Quanto custa um “muito obrigado”? Texto Mãe Stella de Oxossi

Quanto custa um “muito obrigado”?

O desuso da expressão “muito obrigado” me faz pensar que ela agora passou a ser vendida. Afinal, não é mais comum ouvirmos alguém agradecendo por um favor recebido. Ser grato parece que deixou de ser um hábito e quando o “muito obrigado” acontece é feito de forma automática, como que para cumprir uma formalidade social. Talvez isso esteja acontecendo por motivos diversos: pela busca de rapidez e praticidade de viver; pelo fato da formação atual está mais preocupada com a competitividade, supervalorizando a instrução e minimizando a educação social. Boas maneiras nunca podem sair de moda.

Se compreendermos a origem das palavras gratidão e obrigado, talvez reconheçamos a grandiosidade deste sentimento e da atitude que o acompanha. Em uma comunidade de descendência yorubá, a palavra dupé – obrigado – nos é ensinada desde os primeiros passos rumo ao “sacerdócio”, pois a referida palavra está diretamente relacionada com opé – gratidão: para todo favor – oré, um gesto de gratidão – imoré. E o mais natural de todos é simplesmente dizer: nini dupé – muito obrigado. Não dói nada, eu garanto! E até onde sei, não custa dinheiro. O sentimento de gratidão forma uma ligação de afetividade consciente. Afinal, “obrigado” tem origem no latim obligare, que significa “para unir”. Quando, portanto, um muito obrigado é dito para alguém, elos estão se unindo em uma corrente de amizade e cooperação mútua.

Creio que agora fica mais fácil aceitar o porquê de os iniciados na religião dos orixás denominarem todo ato religioso de “obrigação”, palavra absorvida do latim obligatio, que quer demonstrar que estamos realizando, de maneira livre e consciente, um ato de união com o divino. Obrigação é diferente de obrigatório. Enquanto o primeiro é um ato voluntário, libertador; o segundo é forçoso e, sendo realizado independente da vontade de quem o faz, é escravizador e não permite que se forme uma relação de afetividade e, consequente, união. Um ato obrigatório é chamado em yorubá de muse; enquanto que obrigação é isé, traduzida também por abnegação. O seguinte mito mostra a importância da gratidão que precisamos ter para com todos que nos serviram ou servem, em maior ou menor escala:

Existia um rei que não media esforços para cuidar de seu povo. Um sacerdote disse que seu reino nunca poderia ser derrubado, para que seu povo não viesse passar por tempos de trevas. O povo amava seu rei, mas com o passar do tempo cada um foi cuidando de sua própria vida, esquecendo-se de quem cuidou para que aquele povo vivesse em paz, tivesse prosperidade e respeito. Não precisou que nenhum inimigo atentasse contra aquele reino, a ingratidão sofrida pelo rei foi o suficiente para que os deuses decidissem castigar aquele povo.

Mesmo consciente de que toda ingratidão merece castigo, o rei implorou aos deuses que desse mais uma chance para que seu povo aprendesse tão importante lição. Os deuses não conseguiram negar um pedido feito por alguém que tinha dedicado toda sua vida em favor do outro, mas não cedeu totalmente, pois a gratidão é uma lei que precisa ser cumprida.

As divindades ordenaram que cada pessoa providenciasse uma expiação para que por ingratidão as bênçãos não as abandonassem. Ao saber da resolução das divindades, o rei ficou aliviado, mas se sentiu impossibilitado de repassar a vontade dos deuses, pois as ingratidões sofridas tiraram muito de sua energia. Acontece que o rei não era de desistir tão facilmente e, por isto, chamou alguns de seus filhos mais velhos e passou para eles o comunicado divino. Apreensivos, porém conscientes de suas responsabilidades, esses filhos mais velhos convocaram todo o povo para que se retratassem com o rei e com os deuses. As pessoas se surpreenderam quando lhes foi dito que por ingratidão os deuses estavam aborrecidos e o rei desencantado. Arrependidas, trataram imediatamente de resgatar a confiança que o rei e que os deuses depositaram nelas. Sempre disposto a perdoar, o rei aceitou os pedido de perdão continuando a rogar aos deuses que nunca se cansassem e desistissem de seu povo.

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