Jovens de religiões afro-brasileiras dão continuidade à tradição ancestral

Para sacerdotes, renovação assegura disseminação da cultura e redução do preconceito.

Por Dandara Tinoco, em 12/08/2014.

RIO – George Rômulo Pereira Silva era ainda um pré-adolescente quando o jogo de búzios determinou: o menino herdaria o Asé Ilê Yamin, terreiro instalado em Santa Cruz da Serra, Duque de Caxias, da bisavó, mãe Regina de Iemanjá, morta aos 95 anos, em 2009. O legado recebido pelo jovem pai de santo é dar continuidade à tradição da família Bangbosé, que teria chegado da África dois séculos atrás. Com 15 anos, George simplifica a descrição da tarefa:

– Foi bom pensar que tudo a que ela se dedicou não seria jogado fora.

Fundamentados na cultura ancestral, candomblé e umbanda também se renovam. Os jovens de até 29 anos adeptos das religiões afro-brasileiras eram quase 260 mil em 2010, segundo dados do Censo, num total de quase 600 mil adeptos. Eles herdam dos antepassados a tradição e também o desafio de enfrentar o preconceito dirigido aos cultos afro.

A tarefa se impôs para George na escola, há cerca de quatro anos. Filho de Xangô Baru – qualidade do deus ligado à justiça e à coragem, na mitologia do candomblé -, o menino saiu em defesa de um amigo xingado por colegas de “gordinho”. Os agressores passaram a chamá-lo de “macaco” e “macumbeiro”, em troco. Sua mãe, a ialorixá Lina D´Oxumaré, decidiu, então, mudar o menino de colégio.

– Hoje todos os meus colegas sabem que sou da religião, e me respeitam. Mas, as vezes, ainda me fazem perguntas engraçadas: se matamos pessoas, por exemplo – conta o menino que, quando crescer, quer conciliar a função de sacerdote com a carreira de juiz.

NO LAZER, NAMORO E ATABAQUE

Franzino e tímido, George fica à vontade quando, frente a ele, senhoras com pesadas roupas de ração – como são chamadas as vestes usadas nas cerimônias do candomblé – descem ao chão e abaixam a cabeça, em sinal de reverência. Fora do terreiro, o menino gosta de “jogar bola e conversar” e sair com a namorada, Caroline Flórido, de 17 anos. Ele também dedica horas ao atabaque, instrumento de percussão tocado nos ritos afro.

À frente do Ilê Asé Onisègún, em Guapimirim, pai de santo Dario Firmino, de 30 anos, fez da disseminação da cultura africana compromisso. Há cerca de quatro anos, leva a escolas o projeto Herdeiros do Axé, da Companhia de Aruanda, cujo tema central é a difusão e valorização das tradições afro-brasileiras e sua ligação com futuras gerações.

– A casa de candomblé precisa se movimentar e se abrir. A nossa função é fazer as pessoas entenderem que a religião não é uma coisa de outro mundo. E que está associada a manifestações culturais como a dança afro e a capoeira. O terreiro deve ser um espaço relacionado à comunidade – observa. – Preservamos e respeitamos muito os mais velhos, mas já há quem entenda que o candomblé precisa de jovens bem preparados para dar continuidade à religião.

A ideia de criar o projeto Herdeiros do Axé nasceu quando Pai Dario fazia uma visita a uma escola e identificou uma menina acanhada, no canto de uma sala de aula.

– Percebi que ela tinha feito santo (iniciação no candomblé) e estava com vergonha de dizer aos colegas, com medo de ser discriminada – lembra o jovem, acrescentando que acredita que ações culturais podem conter a discriminação.

Ele conta que já foi alvo da intolerância religiosa por ir a supermercados e lojas com vestimentas típicas. E reagiu.

– Sempre respondi não com agressividade, mas tentando esclarecer que aquilo (as roupas) faz parte de uma tradição – explica.

MANUTENÇÃO DA TRADIÇÃO

Unidos na mesma fé, outros terreiros oferecem atividades para jovens. No Ilê Asè Ala Koro Wo, em Venda Velha, São João de Meriti, Mãe Torodi de Ogum recebe crianças e adolescentes para atividades de canto e dança africanos. A sacerdotisa crítica a falta de efetividade da Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em escolas públicas e particulares:

– O assunto precisa ser tratado também nas salas de aula. A juventude sempre foi a forma de comunidades de matrizes tradicionais garantirem o seu futuro. Passar essa cultura é manter a nossa tradição.

