Ebós.

EBÓS: SIGNIFICADO E EXPLICAÇÕES :

Ebo, etimologicamente, significa sacrifício ou oferenda. Os ebós, na prática, são utilizados para o atingimento das pretensões de seus oficiantes (ou pessoas que a estes recorreram). Assim, visam agradar Divindades e Odus (destinos) com os ebós propícios, pretendendo lograr os mais variados objetivos, quer sejam de saúde, paz, obtenção de emprego, amor, etc.

Os ebós, podem ensejar os mais rebuscados ingredientes, sacrifícios animais, locais apropriados, situações específicas, luas adequadas para sua realização, como também, às vezes, requerem apetrechos bastante simples, tudo variando conforme a respectiva receita e necessidade.

É importante frisar que há ebós cujos fins e os atinentes meios são singelos, podendo ser realizados até mesmo por pessoas laicas. Contudo, em sua grande maioria, a feitura de ebós requer oficiantes devidamente preparados para tal, posto que as energias, os preceitos e as rezas envolvidas ensejam a adequada formação religiosa.

Muitos dos ebós atualmente utilizados no culto, são oriundos do Candomblé africano, enquanto outros tantos, foram criados e sugeridos por sacerdotes brasileiros, bem como há os recomendados diretamente por Pretos-Velhos, Exus e Caboclos.

Devemos registrar como fatores contributivos de algumas variações dos ebós africanos, a dificuldade e até a impossibilidade de obtenção de ingredientes inexistentes no Brasil, tais como alguns animais, plantas, temperos, etc.

A influência dos tempos, também influenciou na realização de ebós. Referimo-nos à dificuldade com que se depara atualmente para a feitura de ebós em penhascos, cachoeiras limpas, praias, encruzilhadas, matas…

Assim, até mesmo nos “ebós de feitura” (ebo igbéré), os zeladores de santo que não dispõem, como antigamente, de fácil acesso aos elementos da natureza citados, passaram a realizar os ebós em suas próprias Casas e despachá-los então nos locais devidos.

A sugestão de novos ebós usados no culto não devem surpreender (refiro-me às boas), posto que, sabendo-se que os  ebós são nada mais, nada menos que oferendas, assimilamos tais inovações, desde que impere o bom-senso, não se perdendo de vista os fundamentos da Divindade ou Odu reverenciados.

Os ingredientes não precisam conter luxo, riqueza, nem tangenciar o desperdício. Sem perder de foco a característica ofertiva dos ebós e sabendo-se que as Divindades não nos exigem mais do que possuímos. Todavia, é de bom alvitre que as oferendas sejam feitas com respeito, higiene e sobretudo devoção. Novamente conclamado, o bom-senso deve nortear os atos dos religiosos.

Certos ebós requerem èwòs (tabus ou interdições, vulgarmente apelidados de resguardos) prévios e/ou posteriores à sua realização, tais como a abdicação de bebidas alcóolicas, carnes vermelhas, roupas de cor, sexo, etc.. Cada caso tem sua própria motivação. O que, inclusive, torna compreensíveis tias preceitos. Assim, há ebós de saúde que, pela própria mazela que se combate, redundam na abstinência de certos alimentos, bebidas, práticas,…. Existem também casos em que os jejuns, a exemplo daqueles feitos em outras Religiões,  explicam-se pelo caráter de humildade e devoção à Divindade que se pretende agradar.

O prazo e a abrangência dos resguardos, devem ser recomendados por um sacerdote, mediante consulta ao Oráculo, posto serem de grande relevância no atingimento do objetivo do ebó.

Não há prazo para os efeitos de um ebó, nem garantias de sua obtenção. Lembramos novamente que a natureza dos ebós é ofertiva, razão pela qual, só a Divindade agraciada e, em última instância Olorun, podem realmente decidir pela procedência ou não do pedido, bem como se a obtenção da graça desejada é oportuna ao odu do pedinte.

