Longo caminho do aprendizado no Candomblé.
Há muito tempo me questiono sobre a forma como são educados os iniciados da nossa religião, já falei disso em outra oportunidade, mas agora, tenho dedicado mais tempo a desvendar os mecanismos do aprendizado e da apreensão das informações. Sem querer me passar por Antropólogo ou historiador, somente um membro com questões e dúvidas a esse respeito.
O processo de aprendizado em uma Casa de Orixá, para mim, é uma troca constante e sempre em duas vias, aprende-se com os mais velhos e com os mais novos. Com os mais velhos da religião se aprende hierarquia, respeito e o modelo de funcionamento da Casa, com suas quizilas e macetes. Com os mais novos se aprende e se relembra da inquietação dos tempos de noviço quando queríamos aprender tudo ao mesmo tempo e agora. E vejo como saudável esta busca, por que foi esta inquietação que nos trouxe até este blog, uns para buscar ajuda ou informação e outros para repassar o que dispomos das informações.
Ao longo dos anos de aprendizado e observação se percebe que o tempo é o senhor do saber numa Casa de Orixá, ele é que determina quando uma pessoa está apta a conhecer ou, a saber, alguma coisa. Numa Casa de Orixá não se antecipa o aprendizado, mas deve-se estimulá-lo, não se antecipam as obrigações, nem mesmo uma cantiga ou uma reza pode ser antecipada em sua ordem de entrada na xire, elas têm seu tempo e hora para serem colocadas, tudo em seu tempo certo. Importante ressaltar que o “tempo certo” não pode servir de escudo para o não aprendizado e sonegação de informações. Neste aprendizado troca-se informação por sorriso, informação por ajuda no lavar dos pratos, informação por depenar galinha, informação por lavar as quartinhas, informação por informação.
Os mais velhos quase sempre escolhem ou apadrinham aqueles eleitos a quem vão dar a informação detalhada, o fundamento, o segredo. Porém sempre fazendo absoluta questão de dizer (por palavras e gestos) que não ensinam e não sabem nada para ensinar. Muitas são as decepções dos mais velhos que investem seus esforços em ensinar e muitas vezes não são recompensados com o desejo tão intenso do mais novo em aprender quanto o do mais velho em ensinar.
Os mais jovens normalmente escolhem aqueles mais velhos a quem irão pedir auxílio, é uma troca entre o saber ouvir, o saber falar e saber calar. Os mais novos as vezes se decepcionam com os mais velhos quando não conseguem a informação desejada no momento desejado. É o tempo cumprindo sua função.
Coió (bronca) deveria ocupar um capítulo a parte nas Casas de Orixá, em tudo e por tudo há um coió, as vezes engraçados, as vezes constrangedores, mas mesmo nos coiós há informação.
O coió pode ser: Explicativo, (“já te falei que só se corta os bichos pelas juntas, nunca se corta o osso, não falei?”). Inclusivo (“por que você não usa roupa estampada? Você já é velho bastante para isso, então use ta?”). Exclusivo (por que você está usando roupa estampada? Você ainda é muito novo para isso). E outros.
O aprendizado é longo e cheio de regras, não se aprende tudo em único dia, em único Bori, o conhecimento vem com a repetição dos gestos, das cantigas, dos rituais, das danças, aprender é um eterno fazer, refazer, ordenar e reordenar os pensamentos e os conceitos predeterminados. Para aprender sobre o que não se vê, e Orixá não se vê, sobre o sentimento, sobre emoções, deve-se estar aberto ao inesperado, ao novo e até ao contraditório.
Aprender numa Casa de Orixá é diferente de uma escola convencional, não há cartilha, nem quadro negro, muito menos professores. Mas há a cozinha…, o melhor lugar para dar e receber informação, lugar sagrado de se falar baixo e pouco, sobre o estritamente necessário. É na cozinha que se aprende de fato. É na sala que se confirma o que foi aprendido.
Aprender numa Casa de Orixá é essencialmente observar, quando ainda Abian (novato), por permanecer muito tempo abaixado, a visão é de uma criança por entre pernas e saias, neste período há pouca informação, pouco conhecimento e poucas e raras responsabilidades. Quando Iaô, o ângulo de visão melhora e as informações têm mais conteúdo, principalmente os “coiós” e as responsabilidades lhes são atribuídas aos poucos. Quando Ebamis, as informações que foram recebidas e assimiladas ao longo dos sete anos que o separavam dos “segredos guardados” serão cobradas e exercitadas plenamente, o iniciado já está apto e pronto para…. informação e “coió”.
Parece-me que a informação anda junto com “coió”, um depende do outro é uma relação de amor.
Muitos querem saber hoje o que só poderão saber amanhã, eles buscam de Casa em Casa, vão a todas, mas não se fixam em nenhuma e como costumamos falar eles “catam” a informação desejada, mas o aprendizado fica prejudicado, no Candomblé o que vale é o modo como se faz ou se fez na sua Casa na sua raiz e no seu Axé, foi assim que fomos ensinados. Informação extra Casa deve ser comedida e de fonte segura.