 

Fonte: http://oglobo.globo.com/sociedade/jovens-de-religioes-afro-brasileiras-dao-continuidade-tradicao-ancestral.

Respostas de 18

  1. Abença, Tomeje

    Esses dias tava pensando e tive algumas dúvidas e é claro que vim recorer ao senhor, né! hauhauhauh

    01) é possível gente que não é feita “pegar santo”? não no sentido de bolar no santo, mas de rodar com orixá mesmo?!

    02) orixá abre o olho, baba?! até esses dias só tinha visto orixá dançando com olhinho fechado, mas esses dias me dei de cara com um orixá com os olhos super abertos.

    obrigada pelos esclarecimentos
    axé, axé!

    1. Maria que Ogum te abençoe. É possível sim que um Orixa pegue a cabeça sem o filho bolar ou que venha repetidas vezes antes da feitura. O que não podemos é confundir essas manifestações com o orixa dono da cabeça, isso com certeza só será visto na iniciação. E pode ter certeza que essas situações são normais, de um orixa virar no filho e na iniciação ser feito de outro orixa, por isso aquele papo de ser abian é tão importante lembra???? rsrs Olha eu acho que ítem 02 deveria ser mais discutido nos terreiros. Há diversos graus de mediunidade e de incorporação, e por este motivo pode haver casos onde o Orixa abra sutilmente os olhos para se orientar no espaço físico sim. Eu creio que seja um erro pensar que orixa não fala em português ou que não abra os olhos. Em várias situações, principalmente dentro do Axé, nos oros internos isso acontece. Mas hoje com esta praga de internet rsrsrsrsrsrs temos vistos vídeos de lugares na África e Cuba onde esta prática é normal, mas essa normalidade é deles é da cultura deles e não da nossa cultura. Ai, mai uma vez vem o modismo, algumas Casas tem feito isso. O problema é que na nossa tradição, que é brasileira, isso não é normal, no máximo se aceita como normal os olhos semicerrados e o falar se resume ao local reservado e por motivos muito justificados. Essa é a minha opinião. Axé Tomeje.

      1. Entendi… eu achava que só era possível virar no orixá a partir do momento em que fosse feita a feitura, mas esses dias ouvi um relato de um abian e fiquei com essa pulga atrás da orelha. E essa manifestação, meu pai, é igual a manifestação de um orixá de um yawo, por exemplo? O orixá manifestado em alguém não-feito pode dançar, abraçar e etc, como qualquer outro orixá incorporado?!

        Pergunto essa questão dos olhos abertos porque fui de visitante em um xirê essa semana e vi um orixá que passou a noite inteira com olhos arregalados. Sei que é feio apontar o que acontece na casa alheia, mas achei bem esquisito. Sei lá, os orixás que eu conheço se orientam muito bem de olhos fechados e semi abrem os olhos muito raramente, como o senhor falou. Daí achei bem estranho ver um orixá que não fechou o olho nem por um minuto!

        Mas agradeço os esclarecimentos
        Axé!

  2. Outra coisa… a linhagem familiar dos orixás é tão complexa, né? Sempre me confundo quem é filho de quem, quem casou com quem, quem teve filho com quem…. Será que em algum lugar existe uma “árvore genealógica” dos orixás pra gente poder visualizar as relações de parentesco?!

    1. Maria eu não conheço. Muitos escritores resumem o assunto a Oxala e Yemonjá como pais de todos os orixas. E quando encontramos alguma coisa neste sentido a informação vai variar de acordo com a fonte de onde esta informação foi recolhida. Para falar de Obaluwaye (agosto/olubajé), há um consenso de que Ele é filho d e Nana com Oxalá, certo??? Mas Nana e o próprio Obaluwaye são divindades Fon (Jeje) e Oxalá e Nagô (Ketu), por ai já se nota uma certa mistura entre os assuntos. Para completar tem Yewá, Iroko, Oxumare que muitos dizem que são filho de Nana, mas não há relatos disso. Então eu creio que o melhor é saber como este assunto é tratado no seu Axé. Mas lembrei de um ponto importante, tente estudar um pouco sobre o modelo familiar africano e o modelo europeu, isso vai te dar uma noção melhor de como estas famílias se estruturam na sociedade e assim vc vai ver e entender melhor as diferenças de conceitos do que é família para a nossa religião e para a nossa sociedade, isso faz toda diferença. Axé, Tomeje.

