A intolerância religiosa contra o Candomblé.

yawo

 

A intolerância religiosa contra o Candomblé gera um turbilhão de pensamentos e de questionamentos porque envolve assuntos que não são explicitamente apresentados quando um ato de intolerância é praticado contra algum membro da religião ou alguma Casa de Asè.

Se pararmos para fazer uma viagem no tempo, voltando ao período em que os escravos africanos chegavam ao Brasil e compararmos com a atualidade, veremos que esses atos bárbaros praticados não são exclusivamente contra a prática da crença, mas sim por um preconceito que ainda está arraigado na mente de muitos que querem banir a qualquer custo tudo o que diz respeito ao negro, especialmente a religião de matriz africana, pois através dela ele tem a oportunidade de se afirmar nesta sociedade que de forma implícita ainda mantém o legado da burguesia colonizadora.

Difícil é ver ou ler reportagens publicadas que tratam sobre esses atos de violência e relacioná-los apenas como um descontentamento particular de um indivíduo ou de um grupo específico por discordar do culto do Candomblé. O que se enxerga nessas atitudes negativas são pessoas alienadas por uma ignorância desmedida e, de certa forma, protegidas por um país que na sua Carta Magna (Constituição Federal) se intitula laico, mas que abre precedentes para a intolerância quando não faz cumprir com veemência as leis que existem para punir tais atitudes. Vejamos o que diz o art. 5º, inciso VI, da Constituição Federal:

Art. 5º: Omissis.

VI: é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

Sendo assim, a punição contra essa discriminação é muito importante porque será por meio dela que haverá a inibição de muitos que pensem em praticar ações desse tipo. E falando especificamente sobre punição, a Lei nº 7.716, de 5 de Janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, deixa bem claro no seu art. 1º, parágrafo único, os crimes que serão punidos e qual a pena a ser aplicada:

Art. 1º – Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Parágrafo único: Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, obstar a promoção funcional.

Pena: reclusão de dois a cinco anos.

No entanto, apesar da existência dessas leis que protegem a liberdade religiosa, não podemos esquecer-nos de outro motivo que influencia negativamente em toda a história do Candomblé, que são os candomblecistas que não lutam pelos seus direitos de cidadãos e de religiosos. Isso só reforça a intolerância e o preconceito existentes. Não adianta uma minoria lutar para que haja mudanças se a maioria cruzar os braços. Essa luta tem que ser de todos, sejam eles simpatizantes ou membros ativos da religião, pois só assim conseguiremos fortalecer o que já foi conquistado positivamente até os dias atuais, e por meio de ações combativas minimizaremos os efeitos negativos surgidos há séculos e que ainda perduram na nossa sociedade.

É inadmissível que ainda hoje num país como o Brasil, onde existe tanta diversidade de crenças haja muita discriminação relacionada a uma determinada religião. É preciso que o povo do Candomblé, especificamente, faça uma reflexão sobre as suas atitudes perante a sociedade e que conheça e exija das autoridades competentes o cumprimento das leis que protegem o direito a essa liberdade religiosa, e porque também não é mais possível que se aceite uma situação de intolerância simplesmente pelo fato do desconhecimento de tais leis e o que elas representam para a comunidade candomblecista. Conhecer e se informar é de fundamental importância para termos um futuro cada vez mais promissor para a prática das crenças de forma que seus direitos e deveres sejam vistos de maneira igualitária para todas.

Cátia Silva

08 de Julho de 2014

Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988.

BRASIL. Lei nº 7.716, de 5 de Janeiro de 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Congresso Nacional.

13 comentários

Pular para o formulário de comentário

    • MSC em 24 de julho de 2014 às 14:35
    • Responder

    Tomeje, vi recentemente o comentário de um professor expondo uma questão ligada diretamente a ele e a um aluno. O professor dizia que esse aluno precisa se afastar da escola por questões religiosas, que terá que passar 3 meses afastado da escola, mas que alguns colegas de profissão têm rejeitado esse processo de condução. O sr. já viu alguma situação parecida? Isso é intolerância religiosa, certo?

    1. MSC há pouco tempo, cerca de 10 meses uma das Yawos da Casa do meu Pai sofreu com isso, a escola foi intolerante, justamente o local de formação da cidadania. Sim isso é intolerância religiosa sim, nenhum estabelecimento público ou privado pode impor a ninguém esta regra, isso não existe. É por isso que lutamos diariamente para politizar nosso povo. Pelo menos aqui no RJ, os cargos públicos de gerencia, coordenação e secretários estaduais e direção de colégios estão sendo distribuídos para partidos ligados a setor radicais evangélicos e isso é terrível por que eles querem acabar com qualquer traço de cultura que não seja a religião deles. Nos podemos falar em cultura, ms eles não tem uma cultura própria para falar e assim atacam a dos outros. O sangue já deu lugar ao dendê fervendo rsrsrsrsrsrs

