Brasil e Nigéria unidos para a valorização e preservação do patrimônio cultural

O primeiro dia de encontros do “I Seminário Internacional para Preservação do Patrimônio Cultural Compartilhado Brasil-Nigéria” ocorreu no dia 28 de Julho de 2014 no salão nobre do Fórum Ruy Barbosa, em Salvador-BA, e contou com a presença do rei do Império de Òyó-Nigéria, Vossa Majestade Real Lamidi Olayiwola Adeyemi III, sua comitiva, lideranças religiosas e autoridades políticas.

O que presenciei durante a estadia do rei aqui foi uma experiência emocionante, única e indescritível. Em diversos momentos fui tomada pela emoção de estar ali na presença do Alaafin de Òyó, especialmente pelo que ele representa para todo o povo que cultua os orixás. Para mim foi como fazer uma viagem no tempo e ter a oportunidade de visitar os meus ancestrais. A cada gestual e palavra do rei eu sentia que minha ligação com eles é mais forte do que eu supunha e que até então eu não tinha me dado conta disso. E hoje, após o encerramento desse grandioso evento, o que ficou foi a percepção de que um grande passo foi dado para que algumas ações sejam tomadas no sentido de que haja a preservação da cultura e religiosidade compartilhadas pelos dois países, principalmente porque a tradição do Candomblé está com o povo africano, esse povo que esteve aqui no Brasil representado pelo rei para conhecer e reconhecer que a sua cultura e religião têm sido preservadas e para nos pedir ajuda para que não deixemos as nossas raízes serem extintas.

Depois de quatro dias entre palestras e visitas do rei e sua comitiva aos terreiros já tombados na Bahia, os quais são o Ilê Àṣẹ Ìyá Nasó Ọká (Terreiro da Casa Branca), Ilê Àṣẹ Opô Afọnjá, Ilê Ìyá Omi Àṣẹ Iyamase (Terreiro do Gantois), Ilê Àṣẹ Mariolaje (Alaketu) e Ilê Oṣùmàre Arákà Àṣẹ Ogodó (Casa de Oxumarê), ficou evidenciada a interligação existente entre os povos dos dois países envolvidos e suas singularidades e principalmente o desejo de todo o povo de santo presente para que tais ações de fato aconteçam em prol da preservação da cultura e religiosidade africana, pois cada vez mais a intolerância e o preconceito têm se disseminado contra o povo que cultua e crê nos seus ancestrais, seja aqui no Brasil ou na Nigéria. Em alguns momentos senti um pouco de melancolia por ter visto através de fotos mostradas o quanto a cultura de Òyó está se perdendo pela falta de atenção e cuidado das autoridades competentes. Além disso, o que pude perceber também foi o quanto que o povo nigeriano adepto da religião afro tem sofrido com os atos de intolerância praticados por pessoas que são adeptas de outras religiões. Lá, a intolerância religiosa e o preconceito são absurdamente disseminados contra o povo que cultua os orixás. As crianças e os jovens não podem estudar porque o ritual religioso de se cortar os cabelos os impedem. Esse ritual não é aceito pelas escolas; os jovens não conseguem empregos e por conta disso a sobrevivência tem ficado cada vez mais comprometida, pois sem acesso a empregos formais as pessoas têm dificuldades de se manterem adequadamente.

A cultura desse povo também corre sérios riscos de desaparecer porque os jovens não têm demonstrado interesse em adquirir os conhecimentos da mesma. Um exemplo disso está na fabricação de objetos feitos de barro. Os jovens não se interessam porque essa atividade não traz lucratividade. Outro ponto entristecedor foi saber e visualizar também através de fotos que os templos de alguns orixás e de alguns espaços físicos do palácio imperial estão se degradando porque os recursos financeiros são insuficientes para a manutenção e preservação dos mesmos. E por não haver o tombamento desses templos religiosos e do palácio existentes em Òyó, o rei tem a preocupação de que eles possam desaparecer em breve, seja pela ação do tempo ou pela destruição através da ação humana devido à violência ocorrida em consequência da intolerância religiosa e do preconceito. Por esse motivo a intenção do Alaafin com sua vinda ao Brasil foi estreitar a relação entre ambos e obter a ajuda do Governo brasileiro para criarem ações que possibilitem o tombamento de Òyó pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Segundo o representante da Embaixada da Nigéria, Misah Wale Akanni:

 

O Brasil é guardião da nossa cultura. O objetivo é conhecer como se dá a preservação aqui e trocar experiências com a matriz, estreitando laços.

 

Além dessas ações, o rei Lamidi Olayiwola Adeyemi III, também falou sobre o seu desejo de trazer para o Brasil um festival que ocorre anualmente na Nigéria, o Festival de Xangô, e de levar para o seu país o mesmo seminário ocorrido aqui para discutir com o seu povo as ações de manutenção e preservação cultural. Para ele, essas iniciativas reforçarão as culturas e aproximarão ainda mais os dois países. E para que isso de fato aconteça, o Alaafin de Òyó disse que:

 

Precisamos crescer em número e ir em frente juntos, harmonizando nossas semelhanças e diferenças para que a interação aconteça e a cultura seja preservada. Necessitamos de uma unidade.

 

O rei reafirmou que sua vinda foi para reforçar a relação existente entre o Brasil e a Nigéria e estreitar os laços de forma que os dois países consigam fortalecer a religião afro-brasileira.

E eu reitero que o que vi nesses quatro dias de encontros foi muito emocionante. Ver pessoas virem de diversas partes do país para esse movimento me fez acreditar que se houver essa união para o bem comum do candomblé, resultados positivos virão. No mais, o que sem dúvida ficará para o povo de santo que teve a oportunidade de estar presente nesse evento será a emoção de ter presenciado pela primeira vez no Brasil o sumo sacerdote de Xangô advindo das terras dos seus ancestrais e o desejo de que haja a união e o compromisso dos adeptos da religião para que sua ancestralidade seja preservada.

Cátia Silva

Em 05 de Agosto de 2014.

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