A CASA DE SANTO:

O espaço geográfico onde se situa o Templo de Candomblé (ilè àse), como tudo nessa Religião, é ímpar.

Curiosamente, apesar da diversidade de cultos oriundos de diferentes regiões africanas; apesar das peculiaridades rituais e culturais; apesar dos vários nomes pelos quais esse espaço é reconhecido (Ilê, Barracão, Roça, Casa de Santo, ou Terreiro), e independentemente da origem da liturgia ali praticada (Nação), a dinâmica que se oferece aos adeptos e visitantes que entram naquele espaço é invariavelmente a mesma: trata-se de um mundo a parte.

Ao atravessarmos as fronteiras desse reduto de Fé e resistência cultural, ingressamos em outra dimensão. Ali, o tempo passa em outro compasso. As relações de hierarquia social são completamente diferentes daquelas existentes na vida profana.

Basta um passo para dentro do Terreiro, e as regras de convivência são outras. Não que as leis brasileiras percam sua eficácia. Mas as normas de conduta e o sistema de poder dentro do Ilê, são únicos e prevalecem a tudo e a todos.

Por exemplo: se na vida exterior um adepto for uma autoridade pública, mas dentro daquela Roça sua condição hierárquica for de um Abiãn (não iniciado), ele será  subordinado a qualquer pessoa, instruída, ou não, mais velha, ou não. Sua condição de autoridade não vale naquela comunidade (ou egbé).

A idade cronológica não conta. A cultura exterior não conta. Os valores materiais não contam. Ali outros valores prevalecem.

Em suma, o espaço mítico dos Terreiros funciona como um verdadeiro Vaticano: um território encravado dentro de um país, com regras, valores, e hierarquia próprias. Ali existe outro “Chefe de Estado”.

Talvez por isso haja certa dificuldade para as pessoas que não estão preparadas para isso, se adaptarem à dinâmica de uma Casa de Santo.

Vale dizer que existem catalogados mais de 90 (noventa) cargos hierárquicos dentro da liturgia do Candomblé. Há desde os administrativos internos, aos ritualísticos e também aqueles voltados para as relações diplomáticas externas que devem ser mantidas com outros Barracões.

A convivência é balizada pela senioridade dos iniciados na Religião. Portanto, quanto mais anos de iniciação possua o adepto, maior sua condição hierárquica naquela comunidade, assim como maiores serão suas regalias naquele egbé.

Dentro da Casa de Santo existem espaços sagrados e também aqueles destinados às festas de caráter mais informal e não litúrgicas.

Os quartos de Santo são os locais onde são guardados os assentamentos dos Orixás. Ali, repousam nas louças e ferramentas de cada Divindade, sua energia, seu a Axé e a fé de seus seguidores. Esses locais são restritos aos freqüentadores da Casa. Mas o direito de manusear essas preciosidades sacras cabe apenas aos iniciados mais velhos e aqueles de maior confiança.

Os quartos de Santo são saudados sempre, um a um, por cada adepto que entra na Roça.

Na sala, ou salão (local onde são realizadas as cerimônias públicas), existem 3 pontos especiais: a porta de entrada, a cumeeira e os atabaques. Esses três locais também são saudados pelos visitantes de outros Terreiros. Até mesmo os Orixás manifestados prestigiam esses três locais, que representam, respectivamente, os caminhos, o axé daquela Casa e a orquestra ritual que chama e louva as Divindades.

Outro espaço sagrado é o roncó. Este é o quarto privativo e exclusivamente separado para os rituais de iniciação e também para os ritos que são realizadas quando completados os ciclos posteriores à iniciação (obrigações de tempo de santo) de cada adepto.

Tradicionalmente, nos locais sagrados não se fuma, não se bebe, não se adentra sem que antes se tome um banho de ervas para retirar as energias negativas e também se vistam as roupas rituais.

Mas há sempre redutos mais afastados que podem ser utilizados para que nos momentos descontraídos das festas, os freqüentadores desfrutem das bebidas, das brincadeiras e do samba de roda, tradição secular.

As Casas de Sato reproduzem as côrtes africanas, onde o rei é o babalorixá, ou a iyalorixá, com a soberania, a autoridade e o poder absoluto e vitalício, concentrando as figuras de chefe de estado e líder religioso. Em torno dessa figura, circula um protocolo todo especial: como reverenciá-lo; quem pode sentar-se a seu redor durante as refeições; as cores das roupas e dos colares que a comunidade deve usar; os tabus e interditos decretados por eles e que deverão ser respeitados por todos, etc.

Sua corte é composta pelos integrantes da comunidade (ègbé) que ocupam os cargos mais importantes. Estes podem ser seus parentes consangüíneos, ou não. Porém, não raro, a composição se dá em uma espécie de castas, onde se pode observar que certas famílias se destacam por seus membros preencherem posições relevantes na hierarquia e no controle da Casa.

Os membros de um ègbé, ao ingressarem na Casa, passam a ser parte de uma comunidade especial. Verdadeiras moléculas componentes da célula mater. Despir-se de individualismo dentro da Casa de Santo, é compreender e facilitar o equilíbrio do conjunto. Com isso, perde sentido a vaidade, o egoísmo e as disputas pessoais que corrompem a sociedade. Na Casa de Santo, a importância que se exerce, é ser parte do todo.

