As Comunidades Religiosas Negras do Rio de Janeiro, de suas Origens  à Atualidade.

Professor José Flávio Pessoa de Barros

Parte 1

As Origens Jêje-nagô.

As etnias que deram origem ao chamado complexo cultural Jêje-nagô foram introduzidas maciçamente no Nordeste brasileiro, no final do século XVIII e início do século XIX, especialmente nos estados do Maranhão, Pernambuco e Bahia.

Os Nagô – denominação geral dos Iorubás – suplantaram numericamente os Jêje, em razão da destruição consecutiva de dois reinos Iorubafones: o de Ketu, atualmente no Benin, e o de Oyó, na Nigéria.

A introdução contínua de africanos de uma mesma procedência étnica no meio urbano foi fator relevante para a viabilização de uma resistência maior ao colonizador e possibilitou a agregação e formação de núcleos ligados à preservação de sua cultura.

Nina Rodrigues[1] indicava o Candomblé como um foco de resistência cultural e como centro de fermentação para sublevações e rebelião social. Relata as várias manifestações ocorridas no século XIX como tendo alguma relação com a fé que professavam os insurretos.

O Estado escravocrata apoiou a Igreja na repressão às práticas não-católicas e, segundo Albuquerque[2], estimulou a formação de irmandades que incorporavam a população negra, escrava ou livre, aos quadros sociais controlados oficialmente. Esse autor informa, ainda, que essas irmandades procuravam manter as separações baseadas em critérios de cor (negros e mulatos), como também de situação social (livres e escravos) e até mesmo por lugar de origem na África.

Verger[3] relata que os negros de Angola formavam a “Venerável Ordem Terceira do Rosário de Nossa Senhora das Portas do Carmo”, fundada na Igreja de Nossa Senhora do Rosário do Pelourinho. Os Daomeanos ou Jêje reuniam-se na “Ordem de Nosso Senhor Bom Jesus das Necessidades e Redenção dos Homens Pretos”, na Capela do Corpo Santo (Cidade Baixa). Os Nagô formavam duas irmandades: uma, masculina, denominada “Nosso Senhor dos Martírios”, e outra, feminina, “Nossa Senhora da Boa Morte”, na Igreja da Barroquinha, todas elas em Salvador, Bahia.

Dessa última associação, informa o mesmo autor, teriam saído:

“várias mulheres enérgicas e voluntariosas, originárias de Ketu, antigas escravas libertas (…) fundando um Terreiro de Candomblé chamado Ia Omi Axé Aira Intilé (…) próximo a essa Igreja”[4].

De sua fundação na Barroquinha, transferiu-se a Casa de Candomblé para diversos outros locais, acabando por Instalar-se definitivamente na Avenida Vasco da Gama, sob o nome de Ilé Ia Naso, sendo também conhecida como Casa Branca do Engenho Velho.

De acordo com Carneiro[5], “a data de sua fundação (Engenho Velho) remonta, mais ou menos, a 1830, de acordo com cálculos feito por mim, embora haja quem lhe dê até duzentos anos de existência”, o que é corroborado por quase todos os autores que se dedicam a esse tipo de estudo. Da mesma forma, a senioridade da Casa Branca é apontada por muitos estudiosos e pelos componentes do que se chama “povo-de-santo”. Adeptos desse Candomblé relatam que a sua Casa teria sido “fundada por três mulheres chamadas Iá Adetá, Iá Kala e Iá Naso, há mais de duzentos anos”. Contam também que seriam provenientes de Ketu, sendo a última portadora de um título altamente honorífico na corte do Aláfin de Oió.

Do axé dessa Casa de Culto originaram-se outras duas: o Axé do Gantois e o do Opó Afonjá, sendo que essas dispersões ocorreram ao tempo de sucessões na direção da Casa Branca, no início do século XX. A primeira, com o falecimento de Mãe Marcelina: duas de suas filhas-de-santo disputavam o cargo de Ialorixá, tendo ficado com o título Maria Júlia de Figueiredo. A vencida, Maria Júlia da Conceição, afastou-se e arrendou um terreno no Rio Vermelho, fundando o Iá Omí Axé Iámase (Gantois).

A segunda dispersão ocorreu na época do falecimento de Mãe Ursulina, quando Aninha (Eugênia Anna dos Santos) afastou-se, juntamente com Tio Joaquim e outros, fundando o “Centro Cruz Santa do Axé Opó Afonjá, em 1910, em São Gonçalo do Retiro. É famosa a sua frase, transcrita por Carneiro[6]: “O Engenho Velho é a cabeça, o Opó Afonjá é o braço”.

Relato muito interessante nos foi dado por um informante do Gantois, que disse:

“antigamente só se iniciavam as festas de Oxóssi (mês de junho) no Gantois e no Opó Afonjá depois que, no Engenho Velho, uma filha-de-santo da Oxum, Nitinha, repartia os axé, as partes mais sagradas dos animais, levando-os primeiramente ao Gantois e, em seguida, ao Opó Afonjá. Tal fato era o sinal para se iniciarem os festejos em honra do orixá, rei de Ketu”.

Estas três Casas são consideradas as de maior prestígio em Salvador, juntamente com o Terreiro de Alaketu.

Cabe ressaltar que, sendo este da mesma procedência (Ketu), o terreiro de Ilé-Maro Ialají – Alaketu – não possui vínculo com as outras Casas, tendo sido fundado, em 1867[7], por uma africana originária de Ketu – Otampe Ojaro – em Matatu de Brotas. Este Candomblé possui tanto prestígio quanto as outras Casas mencionadas. Todas essas comunidades, além de se dizerem “Nagô”, se autodenominam como Ketu, isto é, da nação Ketu – este termo aqui entendido como uma categoria cultural e não de caráter étnico”.

Como apontado por Trindade-Serra,[8]

“autodenominar-se Nagô (ou Jêje), haver-se iniciado num Candomblé que siga uma liturgia assim designada, conhecer e pôr em prática os ritos em questão, adaptar-se a regras de convívio num grupo estruturado de uma forma que, por suposto, reproduz idealmente certos arranjos característicos de determinadas organizações sociais africanas, perceber-se como conservador de um legado tradicional Iorubá são os requisitos necessários para a vivência e a atribuição da identidade referida, na Bahia e em outras partes do Brasil”.

[1]Rodrigues, R.N. Os Africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Cia. Ed. Nacional, 1977, p. 41-48.

[2] Albuquerque, M.M Pequena História da Formação Social Brasileira. Rio de Janeiro: Graal, 1981, p. 45.

[3] Verger, P. Orixás. São Paulo: Corrupio, 1997, p. 28.

[4] Idem.

[5] Carneiro, E.S. Candomblés da Bahia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1948, p. 56.

[6] Idem, p. 58.

[7] Lima, V.C. A Família de Santo nos Candomblés…Salvador: UFBA, 1977, p. 26.

[8] Trindade-Serra, O. Na Trilha dos Erês…Salavdor: UFBA, 1978, p. 259.

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