Na encruzilhada da vida. Texto Mãe Stella de Oxossi

Na encruzilhada da vida

Quando se fala em encruzilhada, imediatamente surge na cabeça dos brasileiros a ideia de Exu e de “bozó”, nome pelo qual o povo gosta de designar as oferendas que o povo de candomblé faz fora do terreiro-templo. Claro que a referida divindade está, sim, ligada aos entrecruzamentos de caminhos. Mas o simbolismo da encruzilhada e, consequentemente, da cruz está presente em muitas religiões, sendo, assim, universal. O catolicismo soube enaltecer e ao mesmo tempo popularizar a imagem da cruz, mostrando Jesus sacrificando-se pela humanidade, momento em que ultrapassou seu estágio humano. A cruz, com seus quatro “braços” que apontam para os quatro pontos cardeais, é símbolo de orientação no espaço, para que a jornada humana não seja perdida. A encruzilhada, portanto, é um lugar de pausa, um momento parado no tempo, que leva à mudança de um estágio a outro ou, simplesmente, de uma situação a outra. Quando, portanto, oferendas nas encruzilhadas são depositamos, está se pedindo inspiração para o novo caminho que se deseja trilhar. Está se pedindo a quem? – A Exu, que é, na crença nos orixás, a divindade orientadora dos caminhos, responsável por mostrar a direção correta a ser tomada, tendo em vista que as dúvidas e incertezas possam, por fim, dar o descanso necessário à mente. Exu é a nossa bússola, aquele que nos protege para que não fiquemos desnorteados. Afinal, enquanto seres humanos, nós somos muito instáveis.

Em rituais celebrados pelo candomblé, a característica de instabilidade do ser humano é cantada: Pákun aboìxá; Ibà pa ràn tán axó dá ma aro; A fi dà wa rá àxé akó ma orixá; orixá wa baba alaye = Apague o fogo dos incêndios e nos proteja do aguaceiro. Apague o fogo, o calor que se alastra. Termine com as muitas discussões e tristezas criadas. Nós somos instáveis, transforme-nos, imploramos sempre pelas suas instruções e sua doutrina orixá. Seja nosso mestre, o dono do nosso modo de viver. Cecília Meireles, em seu poema “Ou isto ou aquilo”, também nos lembra dessa particularidade, que tanto desgaste dá à mente humana: Ou se tem chuva e não se tem sol, ou se tem sol e não se tem chuva; Ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não se calça a luva; Quem sobe nos ares não fica no chão; quem fica no chão não sobe nos ares; É uma grande pena que não se possa estar ao mesmo tempo nos dois lugares; Ou guardo o dinheiro e não compro o doce, ou compro o doce e gasto o dinheiro; Ou isto ou aquilo… E vivo escolhendo o dia inteiro; Não sei se brinco, não sei se estudo, se saio correndo ou fico tranquilo; Mas não consegui entender ainda qual é melhor, se isto ou aquilo.

A vida nos coloca sempre em encruzilhadas, onde somos obrigados a escolher que atitude tomar, por isto se diz que é na encruzilhada que se encontra o destino. É que as encruzilhadas, isto é, os cruzamentos de caminhos, são espaços sagrados, daí a responsabilidade que se deve ter com os rituais e, consequentemente, os pedidos feitos nestes locais. Por exemplo, é comum o hábito de se depositar oferendas para determinadas “entidades”, com o objetivo de conseguir um amor. Inocentes pessoas que, sem o conhecimento devido, não sabem que os amores assim conseguidos são passageiros, tanto que em latim a palavra encruzilhada é conhecida como trivium, significando aquilo que é trivial, que é efêmero.

Repetindo, as encruzilhadas são lugares sagrados onde se pede ajuda aos deuses para que tenhamos critérios nas escolhas feitas, a fim de não nos perdermos no caminho. São também nesses locais que pessoas que possuem o devido preparo espiritual, com muita responsabilidade e respeito, realizam rituais cuja finalidade é despachar, no sentido de expulsar, as energias negativas, que o sagrado consegue transmutar em energias positivas, para depois serem devolvidas aos homens, já livre de todas as impurezas. Pois, as encruzilhadas são lugares, e momentos, de reflexão para escolha do caminho a seguir, mas também são lugares naturais para que possamos nos desvencilhar das negatividades por nós criadas ou em nós respingadas.

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