O QUE É O ORIXÁ?

O QUE É O ORIXÁ?

Cultuamos essas Divindades há milhares de anos no Mundo. Só no Brasil, há quem diga que o Candomblé (a Religião dos Orixás) já conta mais de duzentos anos. Contudo, ainda não é pacífica a conceituação acerca desses Deuses, nem mesmo entre seus adeptos.

Toda essa dificuldade persiste, porque o Candomblé é uma das únicas Religiões que não possui poder central, nem um livro sagrado, nem uma liturgia padronizada.

Para que sobrevivesse o culto ancestral dos Orixás no meio dos escravos, e para que ele depois fosse gradativamente sendo moldado e adaptado à realidade brasileira, até ser denominado singularmente de Candomblé, foram necessárias diversas mudanças nas práticas de matrizes africanas.

Por ser inicialmente proibido e até perseguido no Brasil, não havia como manter a coesão litúrgica, nem o regramento ritual. Muito menos escolher-se um sacerdote supremo, face a precariedade da situação dos escravos (seus primeiros divulgadores em nosso território).

Por isso, não nos prestamos aqui a definir pretensiosamente o que são os Orixás, mas a externarmos também nossa modesta interpretação religiosa na tentativa de que possamos compreender melhor essas Divindades que chegaram ao Brasil pela Fé dos dominados, e que acabaram por conquistar os dominadores.

Os Orixás são energias, forças da natureza, são também emoções e sentimentos. Essas regências foram conferidas a eles diretamente por Olodumare, conforme a habilidade, as peculiaridades, as capacidades e as afinidades de cada qual.

Cada Orixá, conforme seus elementos tem suas próprias regências. Por exemplo: Oxum é a Deusa que rege a emoção do amor, da maternidade, da gestação; domina a força dos rios e cachoeiras. Pertence a Ela também a regência sobre o dengo e a sagacidade feminina, assim como o enlevo da palavra que conquista, envolve e convence.

Oyá, é a Deusa dos ventos; rege o ímpeto, a sensualidade da mulher, a garra de vencer os desafios, a coragem, a determinação, a persistência, a lealdade ao seu homem.

Portanto, todas as vezes que uma brisa nos beija a face, é Oyá quem nos visita. Todas as vezes que sentimos o amor pungente no peito, é Oxum quem faz nosso coração bater mais forte.

Assim, todos nós temos a capacidade de visitarmos as emoções e de de experimentarmos todas as energias da natureza (todos os Orixás). Contudo, assim como cada Divindade tem um elemento preponderante (água, ar, fogo e terra), cada Ser Humano também possui uma energia mais presente em sua vida, mais visível em sua personalidade.

Seguindo os exemplos mencionados: por hipótese, uma mulher com as ditas características típicas das regências de Oyá (sensualidade, determinação, impetuosidade, etc.), também pode ter e sentir emoções e energias de outros Deuses, como Oxum, no momento em que ela é mãe, no instante em que ela usa da sabedoria feminina para conseguir o que quer, por exemplo.

Isso inclusive explica porque nós, OMO ORIXÁS (Filhos de Orixás) ao longo de nossa vida religiosa, assentamos vários Orixás e não apenas os nossos principais. Os Orixás que chamamos de “principais” são aqueles que mais influenciam nossa personalidade e energia. Normalmente esses são os nossos três primeiros: os chamados “pai”, “mãe” (ou ajuntó) e ainda o regente.

Embora na África fossem cultuados mais de 400 Orixás entre diversos povos, aqui no Brasil, o panteão dos deuses de matriz africana é composto por apenas 16 Orixás.

Segundo a tradição nagô, existem os Orixás primordiais, ditos Orixás funfun, como Olodumare, Oruminlá, Ifá, Obatalá, Odudua, etc; aqueles que pré-existiam à criação do mundo e dos seres. E também os Orixás ancestrais, que viveram e após sua morte, foram divinizados por suas qualidades, bravura, etc., tais como Ogun, Odé, Obaluaiyê, Xangô, entre outros.

Contudo, não devemos confundir os ancestrais que se tornaram Deuses (Orixás), com os ancestrais cultuados como Eguns (égún), nem com os Esas (Èsà). Os Orixás têm funções, missões e regências gerais e indistintas, por atuarem nas expressões da natureza e dos sentimentos. São forças universais.

Os Eguns são patriarcas de determinadas famílias ou clãs, importantes para aquele grupo, que passam a ser cultuados por estes. Os Eguns, ancestres masculinos (Baba-ègún), são reverenciados na sociedade Egúngún. E as Ìyá-mí, as ancestres femininas, veneradas na Sociedade Gèlèdé, ou Eléékò.

Já os Esás (Èsà), são mortos ilustres daquela Comunidade de Terreiro (egbé). Personalidades, ou fundadores, determinantes para a existência daquele Ilê Axé. Os terreiros de culto aos Orixás são tidos como lésè-òrìsà, enquanto os terreiros de culto a Egun, são chamados de lésè-ègún. Cada qual possui fundamentos, práticas e assentamentos (ajubós) totalmente distintos. Orixá e Egun jamais são cultuados junto aos Orixás.

Embora nos Terreiros de Orixás existam espaços para agradar os ancestrais (ilé-ibo-akú), estes sempre isolados dos quartos de Orixás; não se pode confundir com Ilé-igbàlè (local de culto Egúngún).

Vale dizer que “Orixá” é a designação dos deuses conforme o povo e a cultura nagô, de língua yorubá. Outros povos como os jeje, chamavam de Voduns os seus Deuses, assim como os africanos de origem bantu, davam o nome de Nkices às Divindades que cultuavam.

Embora diferentes originalmente, tinham regências muito próximas, o que acabou com que fossem confundidos e misturados no mesmo culto aqui no Brasil, como prova inconteste do primeiro sincretismo pelo qual passou o nosso Candomblé.

Zazi, o Deus do Fogo dos Bantu, é hoje considerado o mesmo Xangô dos Yorubá. O mesmo ocorre com Dandalunda e Oxum, Bamburucema e Oyá, Bessem e Oxumarê, e assim por diante.

Todos os povos, da Humanidade, em qualquer época, em qualquer cultura, em qualquer parte do mundo, sempre reconheceram as forças da natureza e seus regentes. Basta lembrarmos das mitologias grega, romana, egípcia, maia, etc. Com os africanos não foi diferente.

O mais importante de tudo isso, é a busca de equilíbrio e contato harmônico com todas essas forças. A  mesma brisa que refresca, em intensidade exagerada, transforma-se em vendaval que desabriga. O mesmo fogo que aquece, descontrolado, é capaz de incendiar. O mesmo mar que nos banha agradavelmente nos dias de calor, pode produzir maremotos e tsunamis que matam milhares.

Assim mesmo ocorre com os sentimentos e emoções: a ambição (regida por Exu), pode ser mola propulsora do crescimento, das conquistas e das realizações. Mas a ambição desregulada, decai ao patamar da inveja e da mediocridade. Essa é a natureza do mundo e dos homens. Esses são seus Deuses. Esse é o equilíbrio que devemos buscar dentro de nós, e entre nós e a natureza (entenda-se Orixás).

Márcio de Jagun

Babalorixá, escritor, professor universitário, advogado e apresentador do Programa Ori (ori@ori.net.br)

 

 

 

 

 

 

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