A degradação da imagem de Esú

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Parte 1

Oração a esu

Ojumo ti mo eji ogbeyonu mo ki eji ogbe mi, eji ojumo ti mo mo ki

Legbara ojumo ti mo o mo fun mi mo pe esu odara ran se ojumo ti mo mo ni o gbe mi leyin ki o ba le mu ire mi ko mi aje

 

Amanheceu, eu louvei esu, o meu eji ogbe já amanheceu e eu louvei

Legbara o dia amanheceu e amanheceu para mim eu chamei, eu pedi favores à esu odara amanheceu e eu pedi para que ele me carregasse, para que ele me levasse ao encontro da minha sorte.

A degradação da imagem de esú

Artigo escrito por falagbe esutunmibi – josé tadeu de paula ribas

O autor é psicólogo, babalawo e mestrando em psicologia do desenvolvimento na usp.é membro da associação brasileira de ethno-psiquiatria, é fundador e atual presidente do ioc – instituto orunmila de cultura. É também presidente da fitaco – federação internacional da tradição africana e culto aos orixás.

Não acredito que seja possível falar em esu, seja na sua forma arquetípica popularmente conhecida, seja nos seus fundamentos e desenho originais, sem que se faça, pelo menos, uma rápida incursão por dois temas: o primeiro, diz respeito à vinda dos africanos e das religiões africanas que deram origem ao candomblé atual para o brasil, através da diáspora forçada que o processo de escravização negra representou e diz respeito também ao que ocorre durante a história da colonização européia sobre a áfrica e a correspondente cristianização da cultura africana. O segundo, e é natural que de tudo isso ele decorra, refere-se a questão do sincretismo e suas consequências.

Nos fins do século xv inicia-se o que pode ser considerado como tráfico negreiro. As primeiras experiências se fazem na ilha da madeira e porto santo. Posteriormente os africanos são levados também para açores e cabo verde. Por meados do século xvi, são trazidos para o brasil.

Com o apoio de quase todos os governos da europa, dá-se início à uma forma de mercado que faculta grande margem de lucro – a compra de escravos nas costas da áfrica, o seu transporte e a sua venda como mercadoria. Vários países se empenham, então, nesta atividade e muitas rivalidades surgem da competição entre a frança, a inglaterra, a holanda e portugal. Na américa, recentemente descoberta, os grandes latifúndios exigem a cada dia mais braços vigorosos para o trabalho na lavoura.

Os negros trazidos da áfrica para o brasil pertenciam a diversas culturas. Este contingente, segundo artur ramos, citado por bastide, pode ser dividido em quatro grupos:

· sudaneses – correspondem aos negros trazidos da nigéria, do daomé e da costa do ouro. São os iorubás, ewe. Os fon e os fanti-ashantis (chamados mina), krumanos, agni, zema e timini.

· civilizações islamizadas – especialmente representadas pelos peuls, mandingas, haussa, tapa, bornu e gurunsi.

· civilizações bantos do grupo angola-congolês – representadas pelos ambundas (cassangues, bangalas, dembos) de angola, congos ou cambindas do zaire e os benguela.

· civilizações bantos da contra-costa – representadas pelos moçambiques (macuas e angicos). Pelo tráfico negreiro chegaram ao brasil milhares de africanos na condição de escravos que se espalharam de norte à sul da colônia. Provenientes de vários pontos da áfrica, muitas vezes não falavam a mesma língua. Haviam guerreado entre si pertencendo a diferentes nações e cultuavam as divindades de suas tradições, diferentes, também, umas das outras. Em comum tinham apenas a condição social de escravos, o aviltamento decorrente desta situação e cosmovisões de matriz comum que definiam suas relações sociais e os contextualizava dentro da criação. Assim, os africanos trouxeram consigo sua religiosidade.

Quando os primeiros africanos chegaram ao brasil, a coroa de portugal criou uma lei que determinava, no seu primeiro artigo, que todos deveriam ser batizados na religião católica. Caso o batismo não fosse realizado em um prazo de pelo menos cinco anos, as peças deveriam ser vendidas e a importância relativa a esta transação comercial reverteria para a coroa. Outros artigos importantes desta lei, tais como o prazo de escravidão por um período não superior a dez anos, foram sendo, pouco a pouco, alterados, de modo que, na verdade, a lei jamais foi cumprida, salvo no que diz respeito ao batismo cristão. Essa legislação atendia, mais do que nada, às relações entre o governo português e a igreja católica, e à teologização da igreja católica a respeito da áfrica, dos africanos e da escravidão.

A tese de que a áfrica era a terra da maldição, é defendida, então, por vários teólogos cristãos. O pe. Antônio vieira, em seus sermões (xi e xxvii) afirma que a áfrica é o inferno donde deus se digna retirar os condenados para, pelo purgatório da escravidão nas américas, finalmente alcançarem o paraíso. O mesmo pe. Antônio vieira, no sermão xiv do rosário à irmandade dos pretos de um engenho, elaborado em 1633, ao comentar o texto de são paulo i cor 12,13 – o entende no sentido de que os africanos, sendo batizados antes do embarque da áfrica à américa, deviam agradecer à deus por terem escapado da terra natal, onde viviam como pagãos entregues ao poder do diabo. E diz: todos os de lá, como vós credes e confessais, vão para o inferno onde queimam e queimarão durante toda a eternidade (vieira, antônio, 1981). Em outro sermão ainda, vieira diz que, para ele, o cativeiro do africano na américa não é senão um meio cativeiro, pois atinge só o corpo. A alma não está mais cativa, ela se libertou do poder do diabo que governa a áfrica e o escravo no brasil deve tentar preservar essa liberdade da alma, para não cair de novo sob o domínio dos poderes que reinam na áfrica (idem).

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