A Casa de Santo, enfim, é uma ilha de fé, de tradição e de cultura. Seu espaço físico e astral é compartilhado por seres vivos e divindades imateriais, que se misturam em uma poesia singular.

Naquele reduto, passado, presente e futuro se integram de uma forma quase imperceptível. De um modo único, inexplicável, como só uma Religião paradoxal e apaixonante como o Candomblé pode conceber.

A Casa de Santo é o Templo que abarca a crença, os costumes, as diferenças, o negro, o branco, o homem a mulher, o velho, a criança, o rico, o pobre, o homo e o hetero, acolhendo a todos com a sabedoria milenar e infalível do africano. Sabedoria de escravo, que conquistou o senhor. Sabedoria simples e profunda, que se pode resumir em quatro pilares: respeito, solidariedade, perseverança e axé.

Márcio de Jagun

Babalorixá, escritor, professor universitário, advogado e apresentador do Programa Ori (ori@ori.net.br)

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Respostas de 17

  1. Boa Noite!

    Irmão Tomeje.

    O início da sua religiosidade é bastante interessante, bem como o texto acerca da Casa de Santo.

    Adorava ouvir o Sr. e Pai Márcio de Jagum na Rádio Metropolitana, por sinal faz muita falta.

    Ressalvando, que a rádio AM tornou-se reduto de Evangélicos
    Nada contra,entretanto gostaria que houvesse uma diversificação de programa de outras religiões.

    Gostaria de saber onde fica o Terreiro dos Srs. e telefone para contato na intenção de obter através do Ifá as respostas que procuro
    E ter a imensa satistafação de conhecê-los.

    A maneira a qual os Srs debatiam a religião e a desmetificação agradava-me.

    A seriedade e a simplicidade com que os Srs se comportam faz a diferença dos demais, razão pela qual me dispus a procurá-los.

    Informe que não sou feita ou tão pouco frequento a alguma Cada de Santo, por razões pessoais, todavia meus ancestrais eram de Candomblé e Umbanda

    Axé
    Atenciosamente

    Sulamita

    1. Sulamita seja bem vinda ao blog. Ficamos felizes e agradecidos pelos comentários e elogios. Nossa função sempre foi ajudar e desmistificar aquilo que pode ser desmistificado e lançar um outro olhar sobre a nossa religião. obrigado. Nos somos descendentes do Asé Oxumare Salvador (casa de oxumare). A Casa do meu Pai fica em Pedra de Guaratiba e a minha em São Gonçalo. Se for possivel pra vc uma das duas é só enrar em contato e me enviar um email pessoal que eu possa entrar em contato. Asé, Baba Tomeje.

  2. Pai,
    bom dia.

    Estou buscando o endereço e dias de reuniões abertas na casa de Pai Marcos de Jagum. Após ouvir as suas entidades no youtube, através do Canal do Jefferson Viscard, fiquei muito tocado com o conhecimento passado, por todas as entidades, principalmente Sr. Tiriri. Seria possível o Sr. me passar alguma informação sobre o terrei, se é possível fazer uma visita para conhecer a casa? Gostaria de conhecer o trabalho por vocês lá realizado.

    Agradeço pela ajuda.
    Asé.

    1. Arthur, seja bem vindo. Está havendo um engano aqui. A pessoa que vc procura (Marcos de Jagun) não faz parte deste blog. Aqui temos o meu Sacerdote, Márcio de Jagun. Não tenho como ajudar. Asé e felicidade, Baba Tomeje

  3. Bom dia, Pai Tomeje.
    Há muitos anos tive uma consulta com a Pai Marcio de Jagun, em Pedra de Guaratiba.
    Há um tempo tento encontra-lo, sem sucesso.
    Gostaria muito da sua ajuda pra ter um contato dele ou os horários de consulta, pois eu e minha mãe precisamos muito de uma nova consulta.
    Muito obrigada!
    Axé.

    1. Bruna seja bem vinda. O seu email é valido? Posso ver com ele e se ele autorizar, posso te enviar o contato telefônico, ok? Asé e felicidades, Baba Tomeje

        1. Le, desculpe a demora, nosso blog ficou desativado por causa de um ataque sibernético. Desculpe, mas vc está querendo o telefone e endereço de quem? Não compreendi. Asé e felicidades. Baba Tomeje.

    1. Carlos, seja bem vindo ao blog. Em geral não atendemos dessa forma, nosso blog é voltado para discussão de temas religiosos, mas dependendo de onde vc more eu talvez possa te indicar alguém para te ajudar. Axé e felicidades, Babá Tomeje

  4. Bom Dia!….
    Gostaria de fazer uma consulta,
    pois estou passando por problemas de difícil resolução.
    Seria possível marcar ?
    Schneider602@gmail.com
    Gostaria de um telefone para contato, se possível.
    A indicação foi de meu filho, que esteve em um centro de candomblé
    na Bahia.
    Desde já, agradeço muito!
    Silvia Helena Schneider

    1. Silvia, seja bem vinda ao blog. Eu não faço, nem recomendo, consultas on line. Se eu puder ajudar, eu posso indicar alguém. De onde a sra é? Estado e Município, por favor.
      Axé e felicidades sempre. Babá Tomeje.

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