A sustentável leveza do ser. Texto de Mãe Stella de Oxossi

A sustentável leveza do ser

De tanto decantarem meu jeito leve de ser, que às vezes me soa como elogio outras como crítica, resolvi aproveitar um pouco de meu tempo para refletir sobre o tema e, usando uma palavra da moda, aproveito para compartilhar as minhas reflexões. O título deste artigo está claro, parafraseei do mundialmente conhecido livro – A Insustentável Leveza do Ser – do escritor Millan Kudera. Como somos seres únicos, criados em culturas diferentes, creio ter chegado a uma percepção pessoal sobre o tema peso e leveza, no que se refere à condição humana, que foi formada por minhas experiências particulares.

Lembro-me de que, há muitos anos atrás, sendo ainda uma jovem senhora que vivenciava intensamente a vida religiosa em uma comunidade, tinha eu preparado uma oferenda para “mamãe” Oxum, com todo carinho e esmero como devem ser sempre preparados os presentes que damos tanto aos deuses como também aos homens. Tudo feito coloquei o prato na janela para que o alimento esfriasse enquanto eu vestia minhas roupas ritualísticas. Quando retornei, tive uma grande surpresa, ou melhor, levei um grande susto: o prato com feijão fradinho tinha, simplesmente, desaparecido. Atônita, fiquei alguns segundos olhando para a janela vazia, como vazia ficou, naquele momento, minha mente. O que poderia ter acontecido? Se eu fosse uma pessoa fanática, pensaria que Oxum tinha descido do Órum para buscar por conta própria seu alimento. Por sorte minha, não possuo essa característica. Continuei parada a me perguntar: O que aconteceu? Foi quando, de repente, surgiram, do nada, algumas irmãs-de-santo assustadas, poderia até considerar desesperadas, dizendo-me que a oferenda tinha caído da janela, para o lado de fora da casa. Parada estava, parada fiquei. Irritadas, minhas irmãs desabafaram: “Será que nem assim você sai do sério?” E continuaram: “Fique você sabendo, Maria Stella, que a oferenda está na cozinha, nós a escondemos para ver se, pelo menos uma vez na vida, nós teríamos o prazer de lhe ver aflita por alguma coisa”.

 

Confesso que a declaração que eu tinha acabado de ouvir não me deixou surpresa, mas me deixou aflita, sim! Só não demonstrei minha aflição porque não poderia estimular um comportamento tão infantil: um omolocum eu poderia fazer outro, se fiz o primeiro poderia fazer o segundo, mas não fui eu quem fez o homem, portanto, não cabe a mim refazê-lo (se é que esta necessidade existe). Minha aflição estava em perceber que a tranquilidade não é uma característica bem vista e bem aceita, muito pelo contrário, ela é confundida com alienação, no sentido de não comprometimento. Mais preocupada eu fiquei ao perceber que emoções como desespero, agonia, angustia, são entendidas como envolvimento real com uma situação. “Ser ou não ser, eis a questão”. Ousadamente, eu imitava Hamlet e me indagava como seguiria minha vida a partir daquela experiência: leve como o algodão que, suavemente, eu usava quando enfermeira para limpar as feridas do corpo dos doentes e que hoje, como iyalorixá, uso as folhas desta planta para limpar as angústias e mágoas guardadas nos corações daqueles que me procuram em busca de conforto; ou pesada como as âncoras que servem para aportar os navios?

 

Ser ou não ser é uma questão que creio ser imposta a todos em algum momento da vida. Decidi ser. Decidi ser eu. Segui pela vida com meu já conhecido e decantado jeito leve de ser. É assim que sustento meu espírito e, principalmente, meu corpo. Afinal, o coração sente prazer com as fortes emoções, mas são exatamente elas que o desgasta, fazendo com que não seja capaz de dar ao corpo a vida necessária para que ajude o espírito a cumprir, por inteiro, a função que lhe foi incumbida de executar na Terra. Há pessoas, entretanto, que decidem ser âncoras: os navios precisam aportar. Ser ou não ser é uma questão que, provavelmente, só tenha uma resposta: ser ou ser. Talvez eu não tenha escolhido ser leve e o outro tenha escolhido ser pesado, denso, profundo. Somos o que somos, e aceitar essa realidade é nossa grande escolha: é o “x da questão”.

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