Os dois lados da moeda. Texto de Mãe Stella de Oxossi.

Os dois lados da moeda

Gosto de repetir alguns temas nos artigos que escrevo, um deles é sobre o ato de agradecer. Meu agradecimento, hoje, vem em forma de pedido a Xangô, Orixá da Justiça, que proteja e ilumine a todos que são responsáveis, aqui na Terra, pela aplicação da justiça, dando-lhes sempre discernimento, equidade e equilíbrio. As instituições que representam a justiça têm como um dos símbolos a balança, que ao posicionar seus pratos um diante do outro demonstra que “tudo aquilo que é manifestado está sujeito à dualidade e às oposições”. Xangô, a divindade responsável pela justiça tem como instrumentos de autoridade e organização o xeré e o oxê. O xeré chama a flexibilidade da água para abrandar a possibilidade de um comportamento violento, por parte de quem julga um ato extremamente repulsivo, pois só assim o oxê pode ser usado de maneira justa para com os dois lados da questão envolvida.

O xeréé o instrumento de poder do orixá Xangô, utilizado por Ele para atrair a chuva, isto é, a água que controla fogo nele existente. Afinal, a forte energia do fogo só consegue ter um efeito transformador se tiver sido abrandada pelo frescor e pela flexibilidade da água. Só Oxum acalma Xangô. É por isso que Síkírú Sàlámì faz uma referência ao oríxá do fogo dizendo: “A urtiga se molhou com a chuva, perdeu seu irritante ardor e foi possível tocá-la”. O xeréafricano original é uma simples cabaça de pescoço comprido que ao ser chocalhada faz com que suas sementes produzam um som que lembra o cair da chuva. O xeréafricano também se apresenta mais elaborado, recoberto de couro com detalhes em metal. Já os xerésdo Culto aos Orixás realizado no Brasil são normalmente de cobre e utilizados pelos ministros de Xangô, os Mogbá, como ferramenta de poder religioso para “chamar” a energia do referido orixá; ou são utilizados pela Ìyalorixá/Babalorixá para ajudar os iniciados a serem “possuídos” pela sua divindade, funcionando como um tipo de bastão de comando. Mas o xerés serve também para anunciar a chegada de Xangô quando este toma, inesperadamente, a cabeça de seu sacerdote.

Oxê é o machado duplo da guerra e da paz.  O verdadeiro machado de Xangô era feito de pedra, unida a um cabo de madeira com tiras de couro ou uma espécie de cipó encontrado em paredes rochosas. O machado neolítico de pedra polida é um dos mais antigos instrumentos de combate, considerado uma das evoluções mais importantes da era Neolítica (entre 10.000 a 3.000 anos atrás). É um dos marcos do fim da Idade da Pedra e início da Idade dos Metais, quando o cobre foi usado pela primeira vez. Atualmente, é com o cobre que é confeccionado o oxê utilizado pelos sacerdotes de Xangô, quando em estado de divindade. Oxê é o machado duplo de Xangô, Orixá da Justiça Divina. Machado de duas lâminas iguais voltadas para lados opostos que simboliza a dualidade característica do mundo em que vivemos e dos seres humanos que nele habitam. Dualidade que só pode ser vencida pelo discernimento, equidade e equilíbrio. Xangô, com seu oxê, ensina que é preciso separar os fatos a fim de enxergá-los com clareza, para que se possa distinguir o certo do errado (discernimento); adaptando as regras a cada momento e situação, para que o direito de cada um seja igualmente respeitado (equidade) e, assim, a justiça realmente possa ser feita e a unidade possa ser mantida ou restaurada. O oxê é o machado de duas lâminas iguais, porém em estado de oposição, seguras por um eixo centralizador. Xangô é o orixá que busca a unidade através da relação equilibrada entre tudo o que se opõe. Para ele não existe “apadrinhamento”, existe justiça! É o orixá que propõe o equilíbrio através da perfeição do movimento, o equilíbrio dinâmico entre os opostos. Xangô é o orixá que usa o oxê, o machado de duas lâminas, como arma justiceira, pois assim pode olhar para os dois lados de uma situação e cortar em duas direções opostas, a depender do que seja adequado para a situação em questão. A justiça real é aquela que é capaz de ter pontos de vista opostos, por respeito à própria Justiça.

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