A tristeza de Yemoja

A Tristeza de Yemoja

Sentada em uma pedra na beira da praia ela foi dizendo, e entre as palavras ela ia chorando… Um dia eu fui grande, mas hoje eu já nem tenho certeza. Do outro lado do mar ainda sou Rainha, mas aqui eu não sei quem sou. Aqui me tratam muito sem jeito e às vezes me faltam até  com respeito e me botam até pra limpar galinha. Até faxina eu ando fazendo, coisa que antes eu jamais fazia. Vestem-me toda empoleirada com uma saia volumosa e cheia de nada, e dizem: “Agora, assim, ela ficou bonita”. Saia de baiana e pano engomado. Mas eu me vejo é fantasiada. Ora, eu nunca fui desse jeito, mas o meu jeito pra eles não vale nada. Eu era feliz até pelada, kas agora sem um pano caro eu já não sou nada. Antigamente logo eu nascia. Se não tinha muito bicho o pouco eu comia e muito feliz eu não reclamava, eu sabia que minhas filhas eram necessitadas, e o pouco que me davam muito me valia, pois o esforço delas era o que eu sentia. Mas hoje me botaram foi um preço tabelado. Como menos de cinco mil  dizem que eu não nasço e um monte de bicho dizem que é meu fundamento, e só agora eu fiquei sabendo que exigem coisas que eu nem queria. E quando chega minha filha toda inocente, eles dizem: “Abian dê o seu dinheiro para Yemoja”. E minha filha que juntou seu salário dá tudo que tinha e fica sem nada, achando que ali era eu quem cobrava. Mal sabe ela que com menos da metade do valor eu já nascia, e aquele dinheirinho suado que ela muito trabalhou pra ganhar vai no bolso daqueles homens que dizem que são pai do Orisa… Sacerdote de Orisa eu conheço muito poucos , mas tem uma multidão aí que bate tambor e diz que é pra me cultuar, mas eu sei bem o coração malvado deles, e nem meus pés eu boto lá, e eles vestidos com muito brilho ficam fingindo me incorporar… Ô, meus filhos, eu estou muito chateada, às vezes me vejo até humilhada quando chega uma pessoa toda doentinha e eu sei que se eu for feita na cabeça dela, eu boto Axé e deixo ela boa, mas a minha virtude para ela é negada porque não tinha cinco mil pra pagar a sua entrada. Ali eu só valho muito na hora do dinheiro, mas depois dali eu já não valho nada. E meus filhos que já têm a vida dura, ficam sem ter a cabeça feita, quando era pra eles que eu queria me dar e não pra essa gente que me usa ao invés de me amar. Eu sou a deusa de toda essa água, e uns que dizem que são meus filhos, mas chegam, cospem na minha cara, pois no mar eles levam coisas todas cheias de veneno e dizem que é presente pra mim, mas o grande Deus me chamou de Yeye Omo Eja, eu sou a Mãe dos peixes e estes presentes que esse povo  Joga no mar é cheio de coisa de plástico que só fazem os meus peixes morrerem. O povo ali na beira da praia, todos juntos dizem que a festa é minha, mas minha casa fica cada vez mais emporcalhada, e esse povo que diz que me adora, pra mim nem liga, destroem o que é meu e cada dia só piora. Até boneca de borracha jogaram aqui agora. E meu mar se vai escurecendo E tem praia que minhas águas ficam até fedendo depois destas festas que dizem ser em minha homenagem. Quando antes não era assim que se fazia, meus filhos faziam comida em bacia de barro e traziam pente de madeira e leque de palha e jogavam tudo aqui no mar. Coisa que eu gostava pra danar porque meus peixinhos festa faziam com a comida que aqui chegava, e o prato de barro e as coisas de madeira, a minha água derretia e lá na praia, em forma de areia, tudo eu devolvia, e minha casa ficava organizada. Era sinal que meus filhos me amavam, mas hoje eu realmente não sei de mais nada. E eu que nasci falando Nagô, agora dizem que eu sou de Angola e que nos Fon também tô espalhada. Mas as Mametu Nkisi eu já conhecia, são muito boas, mas eu nunca fui delas. As Vodun eu também convivia, mas não sou dessas tribos. Eu sou só das minhas, eu sou Nagô. Mas sou só um Orisa e parece que minha história já não interessa. Mas eu peço ao Deus maior que esse povo se lembre que eu sou preta e nunca fui branquinha, e meu cabelo crespo era bem trançado, pois nunca tive cabelo alisado, e minha raça muito me orgulha. Nunca neguei uma cabeça por causa de cor de pele. Pra mim todos eram filhos de minhas águas. Sou africana e das bem escuras, mas minha cor de mulher preta constantemente vem sendo negada, e eles dizem que isso é cultura, mas essa cultura muito me magoa. Eu não queria ser assim tratada. E me desculpem pelo desabafo, é que atualmente eu estou muito machucada… E rezo com o coração em chagas  que Orunmilá levante gente honesta e preocupada pra levar meu nome e da minha família. Os Orisa são muitos, mais de seiscentos, e cada um possui seu talento. Não é pra ficarem todos esquecidos e nem terem os seus nomes trocados. Eu ainda aqui firme resisto por amor aos poucos que são meus filhos de verdade, pis por eles eu faria de um tudo. Sou leal a quem me deu lealdade. E agora vou me despedindo  que já tem gente ali me chamando. E meus filhos eu vou acolhendo, a cada um deles vou amando. Só peço que cada um de vocês jamais se esqueça que eu sou um pedaço de natureza e retornem às suas raízes. Eu estarei de braços abertos aguardando…

 

 

Texto retirado da página “Nossos Orishas”, administrada por Felipe Caprini.

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