Dança das Iabás no Xirê (1ª Parte)

Dança das Iabás no Xirê (1ª Parte)

Ritual e Performance

Neste trabalho é focada a dança de quatro Orixás femininos do Candomblé, as Iabás ou rainhas em Iorubá. São objeto do estudo, a análise dos elementos performáticos destas danças em seu contexto no Xirê, o ritual público do Candomblé. Embora o conceito de Performance seja amplo, estudaremos Performance como: Investigação do discurso corporal baseada em ritos e em movimentos.(2)

Para o Iorubá, os Orixás são ancestrais divinos, homens e mulheres, que por terem feito atos excepcionais enquanto vivos, destacaram-se na comunidade e passaram a ser cultuados por seus descendentes e até mesmo por outros clãs. Os Orixás passam a deter os ensinamentos da comunidade. Estes feitos excepcionais ou heróicos são entendidos como a capacidade de controle e uso das forças da natureza ou Axé. Axé, em Iorubá, é compreendido como energia vital, presente em todos os elementos da natureza, sem Axé não haveria existência; é o princípio que torna possível a vida. O Axé pode ser transmitido a outros objetos ou seres humanos.

Entendemos os Orixás como personagens arquetípicos que reúnem em seu sistema mitológico ensinamentos valiosos sobre as mais variadas áreas de experiência humana e são as expressões de grandes forças cósmicas, estando associados ao mito da criação e seu Axé. Divindades, os Orixás são o meio de comunicação de um deus, superior e distante, com os homens. Estabelecem, desta forma, o contato entre o mundo sagrado e o mundo dos homens, representando uma força universal. (3)

A determinação do Orixá protetor é de grande importância, uma vez que se acredita que cada ser humano, desde o momento em que foi concebido, já tem o seu Orixá protetor de cabeça. O iniciado estabelece contato com o seu Orixá ao entrar em ‘estado de transe’.

Tal presença do santo se manifesta no corpo do fiel através de alterações corporalmente visíveis. Em descrições do transe, a presença do santo é identificada por um conjunto perceptível de mudanças corporais, caracterizadas por um emprego maior de energia e ampliação do movimento, o que acarreta um funcionamento diferenciado do cotidiano. O essencial da ação é ampliado e o restante, desprovido de significado, anulado. Desta forma, cria-se uma tensão, através da qual a energia passa. Numa visão classicamente oriental, pode-se entender energia, como a maneira pela qual se exerce uma força e, não, como uma tensão nervosa. Desta forma a energia, entendida como força vital em ação, circula pelo corpo integrando continuamente o ser mental com o físico do indivíduo.

O corpo, ao ser acionado, através do som dos atabaques cantos e danças, permite emergir, decodificando, o seu Orixá interno, um outro lado também seu, já treinado e disciplinado. Justamente esta expansão do Orixá, provoca a grande alteração corporal, tão visível nas danças do Xirê. (4) Ao acontecer, o Xirê apresenta e representa toda a estrutura simbólica e social da religião. Mesmo sendo parte do sistema religioso, durante o Xirê se percebe a construção do pensamento religioso, a manifestação da identidade do grupo, a organização hierárquica da estrutura social, a manutenção da tradição _ enfim tudo aquilo que o grupo é e representa mostra-se durante o Xirê, para o outro, o público em sua totalidade. Esta festa pública do Candomblé é a ocasião ideal para assistir às danças dos Orixás, no caso deste estudo, a Dança das Iabás.

O corpo humano, para o Iorubá , é um microcosmo e nele estão contidos todos os elementos e forças da natureza que, distribuídos harmoniosamente pelo corpo, explicam a sua mitologia. Segundo Augras,

“…os pés apoiam-se no concreto, no barro de onde saiu e para onde voltará, na terra que os antepassados pisaram e à qual retornaram. O pé direito corresponde à herança dos antepassados masculinos, e o pé esquerdo, à herança feminina. As mãos direita e esquerda, atuam sobre o mundo e transformam as coisas. A cabeça, que reproduz as quatro dimensões do espaço, contém, na interseção dos pontos cardeais, o centro da individualidade, ori-inu, manifestação do duplo sagrado, que provém de substância divina, da qual os próprios deuses são tributários” (1983,62).

Na tentativa de estabelecer contato com o divino, o reconhecimento dos deuses acontece primeiramente no corpo dos seus fiéis, com a representação feita através de uma atividade corporal, que catalisa os sentimentos e sensações dos arquétipos e as forças da natureza, a dança. Por essa importância dada ao corpo, a dança no ritual representa um determinante elemento do processo, pois é por intermédio desta que acontece a corporificação da entidade; o corpo, ao dançar, intermedia o mundo sagrado com o profano.

Na utilização de movimento, cantos e ritmos e na perspectiva de harmonizar-se com eles , teatralizam seus deuses encarnados e os recontam, através de um desenvolvimento muito bem definido e rígido, que inclui ritos de entrada, transe e ritos de saída.

Para efeito de estudo dividimos as danças em três partes: as danças de entrada no Xirê, as danças em estado de transe e as danças de saída.

por Denise Mancebo Zenicola

Nota: Este trabalho será apresentado ao longo de 6 posts, do qual este é o primeiro.

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