Destacamos que os ebós são oferecidos, ofertados às Divindades (Orixás), Entidades (Exus catiços, Pretos-Velhos, Caboclos) e Odus (destinos), jamais diretamente a Olurun (deus Supremo).  As Entidades são auxiliares dos Orixás, funcionando como intermediárias entre estes e os Homens. Enquanto os Orixás são os intermediários diretos entre os Homens  e Olorun.

Os ebós, desde sua concepção africana, são buscados também com finalidades malignas, o que deve-se repudiar, apesar da origem histórica. Devemos possuir esclarecimento suficiente para discernirmos a evolução social, cultural e moral dos povos. Se assim não fosse, toda a Humanidade estaria fadada a inércia evolutiva. Todas as Religiões, ao longo do tempo, renovam suas concepções, reciclando-se de forma saudável, a fim de bem acompanhar e servir aos seus propósitos, considerando as modificações sociais. Não é pelo fato de que na  África, há séculos atrás, os ebós malignos eram usados, que seguiremos à risca. No passado, na África também haviam os de mau caráter. Também lá, era costume a escravização dos povos dominados pelos dominantes, assim como a poligamia e nem por isso devemos assimilar aquelas práticas. Outra vez deve o bom-senso ser invocado como divisor de águas.

Os ebós, ou qualquer tipo de “trabalhos” que visem o mal, devem ser suprimidos dos cultos. O Candomblé é uma Religião, logo, neste diapasão, não deve se prestar a amaldiçoar quem quer que seja. Fugiria ao seu objetivo de religar o Homem às Divindades. Ademais, a energia dispensada para o mal, seja na feitura de “trabalhos”, ebós, inveja, despeito, constitui sentimentos menores, que devem ser trabalhados interiormente por aqueles que são por eles acometidos.

Nem todos os ebós malignos atingem seus objetivos,  porque nem sempre a vítima está desprotegida espiritualmente, bem como porque, muitas vezes, a vítima não é merecedora da desgraça.

Mesmo aqueles ebós malígnos que alcançam seus propósitos, devem ser entendidos mais como permissão das Divindades da vítima, do que pelos “méritos” do algoz. Isto, porque o infortúnio às vezes é necessário e trará, em certo tempo, até bons resultados à própria vítima, sejam de crescimento e amadurecimento (que eclodem em situações difíceis); alerta contra os inimigos (não raro os algozes são desmascarados); fomento da fé (advindo da necessidade de rogar ajuda ante as adversidades); resgate kármico (há casos em que o mal que atingiu a vítima já compunha seu odu).

Nem mesmo quando se foi verdadeiramente lesado por alguém, deve-se recorrer ao mal para vingança: Fí ìjà fún Olórun já fí owó l’éran – entregue nas mãos de Olorun para que ele o defenda.

O mal não se combate com o mal. Ao contrário do que se pensa e do que muitos praticam, não se deve pedir a nenhuma Divindade vingança. Nem mesmo agradar Exú para que este faça mal a terceiros.

Exú é o guardião, é o instrumento do equilíbrio da justiça. É o princípio da comunicação, da ordem, do equilíbrio e da harmonia universal. Aí também a energia criadora de Exú. De tempos em tempos, compete a Exú inspecionar o trabalho das pessoas e Divindades, relatando a Olodumare. A Exú cabe aplicar o que couber aos transgressores. Contrariar a isto, será subverter-se à ordem desperdiçando axé e comprometendo-se a si próprio, posto que um erro não justifica outros.

Quando então alguém for avisado de algum mal que lhe fora endereçado, ou já tiver sido atingido, recomenda-se consultar um Oráculo para verificar-se qual o melhor procedimento: se um ebó de proteção, de limpeza, ou descarrego, jamais algum ebó para o mal.

O fato é que se o mal pode ser revertido em bons frutos à vítima, isto jamais se dá com o malfeitor. Este ficará sempre sujeito às consequências de sua maldade, que o torna devedor de sua própria vítima. Isto sem falar na energia negativa de seu ódio, que o envolve e consome sem que perceba, até concretizar-se a assertiva de que o feitiço vira-se contra o feiticeiro.

