A Fé nossa de cada

A Fé

Quando falamos em fé (axé) em nossa religião, estamos falando de um sentimento muito mais amplo do que a palavra fé pode representar no dia a dia das pessoas. Estamos na verdade falando do conceito de fé (axé). E a palavra “conceito”, neste caso, está sendo utilizada para esclarecer que fé (axé) é um sentimento, portanto, não é palpável, é um entendimento pessoal, mas não é real, porque depende de como cada pessoa percebe sua vida religiosa e de como cada um se comporta diante da sua fé (axé) e da sua religiosidade.

A fé é a parte mais importante no exercicio da religiosidade.

Assim como a fé é imprescindível para a realização dos diversos trabalhos espirituais, sejam eles para amor, negócios ou saúde, tudo deve ser feito com muita fé, tem que haver confiança nos Orixás, e fazer com o coração aberto, sem dúvidas da resposta. O bom caráter e o pedido feito na medida do seu merecimento é a outra parte deste caminho em busca de fé.

Muitas vezes não é preciso fazer grandes oferendas ou agrados, basta apenas uma vela com fé e o desejo pode se concretizar. Eu penso que tudo que precisamos está contido em nosso Ori (cabeça). Tudo que nós precisamos é aprender a lidar com este força interior chamada fé. Por isso devemos sempre consultar nosso Ori e ouvi-lo sempre. Se nosso Ori nos diz que somos incompetentes para um determinado assunto, porque devemos insistir? Porque não ouvir nossa cabeça?

Há momentos em que desejamos determinados acontecimentos, e o objetivo não é alcançado. Mas é preciso ter muito claro em nossas cabeças que nem sempre aquilo que queremos servirá para nos fazer feliz. Na verdade, pode ser bem ao contrario; então, não devemos perder tempo com ilusões de pedidos que, no íntimo, sabemos que não podemos ou devemos receber. Antes de tudo, devemos nos refugiar em nossa fé.

Mas como ter fé numa crença onde o objeto de culto é a natureza e o invisível? Não existem formas físicas, desenhos ou outro meio que nos diga com certeza que o Orixa tem essa ou aquela aparência física. Lidamos com energias que se manifestam através dos seus filhos/iniciados de maneiras muito diferentes de um indivíduo para o outro. Mas uma coisa é comum em todas estas manifestações, é a nossa fé que nos emocionará e nos dará a certeza de que estamos diante de um Orixa, ainda que o filho ali presente tenha traços físicos totalmente diferentes do que supúnhamos ser os daquele Orixa/Energia. É a fé em ação e emoção.

A partir deste pequeno pensamento eu me perguntei.

Mas é a fé que nos emociona, que nos faz ver ali a manifestação do Divino?

Ter fé é muito mais que acender velas e fazer “magias”?

Ter fé é cuidar do outro com o mesmo respeito que cuidamos de nós mesmos?

É ajudar sem esperar nada em troca?

É orientar os mais novos, ouvir os mais velhos, saber calar e ter uma palavra amiga sempre?

O que é a fé?

Ter fé é complexo ou é simples?

Mas a minha resposta é que sempre é uma questão pessoal. Ou temos fé ou não temos fé (axé).

Questões de fé. Humildade.

A humildade do banho – É sabido que todos os filhos de Orixá precisam se descarregar de vez em quando, precisam fazer uma boa limpeza, uma boa descarga para clarear a aura e os pensamentos. Sacerdotes também precisam de ajuda. O problema é que nem todos se dão conta disso, alguns se acham acima de tudo e de todos, se esquecem que todos somos mortais, e se refugiam numa espécie de “fé em si mesmos”, como se fossem auto-suficientes. E o resultado quase sempre é a perda daquilo que mais se valoriza num religioso: a humildade. Esse comportamento é de fato fé?

Questões de fé. Educação.

A educação e a religiosidade. Nossa religião seria melhor cultuada e preservada se aqueles que ainda detêm um pouco da sabedoria dos cultos a passassem adiante. Isso é um consenso e um desejo de uma grande parcela da comunidade religiosa. Lógico que não prego a liberalização de todas as informações indiscriminadamente, mas a quem de direito (comunidade), sim. Não querer ensinar é egoísmo, ou falta de conhecimento para encarar as mudanças ocorridas no mundo religioso e não ter argumentos que vão além do “é assim porque é assim”. Tudo aquilo que alguém recebeu ele pode e deve dar e compartilhar, independente do seu esforço pessoal para acumular o conhecimento. Claro que devem haver regras e limites sobre quem está passando os rituais sagrados dos Orixás, e quem está recebendo estas informações.

Não dá para entregar na mão de qualquer um todo o segredo. Mas, aí entra o motivo deste tópico. O educador líder religioso. Se o educador religioso olhar a sua volta, sempre encontrará um ou outro fiel que seguirá à risca o que lhe for delegado, porém, cabe ao educador entender que ninguém nasce sabendo. Nem ele mesmo, e que o caminho d e aprender é tão complexo quanto o caminho do ensinar. E que se o detentor do conhecimento se fechar em sua fé particular, em sua auto-suficiência de que só ele é capaz de reproduzir os ritos, os segredos e os conhecimentos da religião, todo o seu esforço em aprender, todo este tempo dedicado ao apreender, vira fumaça e se acaba, jogado num canto da Casa de Axé, abandonada pelo tempo. Esquecido na memória. E educação é preservar a memória viva.

Questões de fé. Soberba.

A soberba é um cadafalso. Soberba combina com religiosidade? Não, definitivamente não. Ir a um candomblé é um ato de amor e carinho com os irmãos, com o terreiro e principalmente contigo. Apesar de não ser só no terreiro que nos encontramos com os Orixas, e sim em nós mesmos. É lá, no terreiro, que encontraremos nossa família. Portanto, se uma pessoa vai ao terreiro para afrontar, para mal tratar, para intimidar, para falar mal e castigar aos outros, que no seu entendimento, são “inferiores” a ela, esta pessoa no fundo está tratando mal a quem realmente? A si próprio. Estará se mostrando indigno de permanecer naquela família ou posto/cargo. Estará agindo com a soberba de avaliar que todos são menores que ela. E a soberba é um dos males que assolam a nossa religiosidade.

Terreiro é lugar sagrado de encontro familiar. Terreiro é pra quem tem fé.

Em tempo: Cadafalso é lugar onde se coloca a forca, cada soberbo contrói o seu.

Questões de fé pela fé. Creio no que não vejo. Creio no meu irmão.

A fé só necessita de um pequeno espaço dentro nós para brotar e reinventar ou reorganizar tudo que achávamos tão certo, tão sólido e tão absoluto em nossas vidas. Dêem este espaço a fé que todos temos dentro de nós, sejamos felizes.

Tomeje.

Fale Conosco