Sou Filho de Orixa. Parte 2

Sou Filho de Orixa

Parte 2

Neste caso, não vejo mais que duas alternativas para este iniciado. Ou ele se sentirá um farsante, um maluco, alguém que não se adapta ao processo. Ou vai procurar outros lugares, outros Zeladores ou outras religiões que possam esclarecê-lo a respeito da sua função religiosa e te falar sobre a existência de um Deus e todos esses questionamentos próprios dos humanos. Que na realidade deveriam ser esclarecidos na própria família/roça.

No meu entendimento a incorporação se dá de forma intima e pessoal, cada um desenvolve sua forma de comunicação e sua maneira própria de sentir e manifestar seu Orixá. A mesma energia que para João é muito eufórica, para Antonio pode ser depressiva, isso depende de João e de Antonio, afinal, são pessoas diferentes, são sentimentos diferentes, são por tanto manifestações diferentes da mesma energia, mas em algumas coisas os dois serão iguais, nos medos, nas dificuldades e nas desconfianças que afligem os que estão iniciando.

Por tanto se faz necessário o acompanhamento carinhoso e sereno, seguro, firme e cuidadoso por parte de seu Zelador ou do seu orientador, com a explicação sempre clara de cada passo dado, de cada reação do iniciado, seja do seu corpo ou do seu inconsciente. Portanto, neste contexto, não cabem “mitos e tabus criados” que só funcionam como barreira ao iniciado.

Hoje o que vejo são os iniciados jogados a própria sorte e auto-desenvolvimento e isso, para mim, é prova do quanto somos falhos e relapsos na formação das novas gerações, dos novos Zeladores e Zeladoras. Sei, na pele, que é dispendioso e demorado o caminho do aprendizado, não questiono se bom ou mau o aprendizado, isso depende do grau de conhecimento da pessoa que se propõe a ensinar e do grau de comprometimento que esta pessoa tenha com o ensinar. Mas também há uma outra questão que entendo como principal. O quanto o iniciado deseja aprender. Sendo assim, não vejo como podem conviver em “harmonia” as seguintes questões.

Falta de interesse em ensinar, e incapacidade de ensinar.

Criação de tabus e regras.

Pouco interesse em aprender.

Questiono, sobre tudo, a falta de interesse das pessoas que tem como função ensinar e estimular o aprendizado, mas que se escondem em frases como: “Cada coisa a seu tempo”. Ou: “isso você ainda não pode saber, é segredo”.

Estes são exemplos de “tabus e regras” criados somente para complicar a vida do iniciado e disfarçar a incopêtencia em ensinar.

Essas respostas denotam medo e falta de capacidade. É uma forma de afugentar o novato para não ter que explicar coisas que ele mesmo, o Zelador, desconhece. É não ter humildade de reconhecer suas limitações e recorrer a outras pessoas mais experientes para assim também aprender e melhor ensinar.

Relembro que meu texto não fala em “fundamento” religioso, mas de comportamento e aprendizado religioso.

Tabu clássico. “Não há consciência durante o transe”. Todos nós sabemos que é comum o fato de existir sim, em algumas pessoas ou em alguns tipo de mediunidade, a consciência durante o período inicial do transe. É normal, em certas circunstancias, o fato de ouvir e de sensações. Isso faz parte do aprendizado e só com o tempo, as devidas liturgias e a prática se chega à inconsciência, que mesmo assim poderá não será total.

Por que então não falar abertamente sobre o assunto com os filhos. É incomum ouvir ou ler que a consciência é certamente presente em grande parte dos iniciados, mas há um grande tabu sobre este assunto. Normalmente se recorre a “tabus e regras” para assim fugir do tema. Mas ao fecharmos os olhos para este fato corremos o risco de, literalmente, bater a cara na parede. E depois quase sempre se ouve o seguinte o comentário. “Isso é “equê” ou “pouca força do Orixá”.

Não! O que faltou foi coragem de falar com o iniciado. “Meu filho, no princípio isso é normal, cada pessoa reage de forma diferente a presença do Orixá, mas não tenha medo me de a mão que eu te ajudo. Eu te guio”.

Faltou falar ao iniciado que o Orixá é uma parte da sua personalidade que devido a condicionamentos e rituais específicos será evidenciado, será “chamado” a se apresentar com lindas danças, roupas, gestos e brados. Para que seus filhos possam então lhe honrar.

Mas para isso e antes disso, no silencio das casas de Orixás os iniciados devem ser educados, treinados, ensinados, devem receber “pé de dança” devem aprender a língua sagrada, os ofícios e ritos, devem ser inseridos no mundo do candomblé e devem ser encorajados à leitura e aos estudos de forma geral. E como citado anteriormente esse processo é dispendioso e demorado, e hoje todos tem pressa, até casa de Orixá tem pressa, para nossa tristeza.

Neste trecho você deve estar pensando que eu acho que quem sabe mais, quem tem mais estudo, quem tem nível superior, ou melhor, quem tenha pós-graduação “incorpora” melhor? Não é isso, mas acho que as oportunidades de bons empregos aparecem para quem está melhor preparado. Assim como os iniciados que tiveram melhor educação religiosa, serão melhores Zeladores. Meu grande sonho é ver um filho de Orixá num grande posto de comando, sem vergonha de declarar a qual religião pertence e cumprir sua função religiosa e social com dignidade.

Não posso negar que o saber influencia no “incorporar”, mas que saber é esse então?

È o saber ouvir e aconselhar do Preto velho ou Pomba Gira. O saber abraçar e beijar a testa de um filho que lhe pede a benção, quando se está incorporado de Orixá. É saber “virar”em respeito ao Orixámais velho ou o homenageado, e é saber se portar numa casa visitada.

Virar de Orixá, como já disse, é propiciar ao outro o que melhor você tem para oferecer, é distribuir o Axé e energizar os necessitados, “um abraço dado de bom coração é uma benção”, diz a toada de Umbanda, é também receber o Axé e as energias, é uma parte de você que está sempre em contato com o seu Deus pessoal.

Tanto para o iniciado quanto para devoto a presença do Orixá manifestado, com gestos suaves e feições serenas pode, por exemplo, acelerar a cura de uma enfermidade, pode lhe dar a força necessária para buscar um emprego, e isso acontece simplesmente por que esta imagem transmite ao cérebro uma sensação de bem estar e proteção que faz com que a cura ou sucesso profissional seja uma certeza inquestionável, isso é fé, que aliada a um bom tratamento médico ou a procura pelo emprego adequado a sua aptidão, darão cura a diversos males. Quem empresta o corpo ao trabalho espiritual também será beneficiado. Essa é uma das funções da religião. Mas por que não se explica isso ao iniciado? Por que tudo gira nas mãos do Zelador? O mais simples quase sempre é o melhor caminho.

Quando me questiono sobre a religião, as vezes me vejo sem esperanças e engrosso o coro dos que dizem que daqui a 50 anos o candomblé estará tão descaracterizado que será uma outra religião. Neste momento recobro os sentido e a razão e percebo que não podemos desanimar, então eu escrevo, discuto e levo a informação adiante. Só não aceito, regras, tabus e imposições de verdades parciais.

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