      1. Sabe por que esse assunto me intriga, Tomeje? Existe aquela lei dentro das casas de axé que um marido e mulher não podem ser iniciados pela mesma mão, pra não se tornarem irmãos de sangue, da mesma maneira que um pai carnal não pode por a mão na cabeça do filho.
        Isso tudo soa “cristão” por demais pra mim, rs, e meio ocidentalizado, explico: se todos os orixás são filhos de Oxalá e Yemonjá, como poderiam ter casado entre si? Oyá e Ogum, Oxum e Xango… são irmãos, correto? Se sim, por que um casal não pode ser iniciado por um mesmo babalorixá/ialorixá?
        Isso sempre me intriga.

        Obrigada!
        Axé

        1. Maria isso tem raízes em Casas não tradicionais e que se pautam pelo o sincretismo, não há , motivo algum pra justificar isso, todas as grandes Casas de Axé, tem filhos que são casados e feitos pelas mesmas mãos, isso é balela. A questão dos orixas é umt ando mais complexa por que esse pretenso parentesco não é bem assim, devemos levar em conta que estas histórias foram contadas e recontadas milhares de vezes e foram se modelando ao padrão brasileiro, incorporando elementos de outras crenças etc etc etc. Nem sempre a questão de serem “irmãos” está associado a filiação, entende? É como eu te disse antes vc precisa se desligar do mundo judaico cristão europeu e entender a cultura africana negra e compreenderá muito melhor estas noções de família e ligações amorosas. A começar pelo princípio do castigo e pecado judaico cristão, nós não temos isso. Não é defesa de incesto não ok? mas vc precisa compreender as relações africanas de família. Axé, Tomeje.

          1. Obrigada pelo esclarecimento, Tomeje. Vou tentar aprender um pouco mais sobre a estrutura familiar africana, principalmente a do povo iorubá.

            Axé

  3. Aproveitando os tópicos de Maria, acrescentarei mais alguns, Tomeje. Rsrs.

    03) Orixá de um babalorixá ou de uma iyalorixá gritar com os filhos de santo, repreender para que estes não virem no orixá?

    04) Babalorixá ou iyalorixá que diz que orixá de filho de santo só vem quando ele(a) chamar.

    Que essas questões existem, isso é fato, pois já presenciei. Agora a minha pergunta é: isso é correto, faz parte da religião mesmo ou essas pessoas são umas alucinadas?

    1. MSC, a gente enche muito o saco do Tomeje, né?! Rs.
      Ainda bem que a gente não é filha de santo dele, senão era capaz dele expulsar a gente, de tanta perguntação :p Huahuahuhauha
      Brincadeira. Adoro nossas discussões 😉

    2. MSC… ATÉ MARMOTAGEM DEVERIA TER LIMITE. Tem casas onde quem faz as obrigações é o guia ou o orixa, eu acho errado, isso é dever do sacerdote, não podemos levar colocar na conta da espiritualidade a responsabilidade que é nossa, seja de iniciar alguém, dar bori, ou dar esporro, isso é nossa função de cara limpa. Axé, Tomeje.

  4. kkkkk. Pois é, Maria, você acha que já não pensei nisso? E se fôssemos filhas dele, o que será que aconteceria? Responde, baba Tomeje. Rsrsrsrsrsrsrsrsrs.

  5. Só sei que é muita loucura que vemos por aí, viu, Tomeje. As pessoas têm é que ficar muito atentas quanto a isso para não cairem nessas “pegadinhas”. Axé!

  6. Maria, que bom que o baba Tomeje não nos expulsaria, já estava preocupada. E se ele não expulsaria da Casa de Axé não nos expulsará daqui. Ufa!!! Que alívio. Rsrsrsrsrs. Axé!

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