A degradação da imagem de esú
Parte 4
Esta saudação e esse itan nos remetem à questão de que existem muitos esu, todos mantendo a mesma natureza, multiplicação que se fez necessária para que houvesse a devida especialização no processo de povoação do universo e para que esu se constituísse efetivamente na “menor unidade de informação” do sistema. Em particular à terra, um itan do odu ogbe irete, mostra agba esu liderando-os na chegada ao aye (mundo concreto) e designando-os para os diferentes propósitos. O itan relata que olodunmare criou esu como um ebora (divindade criada) muito especial, que esu tem que existir com tudo e fazer frente à cada pessoa e à cada orisa.
Este itan, além de nos trazer a idéia da individualização e consequente especialização de esu junto à terra, em particular, e à criação, no sentido mais geral, nos remete a um trecho de um itan do odu otura meji que diz, “ esu disse que quem tiver prosperidade na terra tem que separar a parte de esu; que quem quiser procriar na terra não pode deixar esu para trás; que quem quiser prosperidade na terra não pode deixar esu para trás. Esu pergunta à ori se ele não sabe que esu é o mensageiro de deus?”
Se falamos que esu é o “controlador dos destinos” imediatamente somos remetidos ao fato de que esu é assim o “controlador dos caminhos” e lembramos a associação que se faz de esu e as encruzilhadas, representação por excelência da multiplicidade de caminhos e da geração e da imposição de alternativas e possibilidades. Destino e encruzilhadas estão, sem dúvida, intimamente ligados. Ao mesmo tempo que está em todos os lugares e em todas as formas criadas, esu está simbolicamente representado na encruzilhada, onde assiste e acompanha todas as escolhas feitas pelos homens na sua caminhada pela vida.
A propósito, um itan do odu ejiogbe meji diz em certo trecho: esu foi e sentou-se na encruzilhada. Todos os que estavam vindo até olodunmare teriam que dar algo para esu. E todos os que estavam voltando deviam dar algo para ele.” e ainda, “os babalawo jogaram para as três mil e duzentas divindades, quando eles foram para a casa de olodunmare para receber seus poderes. Isso é porque esu é mais grandioso do que todos os seniors.
Este último trecho nos remete à relação entre o esu e os orisa. É preciso reforçar a idéia de que esu cumpre para com os orisa e divindades a mesma natureza de papel que cumpre em relação aos seres humanos. Assim, ele os assiste, acompanha, regula e corrige; fazendo sobre eles e seu trabalho “relatórios” periódicos à olodunmare. Muitos são os itan odu que narram a respeito deste especial papel e a consequente senioridade de esu sobre os demais orisa. Deixando de lado o itan do odu ose-otura que relata como esu assumiu a senioridade sobre os demais orisa, podemos nos referir, em particular, à um itan do odu ogunda meji que diz, referindo à uma conversa dos babalawo com osanyin, após a briga deste com esu, você foi brigar com esu odara, que é mais forte do que você. Você não sabia que esu é o líder dos orisa? Não há nenhuma divindade que desafie esu. Em razão desse desafio feito à esu nada podemos fazer por você.
· que orisa, por sua dimensão cosmogônica, pelas suas características de princípio dinâmico associado à criação, a olodunmare e a todas as coisas, poderia servir de base à grande resistência que se fazia necessária frente à dominação, seja física, seja cultural e religiosa, que a escravidão empunha, do branco sobre o negro?
· que orisa, mais que esu, podia garantir a sobrevivência da identidade e da cosmovisão negra na américa europeizada e cristianizada?
· quem, senão esu, para lembrar ao dominado o pacto estabelecido por deus, olodunmare, com a sua criação, aí incluído o grupo humano, do qual, naquele momento, os africanos achavam-se aviltados pela escravidão e pela barbárie branca.
· quem senão esu para lembrar ao branco dominador, teólogo do racismo, do preconceito e da discriminação, sua culpa perante o seu próprio deus e a sua alma? Era preciso aviltar, prostituir, degradar completamente esu. Era preciso reduzi-lo em suas dimensões no universo. Era preciso colocá-lo em confronto com deus e com os homens. Era necessário inseri-lo em uma visão maniqueísta, de contrários, de oposição entre bem e mal. Era importante destituí-lo de capacidade de zelo e guarda sobre os dominados, instrumento possível de resistência e luta. Era fundamental obscurecer seu papel dialético, seu princípio dinâmico e vitalizador da criação, negar-lhe propósito e fundamento na ação divina. Ora, sabe-se que olodunmare derrama continuamente sobre a sua obra o ase que garante permanência e realização e que esu é o guardião e transportador desse elemento essencial aos processos de individuação no sistema e para a personalização do homem na relação de filiação com olodunmare. Sem dúvida, a teologia católica sobre a áfrica e os africanos sustentaria essa questão.
