ÈÈWỌ̀, O INTERDITO E O PEIXE SEM ESCAMAS

ÈÈWỌ̀, O INTERDITO E O PEIXE SEM ESCAMAS

 

A palavra èèwọ̀, em yorùbá, significa tabu, interdito, coisa proibida. No entanto, no Candomblé, èèwọ̀ passou a ser compreendido unicamente como restrição alimentar. Todavia, seu o significado de origem africana é bem mais amplo. Èèwọ̀, deve ser entendido como regra de conduta que visa manter o equilíbrio entre o mundo material e o espiritual. É considerada como uma das virtudes a ser alcançada pelo Homem, conforme a ética yorùbá.

O èèwọ̀ pode ser comum a todos os adeptos da Religião, pode ser prescrito especificamente conforme o Òrìṣà, ou o Odù da pessoa.

O èèwọ̀, constitui-se por restrições ao consumo de certos alimentos ou bebidas, ao uso de certas cores em vestimentas e à prática de certas ações. O descumprimento destes tabus, muitas vezes está associado a reações físicas, como desinterias, vômitos, erupções cutâneas e até a consequências negativas na vida da pessoa. Contudo, seu alcance filosófico vai bem além disto. Cumprir o èèwọ̀, significa disciplinar seu corpo e sua mente, lembrando-se de que devemos restringir nossas vontades em respeito às divindades que nos são superiores.

Èèwọ̀ está entre as principais virtudes a serem buscadas pelo yorùbá: oore (a bondade), sùúrú (a paciência), ìbúra (a promessa), òwò (o respeito), olóòtòo (ser verdadeiro), olóòdodo (ser justo e sincero), ìfẹ́ni (fazer caridade), èèwọ̀ (respeitar os tabus), ìwà (o caráter – resumo de todas as demais).  O cumprimento das virtudes faz o yorùbá alcançar seu objetivo de vida, tornando-se um ọmọlúwabí (filho do bom caráter).

Um dos èèwọ̀ comuns a todos os iniciados no Candomblé da Nação Kétu, é o consumo de peixe sem escamas. Sua pesca é proibida, pois devem ser preservados. É o seguinte ìtàn que explica tal fato:

“O grande peixe de escamas do rio (Ẹja nlá Ípẹ́ Odò), consultou um Olúwo pela manhã, para saber de Ọ̀rúnmìlà como seria a sua vida e o futuro de seus filhotes. O Olúwo lhe disse que ele deveria realizar um sacrifício para Èṣù, caso contrário, os homens iriam pegar todas as suas crias e comê-las sem nenhuma piedade.

Ẹja nlá Ípẹ́ Odò, o grande peije de escamas do rio, não acreditou no Olúwo. Bradou que nenhuma pessoa conseguiria pegar seus filhotes, pois estavam protegidos nas águas e que não iria realizar nenhuma oferenda a Èṣù. Ẹja nlá Ípẹ́ Odò, disse que Èṣù era um grande ladrão e que o Olúwo era um grande mentiroso.

 

Na manhã seguinte, diversos homens subiram à cabeceira do rio com várias enxadas na mão. Eles conseguiram represar o rio e começaram a tirar a sua água.

 

Eles tiraram tanta água que em um momento, os filhotes do grande  peixe de escama dos rio (Ẹja nlá Ípẹ́ Odò) estavam descobertos, sendo alvo fácil para os pescadores. Os homens pegaram todos os peixes. Eles prepararam inhame pilado e comeram os filhotes do grande peixe de escamas do rio.

 

Èṣù disse que jamais ninguém deverá chamá-lo de ladrão. Èṣù disse que um Olúwo jamais poderá ser chamado de mentiroso. Èṣù disse que, a partir desse dia, os homens deveriam comer somente os peixes que tivessem escamas, porque eram descendentes de Ẹja nlá Ípẹ́ Odò, o grande peixe de escamas do rio, que desafiou Èṣù.”

Rio, 24/11/15

Márcio de Jagun, bàbálórìṣà, escritor, advogado e professor.

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