O Ritual do Ipadê.

 

O RITUAL DO IPADÊ: 

O ritual do Ipadê é praticado desde os primórdios pelo povo de Ketu. Por isso, com a constituição do Candomblé aqui no Brasil, este preceito não foi reproduzido nas Casas de origem Jêje. 

É bom esclarecer desde logo que o ritual do Ipadê, e o padê de Exu são duas coisas diferentes. O Ipadê é um fundamento da Religião direcionado para saudar os ancestrais; e o padê, é uma comida de Exu.

“Despachar Exu”, como se diz usualmente, também não se confunde com o Ipadê. O ato de despachar Exu, na verdade, atende ao princípio de que esta Divindade deve ser a primeira a ser agradada. Assim, antes do início do Xirê, ou mesmo antes dos demais Orixás serem reverenciados, Exu deve ser o primeiro a receber seus agrados. Caso contrário, os praticantes podem ser punidos com as artimanhas dele. 

Feitas as distinções necessárias, vamos então falar diretamente sobre o Ipadê. Esse ritual é necessário em 3 situações: quando são sacrificados animais de 4 patas para Exu; nas Águas de Oxalá e no axaxê.

O Ipadê só é realizado durante o dia, pois necessita da claridade natural. Portanto, seu melhor horário gira em torno de 14 às 16hs. Só é feito à noite, durante o axexê. 

No Ipadê, são reverenciados Exu (o menageiro), os ancestrais masculinos (eguns), femininos (iyá mi), os esás (ancestrais importantes daquele Egbé) e alguns Orixás (conforme a tradição de cada Axé). 

Os elementos necessários ao Ipadê, são: uma cuia feita de cabaça (representando a cabeça de todos), a acaçá (simbolizando o corpo da cumunidade), a cachaça (oti), omi (a água, capaz de acalmar e fertilizar), a farinha de mesa crua (iyefún, significando a fecundidade) e finalmente o dendê ou o limo da costa (conforme o caso). 

Este ritual é essencialmente comandado pelas mulheres. No caso, a iyadagán e a iyámorô. A primeira prepara os ingredientes, sentada em frente ao Axé, enquanto a segunda dança em volta da cumeeira e despacha os elementos, acompanhada pelos Ogãns que batem os atabaques e cantam as músicas especiais para esse momento. Tais músicas e rezas não são executadas em nenhum outro ritual, muito menos no xirê. 

Quando o Ipadê é realizado nos trabalhos fúnebres de axexê, não são usados os atabaques, mas instrumentos especiais feitos de cabaça. 

Todos aqueles que participarem do Ipadê devem ter as cabeças cobertas. Os mais velhos, ficam sentados, e os mais novos, ajoelhados em esteiras, debruçados sobre os apotis.

Ninguém fica parado durante o Ipadê. Todos devem balançar levemente o corpo, demonstrando que enfrentam vivos aqueles rituais. 

A sequência das músicas é repetida durante o preparo e despacho das oferendas, sempre por três vezes. A ordem de reverência é: Exu, egun, esás (alguns fundadores dos primeiros Candomblés, como Obitikô, Oburô, Akesan, Adiro, Ajadi e Akayiodê); os Orixás afinizados (Exu,Ogu, Odé, Omolu, Oxum, Oya, Yemonja, Xangô e Lufa e Guiã); as iyá mi oxorongá e finalmente os próprios membros da comunidade participantes. 

É um ritual lindíssimo, mas que requer atenção total, meticulosa concentração e extremo respeito.

Pena que o Ipadê esteja sendo renegado ao esquecimento. O requinte desse preceito litúrgico exige que o egbé (a comunidade) possua elementos com tempo de Santo e preparo suficiente para esse ofício. 

Em muitas Casas, os iyawôs nem podem estar presentes na cerimônia do Ipadê. 

A riqueza dessa tradição, antes de mais nada, nos indica um ensinamento básico da matriz africana: respeito aos mais velhos. E reverenciar os mais velhos (ancestrais masculinos e femininos) consiste nisso! Agradecer, agradar, ofertar àqueles que vieram antes de nós, e que, por isso, construíram parte do caminho que hoje seguimos. Devemos a eles! Pedimos então sua proteção, sua licença para trabalhar.

 O respeito aos mais velhos é tudo. É a razão de acatarmos à ordem hierárquica, o motivo de aprendermos a obedecer, nos talhando para posteriormente sabermos mandar. Respeitar os mais velhos é aprendermos com a sabedoria e com a experiência dos que viveram mais do que nós. É também a garantia de que no futuro seremos nós próprios respeitados e prestigiados com carinho e solidariedade. 

O Ipadê é um pouco disso tudo.   

Rio, 17/4/11

Márcio de Jagun

 

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