O conhecimento transforma e engrandece.

O conhecimento transforma e engrandece

Ser uma pessoa inquieta, observadora, questionadora, não quer dizer que ela seja rebelde, indisciplinada ou desrespeitadora dos seus mais velhos, muito menos dos Orísa, desde que essa sua inquietude e sede de conhecimento não ultrapassem os limites da hierarquia e dos awo (segredos) da religião.

Partindo dessa análise, as descobertas sobre o Candomblé devem acontecer de forma gradativa, porém, com bases sólidas e advindas de fontes confiáveis. Mas vale ressaltar que os awo só poderão ser revelados a partir da iniciação, e tudo no seu devido tempo e se o Iyawó tiver caminhos para isso. No entanto, muitas outras informações deveriam ser conhecidas por todas as pessoas que são adeptas da nossa religião, especialmente para quem ainda é Abiyan.

Entender a história do Candomblé é de fundamental importância para os iniciantes, pois só assim eles saberão o porquê das hierarquias, de cada ritual, de cada cântico, rezas e demais preceitos. Ver atitudes de pessoas que se intitulam sacerdotes, mas que não transmitem esses ensinamentos aos mais novos nos faz pensar numa geração futura desinformada e muito mais passível de comportamentos em desacordo com o que apregoa a religião. Tudo bem que muitos líderes espirituais não detenham todo o conhecimento, mas que pelo menos eles incitem, provoquem nos mais novos o desejo pela busca de informações, mas é óbvio, informações estas que independam do tempo vivido pelos mesmos dentro de um egbé (comunidade). Sacerdotes idôneos, comprometidos com o desenvolvimento e a perpetuação do Candomblé dificilmente admitirão que um Omo-Orísa (filho-de-santo) não conheça e não reflita sobre suas raízes, seus ancestrais e sobre o seu papel dentro da comunidade.

Seguindo nessa linha de raciocínio é cabível uma pergunta: como pode um Abiyan, Iyawo, Egbomi, dentre outros, nem sequer conhecer o seu próprio Orísa, as histórias (lendas) que o cercam? Não saber o porquê de ele ter mais relações/afinidades com alguns Orísa do que com outros?

Hoje, depois de percorrer um pouco nesse mundo tão complexo que é o dos Orísa, vejo que existem questões que não podemos nos abster de conhecê-las, senão corremos um sério risco de nos tornarmos “marionetes” nas mãos de pessoas que posam de sacerdotes, mas que na maioria das vezes nem conhecem suas próprias raízes.

Ser um verdadeiro sacerdote é estar engajado e disposto a ensinar aos mais novos a trilharem os seus caminhos dentro e fora do egbé, embutir nos mesmos o conhecimento para que eles possam retribuir todos esses ensinamentos através de uma conduta honrosa no culto aos Orísa e na defesa da sua religião. E pensando nisso surge mais um questionamento: como pode um Omo-Orísa se posicionar perante a sociedade enquanto candomblecista e defender sua religião se nem ele mesmo a conhece? Dessa forma, muitas vezes através do comodismo, é verdade, fica fácil assumir a posição da neutralidade, da imparcialidade, e quando questionado sobre sua religião, para facilitar o diálogo dizer apenas que é “católico”, não praticante, isso é fato, mas “católico”. Digo isto porque é muito comum pessoas tomarem essa atitude da passividade.

E é por esta e por outras razões que continuamos sendo desrespeitados, afrontados. Se nós mesmos não nos posicionarmos em defesa da nossa crença, quem fará isso por nós? A existência do preconceito contra os candomblecistas existe, também, por culpa destes que se escondem, evitando assim a exposição. Agindo dessa maneira só dificultam o processo de valorização da religião e, ao mesmo tempo, deixam de mostrar ao mundo que são parte integrante da mesma, que é tão bonita e rica e que merece respeito e reconhecimento.

Não conhecer e reconhecer a sua própria religião passa a ser mais um trunfo nas mãos dos preconceituosos e intolerantes.

Que saiamos do comodismo e que façamos acontecer. Candomblé é fé, amor, mas também é conhecimento, informação.

E para finalizar, deixarei um trecho do livro da Ìyálorìsa Maria Stella de Azevedo Santos, também conhecida como Mãe Stella de Oxossi, Meu Tempo é Agora, que vai ao encontro do que penso, para que possamos refletir as nossas atitudes enquanto candomblecistas:

“Não é mais possível a prática da crença nos Orísa sem reflexão, estudos e entrosamentos. A tradição somente oral é difícil nos tempos atuais. Até mesmo porque a aquisição da escrita pela humanidade é um ganho, e não uma perda.”

 

 

Cátia Silva

Em 30 de Maio de 2014.

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