A Moralização de Yemanja e a invenção da pomba gira – parte 02

A Moralização de Yemanja e a invenção da pomba gira

(parte 03)

Texto enviado pelo nosso irmão e leitor Macrio Couto. A quem damos todo o crédito deste material.

Outro autor afirma que “pomba gira”, exu mulher, assim denomina em nossa lei, é a entidade conhecida na umbanda e na quimbanda como mulher de 7 exus obtendo, desta forma, a força e a ajuda necessárias de seus companheiros. É interessante a oposição. Teixeira neto apresenta uma pomba gira que possui poder por si só ainda que ela esteja subordinada diretamente a exu calunga  (intermediário por sua vez, de exu marabô, exu mangueira, exu tranca rua, exu tiriri, exu veludo, e exu dos rios), e comenta que sendo ela a única mulher ou o único exu feminino existente ao lado de 17 outros “pode-se imaginar” o que ela pode fazer, ou, se preferirem, o de que ela e capaz. Para Molina ao contrario, esse poder lhe advem dos seus sete maridos.

Em outras palavras, o poder feminino é, nessa perspectiva, simples emanação do poder masculino. Em nível da pratica concreta, porem, os dois aspectos se confundem. Pomba-gira é poderosa por ter sete maridos ao mesmo tempo, o que não e dado a qualquer uma.Diz o ponto.Fica, portanto em aberto a questão de saber se é fato de ter sete maridos que a torna perigosa ou se o poder de sua sedução é tão forte que lhe garante a posse dos sete. Em todo o casso o perigo é claramente relacionado com a sexualidade. “trata-se de uma entidade perigosa sob muitos aspectos, por isso que em sua atuação nas criaturas humanas encarnadas baseia-se in totun no sexo”.

A capa do livro de Teixeira neto (A magia e os encantos de pomba gira) retrata uma dançarina de cabaré, com a mímica bastante obscena, rodeada de borboletas, da qual a maior representa claramente uma vulva, a própria “pomba”. Insiste ainda esse autor: “quando incorporada a pomba gira da a seu médium uma aparência onde a vibração do sexo, da luxuria e dos desejos carnais, da lascívia, pois é por demais acentuada. É portanto pomba gira sinônimo de lascívia, e parece que o maior perigo reside no fato de que todo médium do sexo feminino tem uma pomba gira a seu lado.

É voz corrente nos terreiros que muitas oferendas são feitas para mulheres que tem pomba gira de frente, o que significa, fatalmente, forte impulso par ater vida sexual desregrada. Por esse motivo, a oferenda visa apaziguar a terrível entidade, de modo a que ela de descanso as pobres moças, permitindo-lhes vida mais descente. Vê-se que a pomba gira embora ligada a desordem, pode também ser controlada pelas normas da boa sociedade. Esse duplo movimento, muito bem colocado em evidencia por Birman, parece constituir um dos principais motores da umbanda. As entidades que promovem a subversão são recuperadas para favorecer a ordem vigente.

O controle Social das entidades enquadradas na categoria de quimbanda parece alias constituir preocupação constante dos dirigentes umbandistas: ( não permita em deu terreiro a falsa concepção de pomba gira como sendo uma mulher prostituída; vamos abolir este absurdo, esclarecendo aos médiuns sua real e verdadeira ação nos trabalhos de magia; retirem as estatuas que apresentam uma mulher de peito nu, pois isto e absurdo, cegueira e atraso espiritual). Atendendo a esta preocupação, algumas informantes de trindade podem afirmar que “pomba gira que eu recebo e pacifica, humilde, não e chegada aos homens, ou ainda que Maria Padilha, pomba gira das mais destacadas, em vida, era uma professora, tinha conhecimentos, pessoa elegante.

Embora prostituta, sabia e sabe se portar como uma senhora, por isso ela só quer coisas brancas”. É curioso esse amalgama de categorias aparentemente contrastantes. Prostituta é mulher de rua, opõe-se a mulher que permanece trabalhando no recesso do lar. Retomando a oposição tão bem identificada por DaMata entre a casa e a rua, poder-se-ia observar que a professora e a mulher que trabalha “fora” mas desempenha atividades de cunho paramaternal, por assim dizer, já que visa a aprimorar a educação das crianças.

Nesse sentido, vê-se que a categoria professora não se opõe a categoria prostituta de modo tão contrastado como poderia parecer. É-lhe complementar. Sem falar de todas as fantasias veiculadas pela imagem da professora solteira, e portanto disponível, nem da designação clássica da tia, que ao mesmo tempo situa-se no referencial familiar e sublinha a sua marginalidade em relação à mulher produtora de filhos, a figura da professora parece atuar como intermediaria entre a mulher de rua e a mulher do lar. É a quase mãe pertence ao mundo de fora da casa, e sua marginalidade é compensada pela saber. É este o caso desta Maria Padilha, que, embora prostituta, comporta-se como uma senhora que só quer coisas finas.