Os bons  e verdadeiros candomblecistas não devem realizar ebós para o mal, posto que infringiriam a concepção yorubana de omolúwabi (filhos de bom caráter). Este conceito resume a ética e a moral do Candomblé, que valora o  respeito aos mais velhos, a lealdade para com os pais e para com a tradição, honestidade, hospitalidade, coragem, devoção, paciência, verdade, assistência aos necessitados e desejo irresistível ao trabalho, a fim de manter ilibado seu nome e o de sua família (entenda-se inclusive a de Santo).

Agindo como omolúwabi, o candomblecista não estará denegrindo nossa Religião que por muitos ainda é vista com seita de maldades.

Existem situações em que os consulentes buscam um sacerdote queixando-se de dificuldades e infortúnios, desejando seja-lhe receitado um ebó para a solução de seus problemas. Os sacerdotes devem então consultar o Oráculo, antes de arvorarem-se a prescrever este ou aquele ebó. É necessário apurar inicialmente, qual a origem das adversidades enfrentadas pelo consulente. Não raro, elas são consequentes da própria conduta do cunsulente, que descumpre preceitos morias e éticos da Religião, desagradando aos seus Orixás e angariando retornos desagradáveis de seus próprios atos, pela Lei de Ação e Reação junto ao próximo.

Os ebós não são formulas mágicas. Antes pelo contrário, são eivados de ciência na escolha de princípios ativos, matérias-primas e elementos diversos, todos utilizados por força da energia, do magnetismo, da representatividade que cada objeto congrega.

Há elementos do reino minerais que funcionam como excelentes condensadores de energias, tais como ferro, cobre, prata, ouro, chumbo, terra e água do mar. Vegetais também possuem estas propriedades, citamos o cedro, olmo, álamo, grãos de milho, palha, arruda, pinhão-roxo, comigo-ninguém-pode. Razão pela qual, é comum vermos ebós, defumadores e banhos com a utilização destes elementos, ou moedas, anéis, pedaços de madeira, plantas, etc.

Existem também animais que funcionam como excelentes condensadores bioelétricos. O sapo, a coruja, o morcego e o gato por exemplo, conforme conclusão científica, são poderosos captadores de energias eletromagnéticas do ambiente e das pessoas, tal qual os filtros de pedra que absorvem os detritos da água.

Por tal razão, ainda que sem a consciência científica, os algozes desde as priscas eras utilizavam tais animais em lamentáveis “trabalhos” maléficos. Estes animais funcionam como verdadeiras usinas de energias, potencializando as vibrações negativas do ambiente em que vivem (por sua própria natureza), com o ódio do malfeitor e ainda a sua própria dor e sofrimento (posto serem sujeitados às piores torturas nestes “trabalhos”). Este misto de ódio e agonia, é então endereçado às vítimas tendo o nome ou objetos de seu uso pessoal como elos de ligação para a mentalização do algoz.

Outros perigosos ebós, os quais igualmente não recomendamos, nem mesmo aos sacerdotes, são os que envolvem eguns (espíritos de mortos).

Os eguns, ao perderem o invólucro carnal, devem ser lembrados e reverenciados no culto como ancestrais, dado o respeito que lhes cabe. Não se deve manipular covardemente almas perdidas  para a luxúria, maldade e para os caprichos de ninguém. Só as almas ainda desencaminhadas ficam à mercê destes “trabalhos”. O sacerdote que se presta a tais ebós, está muitas vezes escravizando um irmão desencarnado, impedindo-o de progredir. Está lhe usando às vezes para o mal, tal qual o mandante de um crime, explorando aquele espírito tortuoso, em troca  de alimentação, agrados e sensações ainda necessárias àquele egun.

De certo, cedo ou tarde, quando aquele determinado egun libertar-se de suas amarras, poderá, ele próprio, querer vingança daqueles que o aprisionaram ou o usaram futilmente, impedindo sua evolução.

Os ebós de amarração, embora bastante comuns, também não são recomendáveis, posto envolverem inúmeras e delicadas consequências.

Quando se amarra um casal que não teria um futuro em comum, em verdade alteram-se, no mínimo quatro odus, gerando-se consequências até para futuras gerações.

