Um grande vazio.

Um grande vazio. Cheio até a tampa de “verdades”.

Vendem-se verdades e fantasias, dê seu lance.

As vezes é preciso falar usando alegorias, esta é uma destas oportunidades.

Esta experiência na blogesfera tem enriquecido minha vida religiosa sobremaneira, mas também tem me assustado na mesma medida. Hoje tenho visto que a cada dia perdemos valores tradicionais da religião e que muitas vezes essa perda é proposital, é feita sob encomenda e sob medida para o mercado, para o público alvo. O candomblé tem se tornado muitas vezes vazio, desfigurado, e dizem que isto é evolução ou reinvenção. Prefiro o velho modelo.

“Há muito tempo eu escuto este papo furado dizendo que o samba acabou. Só se foi quando o dia clareou”. Samba de Paulinho da Viola.

Só agora, depois de tanto procurar eu encontrei o paralelo que me satisfez: O carnaval, é isso! Assim como o Candomblé, o carnaval é baseado na família e na comunidade. Em tradições e principalmente na cultura. E como podemos mostrar aos jovens hoje o valor da família religiosa se a maioria chega às Casas de Axé sem noção do que é a própria família? Sem o menor respeito a pai e mãe, isolados em seus mundos de computadores e jogos?

O candomblé resiste em poucas “ilhas”, assim como o “samba de fato” , onde também se preservam “folhas” e conhecimento. Exatamente por isso, essas ilhas têm sido excluídas da grande comunidade religiosa e cultural, que não aceita que o candomblé e o samba continuem simples dentro de suas complexidades; eles são simples.

Assim como o carnaval, o candomblé vem sendo profissionalizado, tem até passos marcados, ensinados em mil cursos de dança afro. As fantasias/roupas de santo, vêm com seus esplendores e adornos de cabeça, a cada dia mais parecidos e quase não dá mais para sabermos o que é do Orixá e o que é do carnaval. Já não basta estes adornos serem confeccionados pelos mesmos profissionais de carnaval, com os mesmos materiais. Hoje precisam ter um nome, uma griffe, tem que ter assinatura de “estilistas”, tem é modismo.

E as cantigas? Estas merecem um capitulo à parte, são cantadas como se todas contassem a mesma história, com os “bailarinos” demonstrando com seus gingados e expressões corporais o que está sendo “cantado”. Por vezes se inventa cantiga de encomenda que, a exemplo do carnaval, não passam daquele ano ou do enredo que foi apresentado. A entrada do xirê é uma verdadeira comissão de frente, com passos marcados, coreografias, caras e bocas. Só ainda não conseguiram dividir as alas, mas… Tem gente fazendo do candomblé uma passarela do samba, só falta a bilheteria… se bem que esta existe sim, mas fica num quartinho nos fundos…

Eu gosto mais do carnaval antigo, sem alas, com sambas que até hoje são lembrados, onde os passistas – e não reboladores – sambavam como se sambava nos morros, com ginga e graça. Não como é hoje, uma “venda” escancarada do sexo. Tem até outros ritmos no samba, são as inovações. Eu prefiro o antigo, aquele que ainda resiste em velhas rodas de samba na Gamboa, na Lapa, em Paquetá, no Centro do Rio, em Madureira, na Mangueira e outros. Não sou de freqüentar estes locais, mas sei onde tem coisa boa. Tenho meu informante.

Se vocês ainda não presenciaram tais fatos, podem me apedrejar.

Hoje há uma onda de glamourização do espetáculo onde não é aceito que Orixá seja cultuado sem pompa e circunstância e que os zeladores sejam humanos e mortais. Só se deseja o estrelato e a imortalidade dos astros e estrelas. Não é parecido com carnaval? Durante uma festa são sete ou mais trocas de figurino, são horas de apresentação e glamour, ostentação e vaidade. Orixá que é bom… muito pouco se vê. Então…? Não é parecido com carnaval? Eu acho!

Para mim este comportamento está ligado à falta de uma família rígida e amorosa, onde os valores morais deveriam ser ensinados aos filhos. Restam as fantasias e o aprendizado da rua. As grandes Casas de Axé são simples e os grandes nomes do candomblé são simples, como são simples nossos amados pais e mães.

Hoje o que vejo são pessoas que se acostumaram à solidão e querem fazer suas oferendas sozinhas porque não confiam em ninguém. Mas talvez, se tivéssemos um formulário para preencher em que constasse e-mail, MSN, Orkut, site e outros mecanismos de confirmação eletrônica de identidade, essa pessoa virtual fosse considerada confiável e assim poderíamos entregar nossa cabeça em suas mãos com absoluta segurança de que, em trinta e dois segundos, ela rodaria o programa necessário e nossas vidas estariam resolvidas, sem dores, sem amores desfeitos, sem desemprego, sem perdas.

Mas por que não confiar em ninguém? Eu não entendo  isso… o candomblé é uma comunidade e uma só família, ou deveria ser, ou gostaria que fosse, enfim…  A base da religião é o convívio em comunidade, com normas e regras idênticas à da família. Mas como falar de regras e família se ambas deixaram de valer, deixaram de existir como as conheci e deram lugar ao vale tudo, ao tudo pode, tudo é permitido para não frustrar o filhinho queridinho? Como falar de candomblé neste mundo virtual, onde muitos se deixam enganar e outros são enganados enquanto procuram pela solução fácil e rápida dos seus problemas, como se fosse um toque de mouse, uma teclada a mais? O candomblé precisa de tempo, o universo precisa de tempo e o Orixá precisa de tempo. Mas não damos esse tempo, queremos agora, queremos porque queremos, sem saber se de fato podemos ter.

Mas se não pudermos agora, de imediato, é só dar um but, é só reiniciar. Talvez seja só uma falha no servidor.

O candomblé é simples. O carnaval é simples. Nós somos complicados. Eu então…

Tomeje.

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