    • MSC em 24 de julho de 2014 às 17:43
    • Responder

    É triste essa situação. E onde o cidadão deveria encontrar amparo, que é a escola, uma das primeiras instituições a que o mesmo tem acesso, age dessa forma. Lamentável. E o que fazer nessas horas, Tomeje? Será que se basear na Lei nº 7.716, de 5 de Janeiro de 1989 ou em outra que faça referências a intolerância, etc, e ir a algum órgão público e relatar o fato surte efeito? O sr. sabe me dizer? Sim, e como não vir o dendê? Rsrs

    1. MSC, esqueci de comentar um outro caso que tivemos também numa escola aqui no RJ. Neste caso nós agimos em conjunto com a ANMA e a CCIR (comissão de combate a intolerância religiosa), foi feito um boletim e tudo mais, até agora nada aconteceu porque o caso não foi registrado como intolerância e sim como injúria. O caso é muito mais complexo MSC, e não estou numa paranoia de teoria da conspiração não, mas essas pessoas sabem como agir e como se defender de futuros processos e além disso eles tem respaldo político. Só a título de informação. Desde aquela tragédia no RS na Boate Kiss, existem comissões parlamentares querendo “ordenar” o uso de espaços públicos e privados com grandes aglomerações, como o caso de clubes, galpões e outros lugares que são adaptados para servir de igrejas, isso é fato e todos sabem disso, que estes lugares em geral não tem condições de abrigar tantas pessoas, mas até hoje o assunto não entrou na pauta porque a bancada evangélica faz barreira, afinal, os mais prejudicados são eles, né? Então se um caso deste porte não merece o olhar atento da justiça, imagina alguém ser agredido em seus direitos de exercer sua religiosidade afro?????? Igrejas católicas tem sido alvo de vândalos evangélicos e nada tem sido feito. precisamos urgentemente ter representantes políticos de verdade que nos ajudem e precisamos sair de invisibilidade política e partir para ação política. Axé, Tomeje.

    • MSC em 24 de julho de 2014 às 21:13
    • Responder

    O sr. tem razão, a questão da intolerância religiosa é muito mais complexa do que imaginamos, que envolve política, interesses particulares e tantos outros, e que se não tivermos representantes políticos engajados na nossa luta dificilmente conseguiremos abater esse sofrimento por que passamos sozinhos e que, infelizmente, a justiça que deveria fazer o seu papel de forma imparcial nem sempre age assim, pois não punir esses atos de intolerância/violência a faz ser omissa e, consequentemente, permissiva quanto a esses atos lamentáveis. Asè!

    • Maria em 25 de julho de 2014 às 08:58
    • Responder

    Motumbá a todos vocês,

    Sem querer ser intrometida, rs, indico uma boa leitura a respeito do tema intolerância nas escolas: “Educação nos terreiros e como a escola se relaciona com a criança do candomblé”, da Stella Guedes Caputo. É ótimo!

    Axé

    • MSC em 25 de julho de 2014 às 12:06
    • Responder

    Boa tarde, Maria.

    Não tem essa de intromissão não, a ideia das discussões é essa mesma, trocarmos informações. Obrigada pela indicação. Asè

    1. MSC e Maria obrigado pela interação. O mais incrível deste livro é que a Sec de Educação do RJ não aprovou a distribuição deste livro nas escolas públicas. A maior coincidência é que a Secretária de Educação foi indicada pelo partido PR que é o braço político da universal, e ela é evangélica ferrenha. Coincidências né??? Tomeje.

    • Maria em 25 de julho de 2014 às 16:01
    • Responder

    Segue outra leitura interessante: http://cdn.geledes.org.br/wp-content/uploads/2014/06/Mapa_da_intolerancia_religiosa.pdf

    1. Maria muito obrigado pelo material. Eu conheço o trabalho do Marcio já faz algum tempo, nós tivemos o prazer de entrevistá-lo no pgm Ori de rádio. Uma pessoa muito bem articulada e muito bem relacionada e que escreve o que o povo precisa ouvir, sem melindres. Gosto muito dele. Vou pedir autorização dele para publicar alguns trechos deste trabalho que eu não conhecia ainda. Ms se vc puder me ajudar nisso eu ficarei grato, é que estou com muitos outros assuntos e talvez demore o meu contato com ele, por isso peço sua ajuda, e pode falar em meu nome se quiser. Axé, grato pelo interesse. Tomeje.

        • Maria em 28 de julho de 2014 às 14:37
        • Responder

        Obrigada pela oferta, Tomeje!
        Vamos conversando e o senhor me diz o que tem em mente e a gente trabalha nisso, ok?!
        Axé

        1. Maria eu preciso de ajuda para pesquisar textos interessantes que possamos publicar no blog, esse por exemplo é fantástico e precisa ser mais divulgado, por isso, se vc puder faça o contato e peça a ele autorização pra publicarmos. Eu vou tentar o prof José Beniste também, para publicar o texto dele e ver se ele tem mais alguma coisa para publicar. Axé, Tomeje.

    • MCS em 25 de julho de 2014 às 21:41
    • Responder

    É mesmo, Tomeje? Quantas “coincidências”. Que tristeza.

Deixe um comentário

Seu e-mail não será publicado.

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

error

Enjoy this blog? Please spread the word :)