A Moralização de Yemanja e a invenção da pomba gira

(parte 04)

Texto enviado pelo nosso irmão e leitor Macrio Couto. A quem damos todo o crédito deste material.

A preferência por coisas brancas, além de evidenciar os valores racistas da sociedade mais ampla, onde o branco e necessariamente sinônimo de fino, parece ilustrar mais uma tentativa daquilo que chamei “pasteurização” das divindades representantes do poder sexual feminino. O depoimento acima ilustra claramente o processo de recuperação das entidades que promovem a desordem, para afinal reafirmar os valores tradicionais da sociedade patriarcal.

A pomba gira, no entanto, parece atender a muitos aspectos reprimidos, que clamorosamente pedem passagem e nos terreiros, seu comportamento permanece escandaloso. Incorporada ela declara: “ Eu sou eterna, tudo que existe no mundo, da maconha à bagunça é o meu reino. Quando uma mulher se perde dou gargalhada, quando um homem vira efeminado, eu dou gargalhada porque meu mundo é bom e bonito. Pra mim tudo esta bem porque eu não tenho mais nada a perder”. É a própria assunção de tudo o que é considerado marginal pela sociedade brasileira. Além de eterna, seu nome é legião.

Diz Teixeira neto que a milhares de pombas giras e Molina informa que para cada pomba gira “batizada” isto é, com nome identificável, há mais sete sem nome, conhecidas como obsessores. Não a possibilidade de estabelecer listas exaustivas das diversas entidades, mas são bastante conhecidas e cultuadas as pombas giras cigana, Maria Molambo, Maria Padilha, Rosa caveira, Maria Quitéria, pomba Rainha, Pomba gira Menina, Pomba gira da Porteira, do Cruzeiro, da Calunga, da Praia, da Sepultura, das Almas, das sete Encruzilhadas.

Todas elas têm em comum o uso das cores vermelha e preta (acrescidas de branco quando se trata de pomba gira cruzada com a linha das Almas) a oferenda de rosas vermelhas, bebidas que vão de cachaça à champanhe, velas, toalhas, cigarros ou cigarrilhas em despachos preferencialmente arriados na sexta feira à meia noite, hora grande, há de maior força. O local de despacho varia de acordo com a qualidade da  pomba gira e o tipo de trabalho que se lhe pede. Basicamente a solicitações podem ser agrupadas ou em duas categorias de pedidos, de ajuda ou de demanda. A pomba gira cigana, por exemplo, encarrega-se de resolver casos na justiça, Maria Padilha atende problemas de vida conjugal, Pomba gira Rainha lida com casos de amor, Rosa Caveira atende pedidos relativos a doenças materiais e espirituais.

Outras, como Maria Molambo, são especialistas em solucionar casos de inveja, mas a impresão que se tem ao percorrer a literatura especializada, é que praticamente todas atendem tanto as pessoas que querem ser ajudadas quanto as que desejam prejudicar alguém. Como diz um de seus pontos, (Ela trabalha pro bem, mas também trabalha pro mal). Chama a atenção o fato de que, embora a representação da pomba gira enfatize seus aspectos de mulher sexualmente ativa, a maioria dos trabalhos realizados por ela são vinculados a temas de morte, com forte predomínio de despachos realizados em cemitérios. São os casos da Rosa Caveira (que trabalha sob as ordens diretas de omulu, dono do cemitério na umbanda), pomba gira das sete encruzilhadas, pomba gira do cruzeiro, da porteira, da calunga e Maria Padilha.

O culto a esta ultima tem-se desenvolvido de tal maneira que chega as vezes a ser considerado uma entidade à parte, separada da pomba gira. Merece por isso especial destaque. De inicio afirma-se sua característica de representante do poder feminino: (Maria Padilha rainha do candomblé firma curimba que ta chegando muié) considerada uma das mais poderosas da quimbanda, muito traz de Iansã. Interessante é ver ressurgir a referencia ao candomblé e aos orixás, ao ser tratar da temível “Rainha dos sete Cruzeiros da Calunga”. Molina lhe dedicou um livro inteiro, “sarava Maria Padilha” lembra que Iansã é a rainha dos Eguns e, por conseguinte, deve ser homenageada em cada trabalho feito em cemitério. Psicografando o depoimento da própria Maria Padilha, realça os diversos aspectos do seu poder. (Sarava Maria Padilha, grande orixá da quimbanda. Quando cruzada com as almas, muita luz e força tem para dar na umbanda.

Não me interesso muito por presentes, mas sim por guerra. Se demora o inimigo também tem defesa, e vamos ver quem tem mais garrafa para encher. Eu ajudo a ser formosa, não existe um burro meu feio, todas são mulheres bonitas e invejadas. Não gosto de muita conversa, e digo logo a verdade se ofendo xingo gostoso, com nome muito gostoso, que até açúcar tem, faça-o com proveito).

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