Artigo publicado na revista thoth – escriba dos deuses, janeiro/abril 1997, brasilia/brasil
8 comentários
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Artigo muito bom!
Material para ler e reler…
Alex
Importantes funções de Èsu
A escravidão foi sem duvida o grande vilão na perda dos valores africanos com relação à Èsu e ao culto dos Orísa no Brasil, posteriormente pela miscigenação e o sincretismo com as seitas espíritas cristãs. Sem duvida permitindo assim que os praticantes do culto aos Orísa fossem influenciados, e passaram a ressaltar os aspectos negativos de demônios, referindo-se a Èsu como:
Lúcifer tranca rua das almas, rei das encruzilhadas, ou mudam seu sexo, para os nomes: pomba gira Maria Padilha e outros. Os títulos, nomes e atributos deste importante Orísa da cultura yorùbá não permite invenções ou interpretações errôneas, como as que até hoje são perpetuadas pela falta de informação ou ignorância das pessoas que praticam o candomblé no Brasil, pois este trabalho tem como base o culto aos Orísa, que tem como sua origem o continente africano.
ESU YANGI: o primeiro da criação, a laterita vermelha
ESU AGBA: aquele que é o ancestral
ESU IGBA KETA: o dono da cabaça, o igba odù
ESU OKOTO: o dono da evolução o caracol
ESU OBASIN: o pai de todos os esu
ESU ODARA: o esu da felicidade
ESU OJISE EBO: o esu que leva as mensagens aos orísa
SEU ELERU: o esu que leva o carrego dos iniciados
ESU ENUGBARIJO: o seu que trás a prosperidade
ESU ELEGBARA: o seu que detém o poder da transmutação
ESU BARA: o seu dono do movimento do corpo humano
ESU OLONA: o dono de todos os caminhos
ESU OLOBE: o dono da faca ritual
ESU ELEBO: o que recebe as oferendas
ESU ODUSO; o que vigia os oráculos
ESU ELEPO: o dono do azeite
ESU INA: esu do fogo, saudado no padê
Vou procurar destacar de forma resumida os títulos e as funções mais importantes deste ancestral, nos rituais do candomblé e culto aos Orísa praticados no Brasil.
esu yangi: é o principio de tudo, a própria memória de Olodumáre, seu criador.
esu agba: é o nome que mostra sua ancianidade, ele é o mais velho, e por conseqüência o pai que é retratado no mito em que Orúnmìlà o persegue através dos àwon esan orun.
esu igba keta: é terceiro aspecto mais importante de esu que esta ligado ao numero três, a terceira cabaça onde ele é representado pela figura do barro, junto aos elementos da criação.
esu ikorita meta: é ligado ao encontro dos caminhos ou a encruzilhada, o encontro de três ruas. Y
esu okoto: é o representado pelo caracol agulha, mostra a evolução de tudo que existe na terra, e esta ligado ao Orísa Ajé Saluga; antigo Orísa da riqueza dos yorùbá.
esu obasin: é por este nome que e conhecido e cultuado em Ìlú Ifè
esu odara: é o que se satisfeito através do sacrifício, trás a felicidade ao fiel.
esu ojise ebo: é ele que observa todos os sacrifícios rituais, e recomenda sua aceitação, levando as suplicas a Olódúmarè.
esu eleru: é o que leva o carrego dos iniciados (erupim)
esu enugbarijo: é o que devolve a todos, o sacrifício em forma de benefícios.
esu elegbara: é o todo poderoso que transforma o mal em bem, cujo poder reside na transformação das coisas.
esu bara: é um dos mais importantes aspectos de esu, pois ele é o movimento do corpo humano, infundido no corpo pré-humano ainda no Òrun por Obàtálá sendo assentado no momento da iniciação, junto com o Ori e o Orísa individual
esu lona: é o senhor de todos os caminhos do mundo.
esu olobe: é o dono da faca tem que ser reverenciado ao começar todos os sacrifícios, onde a faca é necessária
esu elebo: é o carregador de todas oferendas.
esu oduso ou olodo: é ele que tem o seu rosto retratado do opón Ifá, e vigia o Babalawo para que este não minta, é o que vigia os Oráculos.
esu elepo: é ele que recebe o sacrifício do azeite de dendê.
esu Iná: preside o pade, sendo o dono do fogo, é a ele que os Bàbálórisá e Iyálorisa se dirigem no começo do ìpadé cerimônia que antecede o ritual.
