Nobrezas e misturas.

 

 

Nobrezas e misturas.

 Eu sou do tempo antigo mesmo.  Por mais que eu tente pensar na modernização da religião, não entendo o porquê de tantas misturas e tantos equivocos!

Por que tantos zeladores praticamente criam um novo segmento religioso, de tão descaracterizado que é o seu culto particular baseado em Orixá?

Resposta simples: É o que se chama de compra de título de nobreza.

Eu, que era totalmente contra o uso deste termo, por achar pejorativo e discriminatório, estou agora tendo que utilizá-lo para dar forma a este texto.

Para exemplificar, vamos voltar ao tempo do Brasil colônia, onde o povo tinha um Rei em Portugal, mas seus vice-reis é que mandavam de fato na colônia. Por comparação, temos ainda hoje as grandes Casas matrizes, com seu patrimônio histórico e cultural intactos. Mas também os seus descendentes onde o “salve-se quem puder” está se tornando uma prática rotineira.

Por conta da vinda da família real para o Brasil tudo mudou, inclusive os títulos de vice-reis, que foram revistos e adequados a esta nova condição de mudança da Colônia para capital do Império.

As grandes Casas tradicionais, ao contrário do ocorrido com a corte Portuguesa, não podem e não devem se mudar para as casas de seus descendentes para “fiscalizar” o cumprimento adequado dos ensinamentos. Cada qual é livre para fazer o que bem entende.

Para resumir, o Rei não podia simplesmente reinar sobre um povo sem berço, sem súditos de alta hierarquia, sem sua corte. E uma corte é formada por nobres.

Esta mudança de padrão implicou em formar a corte, e duas medidas foram tomadas pelo Rei: a nomeação de condes, duques, barões e outros títulos entre pessoas vindas da antiga corte ou entre os parentes e outros íntimos; e a prática da venda, literal venda de títulos de nobreza. Para ser nobre não bastava ter posses e finanças abastadas, havia a necessidade de um título de nobreza onde se atestasse ser o dono do título uma pessoa descendente de nobres e de família tradicional.

Mas que nobres e que famílias tradicionais existiam naquela época no Brasil? Por este motivo muitos títulos foram grosseiramente forjados para cumprir esta exigência Real. Mas todo o custo e risco era válido, pois um título de nobreza era o passaporte para o mundo dos palácios e festas, para os distintivos de barões e duques.

Por comparação, isso tudo é o que se vê hoje dentro dos ditos candomblés sem raiz e sem cultura. Se podia e, infelizmente, ainda se pode comprar títulos e diplomas; mas não se compra berço, raiz, conhecimento e cultura.  Falo em compra porque não há como o zelador tradicional e bem intencionado controlar o interesse e mau uso feito pelos seus descendentes ou mesmo por aqueles que em sua Casa só estiveram para um simples bori.

Quero refletir sobre o mau uso que algumas pessoas fazem dos nomes de zeladores de reconhecida tradição e cultura, dizendo-se filhos destes axés, sabedores e detentores dos axés destes lugares sagrados, quando na verdade esses títulos de “zeladores filhos da casa de fulano da raiz de tal lugar” não lhes servem de passaporte para nada. Eles não freqüentam as Casas, só estiveram lá para dar um borí, um sete anos, mas não as freqüentam e não aprendem nada do que é ensinado. O único título que têm é o de “sou filho de fulano de tal”, e batem no peito orgulhosos e prepotentes, donos da verdade e dos novos caminhos, das novas formas de fazer, novas maneiras de entender a religião. São a modernidade em pessoa.

De forma alguma digo ou insinuo que haja culpa das Casas tradicionais nestes comportamentos equivocados, elas existem e graças a Deus existirão por muito tempo como fonte de ensinamento e inspiração para muitos. Elas não devem se negar a transmitir os ensinamentos, não fazem testes de seleção, acolhem a todos e, admiravelmente, estão de pé realizando seu trabalho.

Se há culpa, ela está nos próprios ditos zeladores que desejam fundar um Candomblé a todo custo e de toda forma, e acabam se iludindo e levando junto várias cabeças. Como ouvi há pouco tempo, há os que nascem para cuidar de Ori e os que nascem para cuidar de Orixá; são distintos e não se misturam.

