Mae Nilzete e a queda da arvore Iroko.

Nas postagens anteriores, compartilhados com vocês a luta de Mãe Nilzete de Iyèmójá para proteger a sagrada árvore do Orixá Iroko e quão profunda foi sua relação com a divindade.
Hoje, através do relato sobre o ocorrido da partida de minha mãe para o orun, demostro a todos vocês a capacidade dos orixás se sensibilizarem, de sentirem nossas aflições e sofrerem com nossas ausências.

Em 1990, no inicio do ciclo festivo religioso do mês de março, após a primeira cerimônia que é consagrada a Òsóòsì, Mãe Nilzete é internada no hospital Jorge Valente, no bairro da Garibaldi. Todavia, o anseio em concluir as cerimônias religiosas era tamanho que conseguiu uma súbita melhora, retornando, assim, ao terreiro para realizar a segunda festa do mês de março dedicada a Ògún. Concluída a celebração, sua saúde retorna ao quadro anterior, obrigando-a a ser novamente internada no mesmo hospital.
Em meio a esta turbulência, decidimos tomar a atitude de cancelar a última cerimônia, a festa de Yemọjá, que encerraria o ciclo religioso do mês.
Quando eu estava descendo as escadaria do Terreiro para visitar minha mãe na UTI, não tive como deixar de perceber a árvore de Iroko perdendo todas sua folhas, eu consegui sentir que assim como eu, Iroko estava chorando pela ausência de minha mãe e temia que ela não mais voltasse.
Assim que cheguei no hospital comuniquei minha mãe sobre a suspensão da festa, momento que fui surpreendido com suas palavras e recebi mais um de inúmeros ensinamentos que carrego até os dias de hoje:
– “Temos uma missão e quando estamos certos que cumprimos a nossa, a alegria toma conta de nossos corações. Tocar Candomblé não é fazer festa, é louvar a natureza manifestada na forma de Òrìsà, é uma forma de agradecer a Deus o mundo que ele nos deu. Seguidores de outras religiões vão para seus templos orar em momentos difíceis, por que no candomblé deixam de realizar a cerimônia ou ficam em suas casas? Vocês vão sim, fazer a festa de minha mãe Iyèmójá! Tenho muito a agradecer a este Òrìsà que tanto me ajudou a cumprir minha missão.”

Assim, após essas fortes palavras, foi mantida a celebração em homenagem a Iyèmójá, sendo realizada em 17 de março de 1990. Determinada em participar do candomblé, Mãe Nilzete cria uma discussão com os médicos dizendo que nada e ninguém a seguraria no hospital, impedindo-a de participar da cerimônia.
Assim, os médicos vendo que proibi-la seria impossível e mantê-la sem seu consentimento dentro do hospital agravaria o quadro, pois Mãe Nilzete estava enfurecida e sua pressão arterial ao extremo, foram obrigados a liberá-la para participar do candomblé, mediante um termo de responsabilidade assinado por sua irmã.
A alegria de estar presente na festa de Iyèmójá, seu Òrìsà, foi contagiante, a paz que sentira era transmitida em seu olhar. E o conforto de tê-la na casa era de uma criança no colo da mãe. Embora nesta cerimonia Iyèmójá não havia se manifestado em Mãe Nilzete, as pessoas presentes não souberam até os dias de hoje. Em meio à cerimonia pública, sua filha de santo, Sandra de Iyèmójá havia incorporado em seu Òrìsà, em meio ao transe, assumiu características próprias da Iyèmójá de Mãe Nilzete, e a aparência física relativamente entre elas foi o fruto deste encanto. Há também quem diga que naquele dia ègbón Sandra tenha incorporado na própria Iyèmójá de Mãe Nilzete, que veio abraçar a sua filha despedindo-se e ao mesmo tempo agradecendo-lhe o amor e a dedicação.
No dia seguinte, preparando-se para retornar ao hospital, reuniu alguns filhos da Casa de Òsùmàrè, entoou uma cantiga: “Olowo a ku, onisegun olo- run, adahunse kò gbe lé aiye, gbogbo a nló”. Traduz-se com as seguintes palavras: “…nem o médico é imortal, um dia todos se vão…”
Todos nós estávamos desesperados e se esvaindo em lágrimas, ainda no pátio antes de entrar no carro olhou para iroko dizendo-lhe que não sabia se voltaria, momento que suas últimas folhas amarelas caíram.

Minha mãe permaneceu internada na UTI por mais alguns dias e, aos 30 dias de março de 1990, se despediu definitivamente do Ayè, indo encontrar nossos ancestrais no Orùn.
Decorridos exatos nove dias de sua morte, a árvore de Ìrókò, com quem Mãe Nilzete desabafava todos os dias e tanto lutou para proteger, não resiste a partida de sua amiga e desaba seu tronco gigantesco, interditando a Avenida Vasco da Gama, por dois dias consecutivos.

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