A RAZÃO DA ESMOLA

A RAZÃO DA ESMOLA

 

Sàráà – esmola; óbulo; doação; donativo; caridade

O povo nagô/yorubá cultua Xapanã, ou Omolu, sincretizado com São Lázaro.

Xapanã era um príncipe muito rico da cidade de Nupê, onde vivia sem qualquer responsabilidade.

Certa vez Xapanã foi alertado pelo adivinho da comunidade para que mudasse seus hábitos, senão seu comportamento traria graves consequências para ele e para seu povo. Mas Xapanã desdenhou do que disse o profeta e continuou sua vida como antes.

No dia seguinte logo cedo, Xapanã iniciou viagem em busca de novas aventuras.

Após alguns dias de cavalgada, Xapanã entrou em uma estalagem e pagou comida e bebida para todos os presentes, inclusive um grupo de baderneiros. Na alta madrugada, seguiu os arruaceiros a uma casa de prostituição, onde encantou-se por uma das mulheres com quem dormiu, sem imaginar que seria ela portadora de grave moléstia de incubação.

Na manhã seguinte, Xapanã acordou ao pé de uma grande árvore. Notou que haviam sido roubadas suas roupas, pertences e todo o dinheiro que carregava consigo.

Conseguiu retornar a sua cidade, sem contudo revelar a ninguém o que ocorrera.

Uma semana após o ocorrido, Xapanã começou a apresentar febre alta e seu corpo cobriu-se de pústulas. Xapanã estava com varíola! Era a pior e mais grave doença da época! Não havia cura possível e seu contágio poderia trazer morte e desgraça para toda a população local!

Xapanã foi então expulso da cidade. Vagou por vários dias. A doença se agravou e fez com que ninguém se aproximasse dele. De suas feridas exalava um odor ruim e suas vestes apodreceram. A partir daí, passou a cobrir seu corpo com palhas desfiadas.

Ninguém ousava se aproximar do doente, somente os cães que lhe lambiam as feridas.

Caminhou sem destino, vivendo de esmolas. Por graça de Olorun, o deus maior, chegou a cidade de Irawô, onde vivia seu irmão Ossãe, o grande médico, conhecedor do segredo de todas as folhas. 

Ossãe então deu água e comida ao irmão que já estava muito fraco, começando imediatamente seu tratamento para livrar Xapanã da morte iminente.

Xapanã ficou desacordado por vários dias. Quando finalmente acordou, arrependido dos malfeitos em sua vida e agradecido por ter sobrevivido, resolveu que iria peregrinar pelo mundo, sem revelar sua identidade, apenas dedicando-se a curar os enfermos que encontrasse pela frente.

Ossãe então lhe ensinou todos os mistérios das folhas e preparou Xapanã em sua nova missão.

Anos após, Xapanã iniciou sua jornada. Ficou conhecido por toda a África pelas curas que realizava.

Certo dia foi procurado por um emissário de Nupê, sua terra natal. O jovem mensageiro não reconheceu o príncipe, devido às deformidades que a doença causara a Xapanã. Este, quando soube que sua cidade estava também infestada pela varíola, sentiu-se envergonhado, culpado e triste. Temeu ser reconhecido, mas sua vontade de acabar com a dor de seu povo foi mais forte. Assim, Xapanã decidiu atender ao pedido e partiu para Nupê.

Chegando em sua terra, Xapanã manteve-se envolto nas palhas e dissimulou a voz, para não ser reconhecido.

Durante meses, virou dias e noites sem comer, ou dormir, dedicando-se a curar todos os enfermos. Seu esforço foi recompensado, pois conseguiu salvar muitas vidas. O povo lhe agradecia emocionado.

Quando todos os doentes estavam curados, Xapanã recolheu suas coisas e preparou-se para partir. Neste momento, foi abordado por um soldado que lhe disse que Nanã, a rainha de Nupê, queria falar-lhe pessoalmente, para agradecer o que fizera por seus súditos.

Xapanã tremeu num misto de medo, alegria e apreensão. Mas a escolta do soldado não lhe permitiu outra alternativa, senão seguir em direção ao palácio real.

Quando se viu diante da rainha, que era sua mãe, Xapanã paralisou-se. Abaixou a cabeça, balbuciou respostas disfarçando a voz para não ser reconhecido.

Mas a rainha não se conteve. Levantou-se de seu trono e dirigiu-se a Xapanã para abraçar o médico que tanto se dedicara a salvar seu povo da varíola.

Num gesto materno, a rainha afastou as palhas do rosto de Xapanã para beijá-lo carinhosamente. Neste momento, num susto, reconheceu o rosto de seu filho, apesar do peso dos anos e das marcas da moléstia.

Nanã chorou copiosamente abraçando o filho, que foi tomado pela mesma emoção.

Assim que se recompôs, Nanã mandou que providenciassem os aposentos do príncipe, assim como uma grande festa e roupas novas enfeitadas com pérolas.

O banquete foi servido a todos pelo próprio príncipe Xapanã, que humildemente quis reverenciar seu povo.

Apesar do acolhimento de todos, Xapanã, o príncipe de Nupê, decidiu continuar sua missão pelo mundo, curando os enfermos e estendendo a mão aos necessitados.

A esmola que realizamos no mês de agosto, quando são feitas as tradicionais homenagens a Omolu/Xapanã, reproduzem a saga do Orixá da Cura. O príncipe que abriu mão do seu palácio para ajudar os doentes e necessitados.

Manter as nossas tradições, é manter viva a nossa história, é garantir a sobrevivência da nossa religiosidade. E entender a razão dos nossos rituais, fortalece nossa fé e põe fim ao preconceito.

ATÓTÓO! (Silêncio em respeito a Omolu!)

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Rio, 18/7/12

Márcio de Jagun

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