Outro dia minha amiga pediu pra que eu a acompanhasse até o supermercado. Eu estava no meu período de preceito e nessa hora eu percebi que ela não tem a menor ideia de como é ser um yawo. Sim, ela sabe que eu sou de candomblé, mas não sabe o que isso implica. Então resolvi dar uma explicadinha sobre como é a vida de um yawo de preceito.

Quando eu tinha que ir a algum lugar, tinha que raciocinar como seria a minha passagem por lá. Sem poder sentar, teria que ficar horas em pé. Não dá pra andar com uma zan o tempo inteiro nas costas. Pra beber água, quando estava com sorte, a caneca estava na bolsa, senão, outro perrengue. Talheres (ou a falta deles), restrições alimentares, paó, rezas com horário marcado..

Em vários lugares, a sensação era de que eu não era bem-vinda lá, mesmo não implicando em nenhuma diferença no meu caráter ou na minha personalidade: as pessoas sentiram falta do meu cabelo. Sentiram falta da Hanna divertida que bebia com a galera nas festinhas. Sentiram falta das minhas roupas coloridas. Eu me senti sozinha em algumas horas.

E se dentro do ônibus alguém resolvia puxar papo comigo: porque, mesmo vazio, eu estava em pé? Sempre aquele olhar panorâmico, pra ter certeza de que aquela criatura não ia bater com uma bíblia na minha cabeça.

A cada saída da minha casa, precisava avaliar se valia o esforço de andar em público sozinha, porque provavelmente escutaria algum desaforo. Se eu tropeçasse, alguém ia passar por mim e sussurrar “ih, tá pegando o santo”. Já ouvi isso mais de uma vez. Se o ônibus estiver cheio e você resolver parar do lado de um cristão, ele pode me segurar pelo braço e dizer “Jesus te ama!” ou simplesmente levantar e sair de perto de você resmungando algo como ‘Deus me livre’. Acontece mais do que você imagina.

Eu poderia continuar, mas acho que está ficando triste, e essa não era a minha intenção. Eu não sou triste. Eu amo a minha religião. O meu santo. Me amo com todos os meus fios, meus contra-eguns, meu shaorô e minha umbigueira. Amo os meus panos de cabeça e minhas roupas brancas. Mesmo que um yawo seja o ganhador do Premio Nobel da Autoconfiança, isso vai continuar acontecendo.

“Ah, mas se vc sabia que seria difícil pq decidiu passar por isso?” Meu amigo, porque não há nada de errado comigo, nem com o meu orixá, nem com os enfeites que o axé me deu. Nenhum yawo tem que se encolher para caber no mundo, o mundo que precisa parar de tentar diminuir a gente!

 

Texto retirado da página “Olhar de um Cipó”.

https://www.facebook.com/olhardeumcipo

Respostas de 10

    1. Axé Maria,precisamos de mais depoimentos sobre nossa religião, sejam desabafos ou elogios. E por falar nisso…… Cade o seu novo texto??? srrrsrsrsrsrs. Tomeje

      1. Meu processo criativo está meio lento, Tomeje, mas um dia esse novo texto vem, rs.

        Agora mudando de assunto, de saco pra mala: o senhor poderia me explicar a importância dos erês no candomblé? Eles são essenciais no processo de iniciação? É possível iniciar e o erê só vir anos depois?
        Muitissimo obrigada!

        Axé

        1. Maria, precisamos de textos novos, de pensamentos novos, Manda bala e escreve logo criatura, motivo é que não falta rsrsrsrs. Sim é possível iniciar alguém sem o Erê, mas Eles são importantíssimos no processo de iniciação e, acho, em todo o processo de aprendizado do iniciado. É através do Erê que se aprende muita coisa no candomblé. Axé, e lembre-se que VC est´ame devendo um texto rsrsr. Tomeje.

  1. Boa Noite
    Eu tambem li esse texto no face e me emocionei mto
    Esse depoimento é de um guria do RJ. Ela escreve com uma delicadeza…
    Inclusive tem um video no youtube da saida dela simplesmente lindo
    O nome dela é Hannaly Oliveira.
    Se alguem tiver interesse de ver é só procurar lá no YT ou no face
    Ah. Parabens pelo blog.

    1. Bianca, seja bem-vinda. Obrigada pelo complemento das informações sobre a autora do texto e por ter gostado do blog. Volte sempre. Axé, Cátia.

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