O aprendizado no Candomblé se faz da seguinte forma: Mais ouvir que falar, mais fazer que perguntar.
Um detalhe. A iniciação por si só não garante acesso a todas as informações no Candomblé. De fato, podemos dizer que as formas de aprendizagem nessa religião são váriadas e complementares. Mas o cumprimento das obrigações “de ano” no tempo devido é que podem credenciar o iniciado ao saber mais profundo. Mas, enquanto algumas das assimilações de conhecimento podem ser substituídas, a hierarquia e tempo de santo, o convívio com a Casa e a observação ainda são imprescindíveis para se aprender candomblé.
Uma Casa de Orixá está sempre em movimento, sempre ativa, sempre viva, portanto sempre disponível aos que desejam aprender, tanto a colher as folhas no local e horário correto, quanto a depenar e retirar os Axés, ou simplesmente o modo correto de acender ou apagar o fogo de lenha ou a usar roupa branca ou estampa adequada ao seu Orixá ou ao evento do dia. Em uma Casa de Orixá há sempre necessidade da colaboração de todos, da participação de todos, de todos e qualquer um.
O aprendizado se dá na mesma velocidade com que você percebe que seus atos e palavras interferem, colaboram ou não para fortalecer a comunidade, vem com o tempo de iniciação? Sim vem, mas também com as boas amizades e com as trocas de bênçãos.
Aprendizado no candomblé vem com o tempo…e humildade.
Tomeje do Ogum.
Hello.This article was extremely interesting, especially because I was investigating for thoughts on this matter last week.
Gostei muito deste texto sobre aprendizado e concordo plenamente na falta de informação dentro do Candomble. Creio que isso seja uma forma de enfraquecer a popularidade desta tão rica religião. Acredito que a guarda da informação esta com a falta de conhecimento concreto do Pai ou Mãe da casa ou por medo de perder o espaço de hierarquia de lider da casa por querer tratar este assunto como concorrente e não como um divulgador da religião.
Como saber se o que é passado na casa de Candonblé é o correto? Sou curioso e gosto do sentido do que estou realizando, não por falta de fé ou descrença, mais sim por amor aos orixás e qurer ser um fiel representante ou sacerdote do que me rege.
Resumindo, como aprender o candomblé com fonte de informação concreta e fiel fora da prática do terreiro?
Axé, Xangô Baru – JF
Xangô Baru-JF seja bem vindo ao blog. Este e diversos outros textos aqui publicados tem mesmo a expectativa de desmistificar os saberes da nossa religião, lógico que nas devidas medidas do que pode ser dito por este veiculo. Penso que a melhor forma de vc saber se aquilo que está sendo ensinado numa determinada Casa de Axé, é comparar com aquilo que é feito na Casa matriz, ou seja, na Casa do pai ou mãe de santo da pessoa que está te ensinando (seu zelador).
É justamente aí que reside o problema do candomblé, a maioria não tem uma linhagem, uma filiação, uma raíz onde possam ir buscar informações, a maioria abre Casa e não deveriam jamais abrir casa. Não basta falar que é filho de fulano de tal da Casa tal, é preciso saber a que raíz pertence aquele Axé, é preciso saber sua origem, entende? A maioria não tem fundamento e base religiosa suficiente para ensinar e liderar uma casa de axé, mas ainda assim abrem casa.
Quando vc está numa Casa que se orgulha de sua raíz, seja a raíz qual for, opo afonjá, gantuá, oxumare, bate folha, casa branca e tantas outras, este orgulho se refletira no desejo incondiconal do zelador de fazer exatamente aquilo que foi ensinado na Matriz e ensinar fielmente aquilo que ele aprendeu na matriz. Quando vc perguntar a um zelador qual a sua raíz e a resposta sair torta (do tipo: Sou filho de fulano e basta), isso é mau sinal.
Portanto, acredito que o correto é aquilo que se faz na sua casa, desde que a sua casa tenha raíz firme e clara nas matrizes de nossa religião. Não se aprende candomblé fora do terreiro, vc pode no máximo estudar questões específicas da religiosidade, mas candomblé de verdade se aprende na cozinha do terreiro, dentro do terreiro sempre. espero ter te ajudado. Axé, Tomeje.
Oi, Tomege. Tudo bem?
Te achei…
Eu sou leitor ávido do Blog da Manuela e lendo um dos posts, vi que vc tinha vindo para cá, e agora estou “devorando” as tuas informações, pois gostava muito do que vc lá escrevia.
Eu sou da Umbanda, e a levo em meu coração. Frequento eventualmente alguns Candomblés como visitante, pois sou grande amigo de alguns pais-de-santo. Acho muito interessante.
O fato de eu “vir” aqui e “ir” lá na Manuela & Cia. é porque acho que vcs tratam de todos os assuntos com a maior seriedade e respeito, e com uma clareza fundamental. Acho que muito dos assuntos compartilhados também se aplicam à Umbanda. Obviamente que não em termos de ritualística, mas de doutrina, de conhecimento, no que toca os Orixás lá cultuados, sua culinária e sua força.