Ora, se um homem e uma mulher não deveriam se unir, e alguém, brincando de Deus, tenta fazê-lo, estará modificando o destino destes dois e ainda de seus respectivos pares corretos. Alterando as filiações, etc. Deve-se pensar com cuidado nisto. E os pares afastados, sofrerão? Recuperarão a felicidade? A que preço? Se entregarão a vícios? Adoecerão?

Desta forma, recomendamos que nos casos de infortúnios amorosos, igualmente os sacerdotes consultem previamente o Oráculo para apurarem se o odu indica união ou não. Se o destino recomendar a união do casal, o ebó visando a aproximação/união será bem vindo e terá boas chances de ser aceito, ao contrário, será puro desperdício de tempo e de energia. Ainda assim, a “amarração” do casal é perigosa, porque existem situações em que o destino une as pessoas, mas não por toda uma vida. Muitas vezes o karma daquele casal será cumprido com o convívio por alguns anos, meses, ou até o nascimento de filho(s). Mas após esta fase, deverão eles seguir suas vidas e unirem-se a outras pessoas para cumprimento de seus destinos. Destarte, “amarrar” um casal, é sempre perigoso e não recomendável.

Variados são os objetos utilizados nos ebós, nos quais se busca paz, contendas, agradecimentos, saúde… Cada qual dos elementos, por sua própria natureza, ou por sua simbologia, passam a Ter importantes significados.

O pombo, representa a mansidão, elevação, a capacidade de voar acima do mundo e dos problemas; o frango, é o mensageiro dos pedidos, posto que dotado das partes essenciais aos ebós; a galinha d’angola, a vivacidade; os peixes, a calma; o obi, significa a vida; a água, frescor a pureza; os doces, a própria doçura; a pimenta, a fertilidade; o milho, a fartura, entre outros tantos.

Ao que se infere, os ebós são fórmulas dotadas de grande e profunda ciência (às vezes inexplicada e mesmo não alcançada pelos próprios sacerdotes), mas nunca confundindo-se com mágica.

Os ebós e seus oficiantes, em sua realização, valem-se da energia, do magnetismo e da simbologia dos elementos, direcionando sua fé, seus sentimentos, seus desejos às divindades e odus, a fim de que eles funcionem como intermediários entre os Homens e Olorun na obtenção daquela graça almejada. Tudo se passa de maneira natural (na acepção da palavra), tal qual movemos nossos braços ou pernas. Temos consciência de que é o cérebro quem comanda os movimentos do corpo, mas isto se dá naturalmente, automaticamente, sem sentirmos como se processam os meios.

Por fim, diante de toda a complexidade que encerram os ebós, não devem os curiosos se arvorarem a prescrevê-los e a oficiarem-no. A Prescrição e a realização dos ebós, devem ficar a cargo de sacerdotes preparados para tal fim, os quais, cônscios de suas tarefas, devem  consultar sempre o Oráculo para conhecer a origem das aflições dos consultentes, antes de apressarem-se, recomendar ebós, por mais urgente que seja o caso.

Portanto, os sacerdotes devem reconhecer no Oráculo o melhor veículo de comunicaçào entre as Divindades e os Seres Humanos. Por esta razão, será através daquele meio que o sacerdote identificará os problemas, as razões e as possíveis (ou impossíveis) soluções. Dizemos impossíveis, às vezes, porque é do destino (odu) da pessoa enfrentar determinada doença, perda ou provação. Nestes casos, por mais que se façam ebós para Orixás e Odús, não se mudará o que já está  escrito. Será perda de tempo e de dinheiro.

Conhecer  esta realidade  e orientar isto aos consulentes, esclarecendo-os também quanto às normas de conduta moral e ética, são tarefas dos sacerdotes, que agindo assim, estarão desempenhando bem sua função para o aprimoramento da Religião e da Sociedade. Cumprir a ética e a moral, serão sempre os melhores ebós a se recomendar.

Márcio de Jagun

Babalorixá, escritor, professor universitário, advogado e apresentador do Programa Ori (ori@ori.net.br)

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