As Comunidades Religiosas Negras do Rio de Janeiro, de suas Origens  à Atualidade.

Parte 3

Professor José Flávio Pessoa de Barros

Na década de cinqüenta, a nação Ijexá também se transfere para o Rio de Janeiro, através de Zezito de Oxum, neto de Eduardo de Ijexá, Pai-deSanto famoso, um dos últimos de sua linhagem em Salvador.

O mais famoso Terreiro do início do século era o de Tia Ciata[i] (Hilária de Almeida), filha de João Alabá e que possuía a sua casa na rua Visconde de Itaúna. Seu prestígio facilitava a concessão de permissão policial para a realização de cerimônias religiosas, assim como para os encontros de samba. No entanto, o relacionamento que ela mantinha com as importantes figuras políticas da antiga capital do Brasil não impediu o deslocamento de seu grupo e de outros Candomblés.

Uma vez que o processo de constituição e implementação dos Terreiros de Candomblé supõe, ao mesmo tempo, a urbe (espaço construído) e a floresta (espaço-mato), o deslocamento imposto, se trouxe algumas dificuldades e problemas, também favoreceu o estreito relacionamento dessas duas dimensões tão importantes no imaginário religioso do povo-de-santo. O espaço-mato, tornando-se mais evidente e próximo, reforçou os laços entre o homem e a natureza, ao mesmo tempo em que circunscrevia o grupo religioso e o protegia da curiosidade dos não-adeptos.  Acresce o fato de que as perseguições policiais e o agravamento das discriminações sócio-religiosas deram ensejo ao fortalecimento do sentimento grupal e à demarcação de espaços distintos.

Os templos, embora inseridos no cenário arquitetônico urbano-periférico, podiam ser distinguidos – e ainda o são – através da presença de sinais diacríticos, como a bandeira de tempo (mastro fincado no solo, na entrada do terreno, onde tremula uma bandeira branca) e as quartinhas (potes de barro), colocadas sobre os muros e telhados.

No final da década de quarenta, vem, para a então capital da República, Rio de Janeiro, Cristóvão d´Efon – isto é, da nação Efon, subgrupo Nagô – aqui iniciando várias pessoas, dando origem a uma linhagem muito profícua. Surgem, então, várias comunidades oriundas dessa Casa original de Salvador, como as de Valdimiro de Xangô, Francisco de Iemanjá  e muitas outras.

A partir de 1960, nova migração ocorre para o Rio de Janeiro, aqui encontrando muitas casas já constituídas, como: Opó-Afonjá, subsidiária da casa com a mesma denominação em Salvador, na localidade de Coelho da Rocha; a Casa de Meninazinha d´Oxum, hoje em São Mateus; a comunidade de Regina de Bamboxe, localizada em Raiz da Serra; a casa-de-santo de Pai Ninô, em Camari, Nova Iguaçu; a de Mãe Dila, filha de Cipriano Abedé,em São João de Meriti; e muitas outras fundadas a partir da tradição dessas comunidades iniciais.

Nessa década também chegaram, e aqui no Rio de Janeiro se estabeleceram, outras comunidades, originadas das tradicionais casas baianas.

Marina de Ossaim funda o seu terreiro em Belford Roxo; Letícia d´Omolu, em Nova Iguaçu; Almerinda d`Oxossi, em Quintino; Edeusuíta d´Oguiã, em Jacarepaguá; Lindinha d´Oxum, em Villar dos Teles, São João de Meriti;  Margarida d´Oxum, em Vila Valqueire; Bida de Iemanjá, em Cascadura; Marta d´Oxum e Simone d´Oxossi,em São Gonçalo;  todas pertencentes à mesma linhagem, o Gantois.

Do Alaketu da Bahia vieram Beata de Iemanjá e Delinha d´Ogum, que estabeleceram seus Terreiros em Miguel Couto, Nova Iguaçu; e Janete d´Oxum, na Ilha do Governador.

Da Casa Branca do Engenho Velho se estabelecem: Nitinha d´Oxum, em Miguel Couto, município de Noiva Iguaçu; Tete de Oiá, em Guadalupe; Elza de Iemanjá, em Villar dos Teles, São João de Meriti; e Amanda d´Obaluaiê, em Coelho da Rocha, no município de mesmo nome.

Do local chamado Engenho Velho de Cima, à mesma época, chegam Álvaro Pé-Grande, fundando seu Axé em Jacarepaguá e, ainda no mesmo bairro, em Salvador, porém da Casa de Oxumarê, Benta de Ogum, que se fixou em Cabuçu, município de Nova Iguaçu; Teodora d´Iemanjá e Tomazinha d´Oxum, que estabelecem residência em Villar dos Teles.

Vieram da Ilha de Itaparica, ligados ao culto dos ancestrais Babá-Egum, estritamente masculino, os sacerdotes Laércio e Braga, respectivamente para Villar dos Teles e Caxias. Os sacerdócios, para esse tipo de comunidade, denominados Ojé, são poucos, existindo apenas algumas Casas na região do Recôncavo Baiano.