Gostei muito do artigo, pois acho que o processo do aprendizado é exatamente como vc descreve. Em muitos casos, é muito difícil arrancar alguma informação, por mais sedento por ela e responsável que se seja. Mas entendo, e hoje acho o processo fundamental, até para se preservar os segredos e a seriedade da religião.
Passei por pelo menos sete casas. Na grande maioria, as mães e pai-de-santo (só tive um) não costumavam dividir muito o conhecimento. Mas com as “trocas” citadas por vc, acabei chegando um pouco mais lá… Concordo em parte com o Baru, no sentido de que algumas pessoas o fazem por medo de ter outras pessoas com conhecimento. Mas temos que perder o medo e criar pessoas com “educação de causa” e acima de tudo, responsabilidade. Dessa forma, ir limando o mal e as emoções negativas da nossa personalidade.
Eu “falo” pelos cotovelos, mas queria na verdade só dizer que o que vc e a Manuela fazem, na verdade, é uma tamanha caridade para todos nós, porque gera uma troca de informações importantes e corretas dentro da vida de santo, o que corrige muita gente, quebra vários tabus, ilumina e educa. Por favor, não deixe nunca de fazê-lo, embora muita gente não entenda de verdade qual é o verdadeiro objetivo de vcs e encham o site de posts querendo saber quem sao os Orixás de cabeça deles, se vocês podem fazer ou desfazer trabalhos online, além do povo que vem só para provocar ou tentar ofender. Obrigado por persistir…
Muito obrigado pelo teu trabalho e esforço, e que teu Pai Ogum te cubra sempre de muita luz e sabedoria.
Grande abraço! E muito axé!
Johnny, seja bem-vindo. Que bom que você está gostando do blog. Fazemos o melhor que podemos, e agradecemos a você pelas palavras e incentivo. Volte sempre. Axé, Cátia.
Johnny, não tem muito tempo que eu discutia com alguém sobre pessoas que deveriam cuidar dos mais novos, mas que fogem da sua responsabilidade se escondendo em tradições e dogmas. Essas pessoas se esquecem que um dia foram abians e que, num determinado momento, se tornaram egbamis, e isto lhes deu a obrigação de cuidar da religião e dos mais novos. Como você viu, é possível falar de religião na internet, ajudar os outros, manter o segredo, não tocar em assuntos restritos, deixando cada coisa em seu lugar. Porém, dando as informações necessárias, faz com que as pessoas pensem. Só lamento que um grupo tão reduzido de pessoas na nossa religião tenham essa mesma sede de conhecimento que você tem. Grande axé, muito obrigado e que o seu Orixá lhe proteja sempre. Tomeje.
olá…boa tarde, venho seguindo os trabalhos da umbanda a mais de 30 anos e nesse seguimento, de muitas idas e vindas em diversas casa “aprendendo” sem muitos conhecimentos algumas praticas de candomble que ate hoje ando querendo saber os por que e seus ensinamentos mais esclarecidos …ñ obtendo excito ate então …enfim…sou uma dirigente espiritual desde de fevereiro de 2016 e querendo estar sempre a procura de conhecimentos com explicações para assim estar passando para quem acredita em meus trabalhos …pois sempre acreditei que o que se passa,o que se pratica , tem que ser com conhecimento e não com achismo.
Gostaria muito de PODER CONTAR COM SUA COLABORAÇÃO PARA QUE EU POSSA EXECUTAR MINHAS TAREFAS DA ESPIRITUALIDADE COM MAIS CONHECIMENTO …SENDO ASSIM…. SE VC PODER ME AJUDAR ..SEREI MUITO GRATA ….Q. MEU PAI OGUM E MINHA OXUM LHE ABENCÕE NESSA SUA MISSÃO E NA MINHA E JUNTOS NA DE TODOS Q. A MIM CONFIAR.AXÉ.
Aparecida, seja bem vinda. Como diz meu Pai Marcio de jagun: “Candomblé e umbanda são dois irmãos que caminham lado a lado, mas sem confundirem seus caminhos”. Ou seja, ou se faz bem uma coisa ou outra. Meu sincero conselho é que vc siga estritamente que vc aprendeu na umbanda ao longo deste tempo que vc vivenciou. Não se deixe contaminar pelo modismo de colocar na umbanda aquilo que não pertence a umbanda.
Este sábado eu fui numa umbanda tradicional, séria, comprometida, familiar e fiquei impressionado com todo que vi, principalmente com o orgulho que eles tem em seguir uma raíz, no caso, a matriz deles é o templo de Tujupiara. Fiquei realmente emocionado com isso. Acho que se vc abriu sua Casa é porque alguém te permitiu isso e te ensinou os caminhos, então, sinceramente e respeitosamente minha mãe (babá de umbanda), siga o seu caminho sem misturas. Quem precisar de seus ensinamentos vão te procurar. Posso te indicar algumas Casas de umbanda aqui no RJ que podem te auxiliar muito. Te interessa? Asé e felicidades. Tomeje.