A segunda parte do título diz “misturas” e é aí, é neste ponto que começamos a nos perguntar: por que misturar? Misturar com o que? Cada segmento religioso é bom no seu saber e na sua cultura; são independentes e livres, misturar porque? A troco de que?  Dizem alguns que se deve pegar um pouco de cada segmento, um pouco de cada axé, do que há de melhor em cada nação e misturar (??). Inconseqüentes !!!

Hoje o que temos é um lamentável desfile de modas que chega a descaracterizar o Orixá; é difícil saber quem está debaixo de tanto bordado e tanto pano colorido, de tantos laços e adornos que mais parecem alegorias de carnaval.

É difícil entender o bori de feitura, o assentamento de Orixá em segmento religioso que nunca os assentou, cargos de Yá ou Babá fora do Candomblé.

Misturas e falta de respeito religioso ao semelhante levam à criação e invenção de coisas tão descabidas que parecem não existir de fato. Mas existem, e estão causando grandes traumas e arruinando o Candomblé e a Umbanda.

Comprar um título e pendurar na parede, fazer grandes festas, e grande alarde do seu poder, do seu contato íntimo com as entidades, explorar a fé e credulidade do povo… É para isso que está servindo o título de “filho de fulano de tal”.

Hoje, enquanto percorria o mercado, fiquei pasmo ao ver a quantidade de adereços de cabeça, plumas e paetês à venda. E, principalmente, as caras das pessoas ditas “do santo”, ao admirar e fazer planos de comprar para o Orixá tais adornos. Isso seria para o Orixá ou para deleite e exibição próprios? Orixá é simples, não precisa destes adornos. O homem sim, precisa se exibir.

Aonde vai parar isso não sabemos, mas enquanto pudermos vamos resistir, informar e respeitar o irmão. Enquanto meu Orixa me permitir falarei, enquanto existirem pessoas dispostas a pensar o Candomblé, estaremos juntos. 

Tomeje do Ogum

 

 

2 comentários

    • Ra em 22 de março de 2012 às 14:17
    • Responder

    Caro Tomeje,
    Sou vitima de um zelador que por 17 anos me fez acreditar que ele era bom. Sai de sua casa por vários motivos que me indignaram sobre a religião. o qual eu vi que não é a religião e sim as pessoas. Possuo santo feito mas estou passando por um problema muito serio, que por incrível que parasse não é com nenhum de meus santos, sendo eles orixas ou voduns. o meu problema está no mau cuidado e desleixo, do ex zelador com relação ao meu ori. Gostaria de saber se posso falar com vc através de um telefone fixo ou celular tim. pois minha vida tem sido chorar todos os dias mas nunca esqueci minha mãe oxum e meu pai odé. Agradeço se pudesse desprender alguns minutos de seu precioso tempo. abraços

    1. Em 100% dos casos somos vítimas de nossos próprios atos diante de nossa vida. E por medo ou desconhecimento creditamos na conta de outras de pessoas a responsabilidade por aquilo que acreditamos ser “cobrança do orixa” ou qualquer outro nome que possamos dar a um período ruin na nossa vida e que julgamos ser causado por interferencia de Orixas ou macumbas de “inimigos”. Com certeza não foi a forma como seu ex zelador cuidadava do seu Ori que, possivelmente, te trouxe algum prejuízo, foi a sua inatividade diante disso que te deixou fragilizada. E é bme normal que isso aconteça quando cremos cegamente em alguém, sem nunca questionar nada. Quando percebemos estamos literalment enas mãos da pessoa que se julga, em certos casos, nossos donos e donos dos nossos destinos. Ori é sua cabeça, a representação física a que vc se refere é apenas representação física, lógico que devemos ter carinho e respeito a elas (representações físicas, tanto de Ori quanto de Orixas). Mas ninguém pode te fazer mal se vc estiver conectada ao seu Orixa. Reveja isso tudo e analise com calma se isso tudo não é apenas um temporal, uma nova etapa de sua vida e que Oxum está te dando a oportunidade de viver coisas novas e mais bonitas. Já há bastante tempo que falo que o medo paraliza e é a felicidade dos incompetentes que se valem de amedrontar os outros para satisfazer seus pequenos egos. Não tenha medo. Oxum te conheçe muito mais que vc pensa, Oxum é vc e vc é Oxum. Seja imensamente feliz e vamos discutindo, no que for possível teremoso prazer de ajudar. Axé. Tomeje.

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