Diante de tanta má informação a respeito do caráter de Èsu, como sendo uma energia ruim e vingativa, Não podemos nos esquecer também do desencontro de idéias é ideais Por parte de alguns dirigentes do culto, e um pouco de orgulho da parte de todos também, por isto que seu caráter ficou com a imagem distorcida, ao ponto de não merecer a confiança de alguns diante dos demais Orísa, sendo que, ele é o senhor dos caminhos e das possibilidades, o executor divino, punindo aqueles que não cumprem os sacrifícios determinados pelo oráculo e beneficiando aqueles que os cumprem. Pois ele nada faz por conta própria, esta sempre servindo de elemento de ligação entre Olórun e Òrúnmìlà. Mantém estreito relacionamento com os Egungun, e está de varias formas sempre servindo aos Orísa, na qual ele também é encarregado de vigiar, isto só pode ser feito porque ele é imparcial no seu papel de executor divino. E é por isto que todos os devotos de Orísa sacrificam para ele, seja por recomendação do oráculo nos tempos de dificuldade ou buscando algum favor em especial ou também em cumprimento de suas obrigações sacerdotais, para que desta forma a sua intervenção com o divino na solução dos problemas seja eficaz. Sendo assim para mim este é Èsu, rápido, honrado, justo e cumpridor das leis divinas. (ele não é vingativo, e nada executa por conta própria, apenas cumpre fielmente as ordens de Olórun).
Obs. o trabalho de pesquisa das características deste Orísa foram inspiradas no artigo publicado pelo Senhor; Gilberto A. Ferreira, salvo os comentários e criticas, pois estes são de minha inteira responsabilidade porque foi assim que ele se apresentou para mim, e é desta forma que eu como bom fiel me relaciono com este importante Orísa, a partir do momento que eu acordo até o momento em que me deito; e consciente das minhas batalhas do dia-dia porque, tenho a certeza de que sem a sua intervenção, seria impossível para mim superá-las. Sendo assim eu jamais poderia me negar, ou pensar em disser o contrário a respeito do seu caráter, portanto fica aqui o registro do meu respeito e admiração por este grande Orísa, que mesmo não sendo compreendido, mas com certeza é temido por aqueles que não o conhecem realmente. Wa Láàyè Èsu.
Àse fún gbogbo.
Governador Valadares MG 28/02/2012
Autor
Marcio, boa tarde, este material pode ser publicado em um post no blog? Assim este material não ficará perdido no meio de tantos comentários e poderá ser apreciado por outros leitores. Tomeje
Ola Tomeje, sozinho não vou conseguir nada; isto é Esu! possibilidades caminho para todos, faça o que melhor lhe convir, e tenho certeza que você vai fazer o melhor, grande abraço para você e felicidades a todos os seus.
A cultura tradicional do povo yorùbá é muito rígida no tocante a educação e respeito. Os mais jovens são ensinados a manter todo o respeito pelos mais velhos, compreendendo que a idade é sinal de posse de experiência e sabedoria. O cumprimento dos mais jovens para com os mais velhos é um sinal de demonstração deste respeito.
Dòbálè (tradução literal: peito na terra que vem do original dùbúlè: deitar) é o cumprimento feito somente pelos homens, não cabendo à mulher a atitude de deitar em respeito.
Kúnlè (tradução literal: joelho na terra vem do original Kúnlè: ajoelhar-se) é o cumprimento feito pelas mulheres, ou seja, simplesmente ajoelhar e pedir a benção daqueles que são merecedores de respeito.
