Sou filho de Orixá. Parte 1

Sou filho de Orixá. 2009.

Parte 1

Durante muito tempo relutei em escrever asminhs observações sobre o candomble porque sempre achei que não tinha conhecimento ou informação suficiente para repassar aos iniciados de nossa religião.

Não que agora eu tenha uma montanha de informações, não é isso. Mas ao longo desta caminhada, aprendi que ser um Ebami é bem mais que completar o ciclo de iniciação com uma cerimônia de sete anos. Ser Ebami (Egbonmi), é primordialmente cuidar para que os novatos sejam bem tratados e educados dentro dos princípios básicos da boa convivência e hierarquia religiosa de cada Casa de Axé.

E o que me motivou a escrever e compartilhar estas experiências foi, justamente, o aprendizado com a observação de acontecimentos e fatos presenciados ao longo do tempo. Esta observação fez a minha percepção de certo e errado mudar, e agora, acho que por menor que seja minha contribuição, ela pode de alguma forma ajudar aos que necessitam de orientação. Ou, ainda, auxiliá-los a descobrir seu caminho.

Alguns podem achar presunção, outros podem achar que de fato não tenho nada de novo para dizer, e é fato, não vou aqui reinventar a roda, não vou copiar e colar texto de ninguém, mas vou fazer o que me compete como irmão mais velho. Vou discutir aquilo que for pertinente e possível de ser discutido num blog. Nem mais, nem menos.

Vou começar por uma questão que para muitos é vista como uma brincadeira “ingênua” no interior das Casas de Santo, mas que tem causado tantos transtornos e desvios de conduta dos iniciados, além de contribuir também para um aprendizado inadequado, com conseqüente má formação dos futuros Zeladores de nossa religião perpetuando assim a ignorância e as crendices.

Refiro-me aos “tabus” e “mistérios” que na maioria das vezes foram e são  “criados” no interior da própria comunidade, sem fundamento religioso algum que os sustentem. A maioria deles, os “tabus”, são de origem desconhecida e/ou duvidosas. Outros, simplesmente foram incorporados de outras religiões e tomaram importancia de leis.

Mas existe um ponto em comum a maioria destes “tabus e msitérios” de encomenda. Eles servem sobre maneira, e cabem como uma luva (em mãos erradas), para confundir os mais novos, impor o medo e manter o poder de algumas comunidades de nossa religião.

Não entendo o porquê da criação de tantos “mitos, preceitos e preconceitos” acerca de nossa religião, e muito menos consigo entender que essas criações e alucinações partam justamente de dentro de nossas Casas ou de Zeladores pouco confiáveis. E entendo menos ainda que estas criações sejam impostas aos iniciados.

A maioria desses ditos “mitos e preceitos”, não tem o menor fundamento religioso ou qualquer fundamento de “Quarto de Orixá” e só servem para atemorizar e criar uma idéia, apreciada por muitos, do poder absoluto do Zelador.

É sobre a falta de conhecimento religioso, que leva à criação de “tabus e mitos” sem fundamento, porém muito oportunos em certas situações onde o Líder se vê questionado, e sem respostas claras e convincentes, recorre aos “tabus e preceitos”, que me proponho a falar, tanto de um lado quanto do outro (pois se um grupo cria tais tabus e os impõe como regra, o outro lado simplesmente aceita sem questionar ou pensar); e principalmente da condição de submissão e marginalidade a que o iniciado é muitas vezes relegado nesta estrutura de invencionices.

Também da pompa, do ego e do interesse financeiro, que estão sendo postos acima de tudo em muitas casas, e que tem causado situações das mais complicadas. É sobre isso, e principalmente sobre essas criações alucinadas de uns tantos que desejo manifestar meu protesto, minha indignação.

Há pouco tempo falei à minha esposa que não quero mais participar do “Candomblé de periferia” ou do “Gueto” em contra ponto ao Ketu. Falo do Candomblé sem essência, sem fundamento, sem cultura, sem matriz, por tanto periférico. Quando me refiro ao Gueto, estou falando de uma comunidade fechada em si ou em torno da figura do Zelador, sendo este a configuração de tudo que é o certo, da moral e o único e inquestionável detentor do saber e poder, que distribui ordens……Esse modelo é característico dos guetos onde se criam suas próprias regras e leis, onde o que vale é a ditadura.

Não podemos confundir hierarquia com ditadura.

Um iniciado não pode ser tratado, e nem se deixar tratar, como subalterno, como pessoa de 2ª categoria dentro ou fora de qualquer Casa, o respeito é devido ao iniciado e principalmente ao Orixá. O tratamento desrespeitoso não pode ser confundido com hierarquia religiosa.

Tenho visto e sabido de lugares onde o preceito da boa educação não é cumprido, onde o que vale é o grito, o xingamento e o tratamento desrespeitoso. Por isso resolvi escrever e ajudar no que estiver ao meu alcance e for possível.

Quando soubermos o que somos e quem somos diante do nosso Orixá e diante de Olodumare, não aceitaremos zeladores presunçosos e arrogantes, mentirosos e farsantes que por medo, covardia ou ignorância tentam intimidar ou invalidar o que cada um carrega consigo em seu Ori.

Neste texto não serão feitas revelações de segredos de roncó, muito menos serão ensinadas ou recomendadas comidas e macumbas variadas para diversos fins, até por que nunca me interessei por este assunto. Meu interesse sempre esteve voltado para o conhecimento da cultura religiosa. Portanto se o que você procura é segredo de feitura, interrompa esta leitura e vá buscar em outro lugar. Aqui você vai ler sobre coisas que no final das contas você já sabia, mas faltava alguém te empurrar goela abaixo essas palavras.

Uma pergunta básica de todo principiante. Para que serve ficar dançando e rodando num xire se não sei a finalidade disso?

Resposta básica. É assim porque é assim e foi assim comigo. Então…. isso é o certo.

A resposta dada esclarece a pergunta feita?

Nossa religião é baseada na liberdade, na natureza e nos ancestrais divinizados ou não, sejam Orixás ou não. Nossa religião sempre nos ensinou a respeitar e agradecer aos antepassados por tudo o que fizeram e ainda fazem por nós. A harmonizar as energias da natureza e do corpo, e contemplar o belo. Além de uma noção muito clara de família e respeito aos mais velhos. Diante disso, o dançar, o cantar e o incorporar dos Orixás devem ser encarados como o momento de religação e (re) encontro com toda essa energia acumulada por nossos ancestrais e pela natureza, que pode e deve ser redistribuída a todos os participantes, seja no momento da dança do Orixá e do canto sagrado, ou em cerimônias restritas. Portanto se você não sabe a função destes elementos, se você não foi instruído para esse momento, como você saberá realizar sua parte neste conjunto?

Continua…..

Fale Conosco