Ilê Axé Opô Afonjá. 101 anos – Um novo ciclo. Texto de Mãe Stella

Ilê Axé Opô Afonjá

101 Anos – Um Novo Ciclo

O Candomblé de São Gonçalo completou cem anos de existência, resguardando o sagrado, sem deixar de levar em conta as modificações pelas quais o mundo e a sociedade precisam passar. Muitas reformas foram feitas. Afinal, a ciência se une ao religioso para que se encontre o caminho das modificações necessárias, sem que aja perda do axé adquirido e fundamentado pelos nossos ancestrais. Por sermos uma entidade religiosa tombada pelo IPHAN, os Governos Federal, Estadual e Municipal se uniram para comemorar uma data tão especial para todos que buscam, nesse Terreiro sagrado. Conforto, força e inspiração advinda de Olorum – o Deus Supremo – e toda Sua corte divina – os Orixás. União, união, união!

No ano de dois mil e onze, portanto, um novo ciclo se inicia para os filhos dessa Casa. Aliás, um novo ciclo se inicia sempre para todos. A cada dia, um novo dia. A nossa crença é como o ar que respiramos, sempre renovado como renovadas devem ser as nossas ações, sem permitir interferência prejudiciais em nossa essência individual e coletiva. Não poderia ser diferente para uma religião que tem a natureza e seus elementos como base. “Na natureza tudo se transforma”.

Estamos falando em renovação. Renovar pode e deve ser compreendido como um novo ar que se respira. E aqui cabe revelar um pouco dos conhecimentos do Candomblé, não com a intenção de profanar o sagrado, e sim para que o respeito que essa religião milenar é merecedora seja conquistado na justa medida. Emí é a palavra na língua yorubá que significa respiração, vida, espírito, enquanto que É mi Mimo quer dizer Espírito Santo – a parcela divina que habita em cada um de nós e que é denominada pelos seguidores da religião proveniente dos africanos como Orixá, Inkince, Vodum…

Tradição e renovação, palavras chaves para serem refletidas por todos que desejam seguir um caminho próspero. E a prosperidade aqui referida inclui não apenas a material, mas principalmente a espiritual, que só pode ser conquistada através de purificação de sentimentos, de pensamentos e de movimentos constantes, que resultam em ações construtivas. Que Oxun nos purifique, e Exu, o mais humano dos Orixás, nos movimente, para que o Emí que nos foi soprado por Oxalá cumpra sua função aqui na Terra.

Para o Candomblé, pensar em renovação é sempre complicado e precisa de uma profunda reflexão: Como conduzir o Candomblé no século XXI, uma religião que sempre foi pautada na tradição oral, mas que diante das renovações tecnológicas se torna imprescindível o uso da tradição escrita? Tudo tem dois lados: tanto a tradição oral, quanto a tradição escrita possuem pontos positivos e negativos. Mais uma vez, a união rege o comportamento a ser seguido. Quando um mais velho transmite seu conhecimento oral para o mais novo, está lhe passando todo o axé adquirido no decorrer de sua experiência de vida, daí não poder existir a experiência do sagrado sem a transmissão oral e revelada. Em compensação, como tenho sempre dito, “o que não se registra o tempo leva”. Pensando assim, optei por escrever livros sobre a religião que pratico e professo com o permanente cuidado de não passar para os nãos iniciados aquilo que não se faz necessário que eles saibam, pois toda religião tem uma parte reservada aos seus sacerdotes e outra aos seus devotos e simpatizantes.

Um provérbio yorubano diz: “Ògbèri nko mo màrìwo (O não iniciado não pode conhecer os segredos do mariwo.)”; e eu digo: Os mistérios de uma religião devem ser conhecidos apenas pelos seus sacerdotes.

 

Maria Stella de Azevedo Santos

Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá

 

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