Texto Mãe Stella de Oxossi

Na África de séculos atrás, a comunicação entre as tribos era feita pelos tambores, que são considerados divindades que comem e falam. Quanto mais eles comem, mais eles falam. É por isso que o baiano usa a expressão “o couro vai comer” para dizer que muita discussão vai existir sobre um assunto. Quando a religião chamada de candomblé na Bahia começou a existir, há séculos atrás, os africanos moradores das senzalas, e mesmo os da “casa-grande”, só podiam comunicar-se por meio dos tambores, nas festas permitidas pelos senhores, e por meio da palavra falada. Os tambores dificilmente podiam “expressar-se” e a palavra falada era de difícil compreensão, pois os africanos reunidos nos engenhos de cana tentavam comunicar-se fazendo uso de diferentes dialetos. Afinal, os escravos que aqui chegaram foram trazidos de diferentes localidades do grande continente africano. Correio nagô é a expressão usada pelos candomblezeiros para transmitir de boca em boca as notícias e os eventos que ocorrem dentro do terreiro/templo. Insisto no termo candomblezeiro e não candomblecista, pois este último está ganhando força apenas pela inocente tentativa de ampliar o valor do candomblé. Entretanto, não se faz necessário uso de artifícios linguísticos para que nenhuma religião seja valorizada, pois cada uma tem seu valor para aqueles que a professam ou para as pessoas que têm como lema de vida a justiça e o respeito à individualidade do próximo. Chamar a empregada doméstica, por exemplo, de secretária não agrega valor a esta tão importante classe de trabalhadores, ao contrário, desclassifica-a, pois sugere atribuições que não pertencem a esta categoria. E os valores dos empregados domésticos são tão maravilhosos que não precisam dos de ninguém.
Hoje, nós, candomblezeiros, não contamos apenas com o boca a boca, valorizamos e usamos a oralidade e a escrita. E é assim que transmitimos aos leitores deste artigo a agradável e valorosa notícia da nobre visita de uma comitiva de irmãos africanos.
O orixá/rei Xangô Afonjá está recebendo em sua “casa” um rei africano: sua majestade imperial Obá Ladeyemi III, rei de Oyó, descendente direto do primeiro ancestral do povo yorubá. Atualmente, Oyó é um estado localizado a sudoeste da Nigéria (país africano), cuja capital é a cidade de Ibadan. Entretanto, no passado, entre 1400 e 1835, Oyó foi um grande império. Xangô foi o terceiro rei desse império que, por seus grandes feitos, foi divinizado, tornando se orixá. O intercâmbio político cultural entre o Brasil e o continente africano, mais precisamente entre Bahia e Nigéria (Oyó), é fundamental para o fortalecimento de nossas raízes e a geração de sementes saudáveis, isto é, bem fundamentadas, que venham a gerar bons frutos. Mãe Aninha – Obá Biyi -, descendente direta de africanos e “filha” de Xangô, fundou o terreiro que hoje recebe o rei de Oyó. Foi ao seu orixá que ela rezou pedindo na língua yorubá o que aqui coloco traduzido:
“Rei leopardo, cuja decisão e ação ninguém poderá questionar, dê-me como resposta a construção completa desta casa” – o terreiro de candomblé Ilê Axé Opô Afonjá.

Maria Stella de Azevedo Santos

Jornal A Tarde, 30/07/2014.

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