Originadas na Bahia e transferidas para o Rio de Janeiro, foram as comunidades pertencentes à nação Angola, de Bernardino, do Bate-Folha; Ciriaco, do Tumba-Jussara e o pioneiro dessa religiosidade de origem Bantu, Joãozinho, da Goméia, que aqui se estabeleceu na década de trinta.

A maioria dessas Casas está localizada no perímetro urbano da cidade do Rio de Janeiro, região chamada Baixada Fluminense, que hoje abriga mais de cinco mil e oitocentas[ii] casas-de-candomblé de diversas origens.

Referencias Bibliográficas.

ALBUQUERQUE, M. M. Pequena História da Formação Social Brasileira. Rio de Janeiro: Graal, 1981.

CARNEIRO, E. S. Candomblés da Bahia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1948.

CARVALHO, C. D. História da Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1988.

GONÇALVES, M. A. R. A brincadeira no Terreiro de Oxossi. Um estudo sobre a Vida Lúdica de uma Comunidade de Candomblé do Grande Rio. Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, 1990.

LIMA, V. C. A família de Santo nos Candomblés Jêje-Nagô da Bahia: um Estudo de Relações Intragrupais. Dissertação de Mestrado. Salvador: UFBA, 1977.

LOPES, N. O Samba na Realidade: a Utopia da Ascensão Social do Sambista. Rio de Janeiro: Codecri, 1981.

MOURA, R. Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1983.

RODRIGUES, R. Nina. Os Africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1977.

PESSOA DE BARROS, J. F. Migrações Internas no Brasil – O Negro no Rio de Janeiro. Atas da Universidade de Varsóvia, tomo 17, Polônia, 1995.

ROCHA, A. M. Os Candomblés Antigos do Rio de Janeiro – A Nação Ketu: origem, ritos e crenças. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994.

TRINDADE-SERRA, O. Na trilha dos Erês – Uma Contribuição ao Estudo do Candomblé Angola. Salvador: UFBA, 1978.

VERGER, P. Orixás. São Paulo: Corrupio, 1997.

Notas

[1]

Rodrigues, R.N. Os Africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Cia. Ed. Nacional, 1977, p. 41-48.

[1] Albuquerque, M.M Pequena História da Formação Social Brasileira. Rio de Janeiro: Graal, 1981, p. 45.

[1] Verger, P. Orixás. São Paulo: Corrupio, 1997, p. 28.

[1] Idem.

[1] Carneiro, E.S. Candomblés da Bahia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1948, p. 56.

[1] Idem, p. 58.

[1] Lima, V.C. A Família de Santo nos Candomblés…Salvador: UFBA, 1977, p. 26.

[1] Trindade-Serra, O. Na Trilha dos Erês…Salavdor: UFBA, 1978, p. 259.

[1] Pessoa de Barros, J.F. Migrações Internas no Brasil…Atas da Universidade de Varsóvia, 17. Polônia, 1995, p. 275.

[1] O livro de Roberto Moura (1983) retrata esta época de implantação das comunidades-terreiro e do samba. Tanto a história do candomblé como a do samba são marcadas por fatos que ilustram a discriminação e repressão social e policial que sofriam estas associações nos seus primórdios. “Um ponto que diz respeito à auto preservação destas duas manifestações culturais, está sempre presente nos relatos que reportam à época: a repressão e a conseqüente necessidade que tinham de se camuflarem para se preservarem” ( Gonçalves, 1990: 25).

[1] Carvalho, C.D. História da Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: SMC, 1988, p. 96-99.

[1] Rocha, A.M. Os Candomblés Antigos do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 32.

[1] Ney Lopes (1981: 16-17), citando um depoimento de João da Baiana, famoso sambista do início do século, informa que: “Havia o candomblé e neste vinha o jêje, nagô e angola. O samba era antes. O candomblé era no mesmo dia, mas uma festa separada. A parte do ritual acontecia depois do samba. Primeiro havia a sessão recreativa, depois vinha a parte religiosa.Os sambas na casa de Asseata eram importantíssimos, porque, em geral, quando eles nasciam no alto do morro, na casa dela é que se tornavam conhecidos na roda”.

[1] A revista Isto é, nº 1471, de 10/12/97, em uma reportagem sobre a Baixada Fluminense intitulada “Um Rio de Atabaques”, afirma que no Rio de Janeiro existiam nesta época mais de três mil e oitocentos Terreiros de Candomblés, número maior do  que o encontrado  no Estado da Bahia.

[i] Ney Lopes (1981: 16-17), citando um depoimento de João da Baiana, famoso sambista do início do século, informa que: “Havia o candomblé e neste vinha o jêje, nagô e angola. O samba era antes. O candomblé era no mesmo dia, mas uma festa separada. A parte do ritual acontecia depois do samba. Primeiro havia a sessão recreativa, depois vinha a parte religiosa.Os sambas na casa de Asseata eram importantíssimos, porque, em geral, quando eles nasciam no alto do morro, na casa dela é que se tornavam conhecidos na roda”.

[ii] A revista Isto é, nº 1471, de 10/12/97, em uma reportagem sobre a Baixada Fluminense intitulada “Um Rio de Atabaques”, afirma que no Rio de Janeiro existiam nesta época mais de três mil e oitocentos Terreiros de Candomblés, número maior do  que o encontrado  no Estado da Bahia.

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