AS KIZILAS

As chamadas kizilas ou èwòs, são os tabus aos quais os devotos de cada Orixá estão submetidos, devendo respeitá-los e segui-los, como mandamentos éticos e fundamentais do Candomblé.

 

Kizila, é vocábulo de origem kimbundo, utilizada nos Candomblés de Angola (grupo banto). Tal expressão é então sinônima de èwò, esta proveniente do yorubá, razão pela qual é mais dita nos Candomblés de Ketu (grupo nagô). Apesar da diferença de origem, e da prevalência das Casas de Ketu em relação às de Angola no Brasil, a palavra kizila sobrepujou-se a èwò rompendo as barreiras culturais e litúrgicas e hoje, é frequentemente usada em todos os Candomblés, não importando sua origem ou Nação.

 

As kizilas, ou tabus, são interdições de ordem alimentar, de vestuário e comportamentais impingidas pelos Orixás aos seus respectivos oloxás, devendo ser cumpridas pelos devotos que incorporam e pelos que não incorporam.

 

A inobservância das kizilas, quebra a força que o Orixá depositou na pessoa e ainda enfraquece a relação entre o Homem e sua Divindade.

 

Segundo a cultura nagô, èlédá ìnú (guardião do estômago), seria um controlador do que se ingere e das conseqüências ocasionadas.

 

As kizilas são importantes referências do Candomblé, sendo crucial seu conhecimento a fim de que não se incorra em graves falhas ao culto, as quais invariavelmente repercutem no resultado desejado em ebós, sacrifícios, orôs e preceitos em geral.

 

O ato de transgredir as interdições é entendido como afronta ao Orixá, ensejando o transgressor a punições diretamente por parte da divindade (que poderá fazê-lo no campo da saúde, amor, financeiro, etc.), ou poderá ser estabelecida por intermédio do zelador através do Oráculo. Tais punições consistem em multas de reparação que podem significar oferendas, comidas secas, animais para sacrifício, etc.

 

 

As kizilas são explicadas, ou ao menos mencionadas nos itãns dos Orixás, quando são historiadas as suas trajetórias, seus encantos, aventuras e percalços.

 

As kizilas têm origem nas preferências dos Orixás, ou em suas características essênciais,  em seus desagrados, ou até mesmo em suas próprias referências de respeito e consideração.

 

Por exemplo: para Oxalá, Orixá funfun da criação, rejente da ética e da honra, aquele que tem no branco, a única cor de seu uso, o resumo de sua própria essência, é tabu (kizila) que seus sacerdotes, durante os atos litúrgicos, vistam qualquer cor que não seja aquela de sua preferência..

 

Vale mencionar como exemplo novamente Oxalá. O velho Orixá fora encarregado por Olorum para criar o mundo e seus habitantes. Porém, incitado por Exu, embebedou-se de vinho de palma, adormecendo antes da hora, vindo a perder parte de sua oportunidade. Em razão disto, Oxalá tem nas bebidas alcoólicas uma de suas principais kizilas. Nem seu culto, nem seus oloxás devem fazer uso de bebidas alcoólicas.

 

Xangô, irmão de Dadá, filho de Yamassê e de Oraniã, é tão ligado a sua mãe, que por respeito e consideração, segue os mesmos interditos de sua genitora.

 

Ainda Xangô: quando o Obá quis dominou o povo male, cuja religião era muçulmana, foi generoso ao ponto de adotar como interdito o consumo da carne de porco, vedada aos adeptos do Islã.

 

A noção dos alimentos “frios” e “quentes”, tais como manga, carne de porco e abacaxi, que fazem o sangue ficar “quente”, é importante como referência às características dos Orixás e a compreensão de seus interditos.

 

 

Há ainda as kizilas que são comuns a todos os adeptos do Candomblé. Ou seja, a todos os que são “de santo”: peixe de pele (por ser kizila de Yemanjá, dona dos mares, berço da pesca e fonte de alimentação); abóbora (por representar o primeiro ventre  que pariu o primeiro ser, logo, ao comer a abóbora, se estaria comendo o útero da mãe ancestral);  siri/caranguejo (que dilaceraram a carne de Omolu, quando este ainda bebê, fora abandonado por sua mãe Nanã à beira do rio, sendo ali resgatado por Yemanjá, que adotou Omolu e lançou a interdição a todos os Orixás); jaca, por ser fruto da árvore pertencente as Iyámi oxorongá, as feiticeiras da floresta; não comer os miúdos do frango nem as asas, pés ou cabeça (pois são as partes das quais são preparados  os axés ou ixés nos sacrifícios votivos).

 

 

Devemos observar as kizilas que são herdadas em função da familiaridade de Santo, são as chamadas kizilas de axé. As kizilas do zelador (a) de santo, devem ser respeitadas por seus filhos-de-santo, assim como aquelas dos irmãos-de-barco.

 

 

Os ìyàwó, além das kizilas de seu seus respectivos Orixás, devem subm, atender a inúmeras interdições de conduta ao longo de seu resguardo, tais como não tomar banho de mar, não ingerir bebidas alcoólicas, não ir a cemitério, nem acompanhar cortejo fúnebre, etc.

 

Infelizmente não concluímos as pesquisas capazes de revelar a razão de todas as kizilas de cada Orixá. Contudo, aquelas catalogadas, foram devidamente checadas em razão de sua constatação histórica, cultural e litúrgica. Aquelas cujos itãns explicam, são seguidas de breves resumos elucidativos.

 

Márcio de Jagun

Babalorixá, escritor, professor universitário, advogado e apresentador do Programa Ori (ori@ori.net.br)

 

 

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