiros, monumentos públicos e ícones da religiosidade afro.

Segundo matéria veiculada pelo repórter Alex Rodrigues, da Agência Brasil (http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-01-21/denuncia-de-intolerancia-religiosa-cresce-mais-de-600-em-2012), o Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, constatou que a quantidade de denúncias de intolerância religiosa cresceu mais de 7 vezes em 2012 em relação ao ano anterior, representando um aumento de 626%, sem contudo retratar a real dimensão do problema, conforme admite a própria Secretaria.

Conforme revelado pela Safer Net no ano de 2012, a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos (CND) recebeu 494 denúncias por intolerância religiosa praticadas em perfis do Facebook.

Vale a pena transcrever as palavras do Ouvidor da Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial – Seppir, Carlos Alberto de Souza e Silva Júnior, destacadas na matéria em alusão:

“Não consigo avaliar o porquê de tanta intolerância, mas um dos indicativos que ainda precisamos verificar com cautela (é a atuação de) algumas igrejas neopentecostais, que vem pregando o ódio, inclusive na internet. Há ao menos um caso denunciado à ouvidoria de uma igreja cujo líder espiritual vem revelando esse ódio contra as religiões de matriz africana, associando-as à coisas do diabo. Sabemos que esse tipo de pregação, feita por um líder religioso, afeta (influencia) a muitos de seus seguidores.”

 

O trabalho de pesquisa desenvolvido pela Relatoria do Direito Humano à Educação, iniciativa da plataforma DHESCA (Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais), constituída por 30 organizações e redes nacionais de direitos humanos e apoiada pela UNESCO, é altamente contributivo para compreensão da gravidade da situação.

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