02 de fevereiro se celebra Yemonja no Brasil.

 

@funmilayo.cuidados

Texto gentilmente cedido por Estela Willeman

 

02 de fevereiro se celebra Yemonja no Brasil.

A morte de Moïse (24/01/2022) está me perturbando muito.

Um homem africano de 24 anos, oriundo do Congo, refugiado de uma guerra sem fim promovida pelos imperialistas na depredação das riquezas naturais do país, foi assassinado no bairro mais elitizado do estado do Rio de Janeiro – Barra da Tijuca – por ter cobrado ao patrão por suas duas ou três diárias atrasadas em seu trabalho já precarizado e hiperexplorado.

Na África, Yemoja é cultuada no rio Ogum, em Abeokutá, mas na diáspora africana no Brasil, ela passou a ser cultuada no mar.
Algumas pessoas de axé costumam chamar o mar de Calunga Grande, ou seja, um grande cemitério. Isso se deve ao fato de nossos ancestrais africanos compreenderem que o mar é um território onde Yemoja colheu os corpos negros que foram sequestrados e mortos no período do tráfico negreiro e invasão do Brasil por europeus.

Moïse foi brutalmente assassinado na Barra da Tijuca, de frente para a calunga grande de Yemoja, sem que ninguém o protegesse. A família de Moïse fugiu da morte na guerra branca no Congo, mas não conseguiu se proteger de guerra branca do capitalismo, da desigualdade, da exploração, da desumanização e do racismo no Brasil.

Yemoja é celebrada por milhares de pessoas no Brasil, normalmente em praias. Sua festa na praia do Rio Vermelho, em Salvador (BA), chegou a receber 800 mil pessoas, se tornando patrimônio cultural da cidade. Desde o raiar do dia, oferendas são entregues por fiéis e apoiadores na beira da praia. Balaios carregados de flores, colares e espelhos também saem de barcos de pescadores.

Seu nome tem origem no idioma yorubá e significa “mãe cujos filhos são como peixes”.
Se eu fosse Yemoja, eu não ia querer flores de quem mata ou deixa meus filhos morrerem.
Se eu fosse Yemoja, eu não ia querer cânticos de quem mata ou deixa meus filhos morrerem.
Se eu fosse Yemoja, eu não ia querer danças de quem mata ou deixa meus filhos morrerem.
Se eu fosse Yemoja, eu não ia querer oferendas de quem mata ou deixa meus filhos morrerem.
Acontece que eu não sou Yemoja. Eu sou apenas uma humana, pequena, limitada, que cultua orixá de todo o meu coração, corpo e inteligência, mas com todas essas inconsistências. Na minha vida diária, eu procuro conhecer e sentir cada vez mais a sabedoria de orixá e aplicar em minha vida porque orixá não é separado de mim, orixá me habita e habita o mundo que vivo. O candomblé não é uma religião nos moldes ocidentais que separam corpo e alma, céu e inferno, deus e humano. O candomblé é uma práxis oriunda de uma filosofia total, que cobra coerência permanentemente e se manifesta no corpo, na alma, na vida cotidiana. Não há espaço, portanto, para incoerência ou hipocrisia.
Yemoja é uma iyaba preta, africana, e mesmo não sendo orixá eu sou mãe e posso afirmar com grande convicção que a melhor oferenda que se pode fazer a ela é lutar para que seus filhos parem de ser assassinados por causa da cor de sua pele. Como diria a filósofa afroamericana Ângela Davis, não basta não ser racista. É necessário ser anti-racista. Ser anti-racista é ter uma práxis anti-racista, é viver isso na vida, no corpo, no cotidiano, é lutar ativamente para eliminação do racismo. Sábado próximo (05/02/2022), às 10h da manhã, na Praia da Barra da Tijuca, Posto 8, em frente ao mesmo quiosque em que Moïse foi assassinado, haverá um protesto contra essa tragédia. Aproveite que está de frente para o mar e leve sua oferenda para Yemoja no próprio corpo, erguendo os punhos contra a morte e a desigualdade que afetam o povo preto. Leve sua oferenda para Yemoja na sua voz clamando por justiça para seus filhos.

Fale Conosco