Não iremos nos calar.
NOTA DE REPÚDIO
O CETRAB – CENTRO DE TRADIÇÕES AFRO-BRASILEIRA vem a público REPUDIAR, veementemente, mais uma atitude racista e discriminatória do Bispo Marcelo Crivela, então Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro, em vetar o projeto de lei que torna Patrimônio Imaterial do Município o Quilombo da Pedra do Sal, na Zona Portuária do Rio.
A Pedra do Sal foi residência secular de escravizados, ex-escravizados, negros libertos, negros livres e, agora, de seus descendentes. O local é o centro do patrimônio histórico e cultural negro da zona portuária do Rio de Janeiro e, de acordo com o Antropólogo e Vice-presidente do Comitê Científico Internacional do Projeto Rota de Escravos da UNESCO – Milton Guran, o Quilombo da Pedra do Sal, junto com o Cais do Valongo e o Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos formam o tripé que fundamentou a candidatura e o tombamento do sítio Arqueológico Cais do Valongo como Patrimônio Mundial pela UNESCO, em 2017. Uma região que marca a presença africana no Rio de Janeiro.
A Pedra do Sal foi tombada oficialmente em 1987 como patrimônio material do estado do Rio de Janeiro. Seu tombamento expressou a valorização da memória negra na cidade e o reconhecimento das tradições culturais e religiosas de matriz africana. Pela primeira vez no Brasil, um local conhecido historicamente como espaço de oferendas aos Orixás foi tombado. A região é fortemente marcada por três elementos. Um deles são as atividades portuárias. O outro, a presença, desde o século 18, de praticantes de tradições culturais e religiões de matriz africana, sendo a Pedra do Sal o local onde surgiram as primeiras Comunidades Tradicionais de Terreiros da cidade. E também pela criação dos primeiros ranchos carnavalescos do Rio. Esses eram frequentados por figuras de expressão nacional do samba, como João da Baiana e Donga. Também ali surgiram o bloco Afoxé Filhos de Gandhi e escolas de sambas tradicionais, como a Império Serrano. Parte da Pedra do Sal, entre o Largo João da Baiana e a Rua São Francisco da Prainha. A história da presença negra no lugar remonta à época em que toda a região era conhecida como Prainha, que era também o nome dado à pedra. Até meados do século 18, o local ainda não tinha sido aterrado. Ficava próximo ao mar e era habitado por pescadores e salineiros. Além de alguns trapiches de sal, a paisagem era composta também por construções imponentes, como o Palácio do Bispo, a Igreja de São Francisco, a Fortaleza da Conceição e a Cadeia de Aljube. Para essa cadeia eram enviados os escravizados que cometessem crimes, bem como os quilombolas. Ali, também era possível ver algumas chácaras pontuando os morros próximos, como o Morro da Conceição e o da Providência. Contudo, a partir de meados do século 18, devido à presença de trapiches (depósitos de mercadorias próximos aos portos) e de casas comerciais, a região passou a interagir mais com a cidade. Ainda assim, continuou sendo relativamente isolada, devido à proteção oferecida pelos morros da Conceição e da Providência. Essa característica levou o Marquês do Lavradio – então Vice-Rei e Capitão Geral de Mar e Terra – a escolher a região do entorno da Pedra do Sal para o crescente comércio de africanos escravizados. É público e notório que as atitudes desse religioso – Bispo Marcelo Crivela, na posição de gestor – Prefeito, cumpre o seu papel de apagar da história e imagem da Cidade do Rio de Janeiro a herança cultural que os Africanos deixaram na formação da identidade cultural de nossa querida Cidade.
Rio de Janeiro, 29 de junho de 2018.
MARCELO MONTEIRO
Presidente do Conselho Consultivo
CETRAB – CENTRO DE TRADIÇÕES AFRO-BRASILEIRAS