Apesar da poligamia e às vezes extremamente machista essa cultura mantém um extremo cuidado com as crianças e mulheres; nos cumprimentos, as mulheres não expõem ao perigo seus seios ou ventre, para o caso das gestantes, deitando-se sobre eles no chão como é o ato do dòbálè. Esse costume de cumprimentar deitando-se ou ajoelhando-se foi mantido nos candomblés, porem com o grave erro de fazer as mulheres deitarem-se colocando os seios no chão, que posso afirmar não é do costume do povo yorùbá. O cumprimento não esta relacionado com o Orísà Olorí, mas esta diretamente relacionado com a boa educação e com os cuidados com as mulheres. Portanto que se compreenda que, é dever dos que mantém as tradições do povo yorùbá exigir o respeito a quem o tem de direito, mas é dever dos mais velhos zelar pelo bem estar daqueles que se submetem a ele.
Kúnlè é o que as mulheres devem fazer para cumprimentar.
Autor
Marcio, bom dia. Eu concordo em parte com esse procedimento que voce mencionou como sendo o correto por parte das mulheres. Se nos basearmos na tradição Yoruba, este é o procedimento correto e deveríamos cumprí-lo sem dúvidas. O problema é que nosso candomblé, e só podemos chamar de candomblé o modo de culto a orixa feito no Brasil, visto que este modelo é originário do Brasil, tem costumes e tradições que foram incorporadas aqui ou por necessidades específicas. Por exemplo, o caso das vestimentas femininas, estes trajes que usamos nos candomblés são nada mais que modelos de roupas do secúlo XIX, no entanto são aceitas como parte da tradição. Isso vale também para inúmeras adaptações ou modificações aqui ocorridas. Voce está correto em tratar deste assunto e traze-lo a discussão, mas precisamos deixar claro também que mesmo certas adaptações que hoje fazem parte do candomblé, estão enraizados e difíceis de serem apagados. Sou pela tradição sempre, e penso que este modelo que voce mencionou nunca deveria ter sido deixado de lado pelos nossos mais velhos, mas se o fizeram, e seja lá por que motivos tenham feito isso, essa forma de cumprimento hoje é a usual e aceita como correta também. Muito obrigado pelo debate e vamos conversando. Axé. Tomeje.
Você esta certo, acho que vai criar um certo incomodo mesmo, para algumas pessoas. Bom, vamos fazer o seguinte, é muito fácil, lembre-se do que Marcio de jagun escreveu à respeito do Senhor Altair?. pois é. eu não quero e não vou e não estou aqui para criar polêmica para ninguém, receba isto como a titulo de curiosidade, aprendizado mesmo, quem sabe alguém te pergunta, e lá na africa com eles se dirigem aos mais velhos? é importante ler o texto com atenção, não se refere à religiosidade de ninguém simplesmente é a forma de cumprimento quando eles se dirigem aos mais velhos, e por favor jamais tive a intenção de mudar os costumes do candomblé ou de fazer acreditar quem quer que seja nas coisas que eu escrevo, eu só quero que as pessoas conheçam, que tenham a oportunidade de aprender alguns dos costumes, e com são mantidos estes costumes na africa. Repito não quero criar polêmica muito menos discussão seja ela de que forma for. espero que eu não tenha incomodado ninguém pois não é este o meu proposito, o meu trabalho é de estudo e pesquisa sem a intenção de mudar os pensamentos das pessoas,pois não para mim que vão contar a sua história e nem satisfação dos seus atos. Mais uma vez grande abraço para você felicidades e tudo de bom a todos os seus, Àse.
Autor
Marcio, acho que voce me entendeu errado. Eu discordo da imposição, seja ela qual for, e quando falo em imposição em refiro específicamente ao usod e termos como “certo” ou “errado” quando nos referimos a cultura do candomblé. Precisamos lembrar sempre que a verdade está em cada Casa e em cada Axé. Mas acho que devemos e temos o dever de informar os leitores, e com seu texto voce também faz isso, que existem outros conceitos e outras formas de realizar cerimonias ou atos dentro da cultura religosa e que estas cerimonias e atos devem sempre estar alinhados com a tradição. Porém devemos deixar claro que o que se faz em cada Casa de Axé deve ser levado em conta e respeitado como cultura. Meu irmão devemos debater estes assuntos sempre, assim outros leitores terão a oportunidade de conhecer tradições e formas “novas” (litúrgicas) de fazer o candomblé. O bom candomblé. AXé e volte sempre. Tomeje.