O AMOR: Texto de Pai Marcio de Jagum

O AMOR:

É preciso amar. Amar muito os Orixás e a Religião para cumprir com devoção os compromissos assumidos com prazer. É o amor que estimula a perseverança. É o amor que nos acompanha quando a paixão deslumbrada e inocente é soterrada pelas decepções ao longo do caminho.

O amor faz vibrar, mas só ele traz a serenidade que consegue manter vivos os sonhos, mesmo quando os olhos se abrem.

Não há como ser candomblecista sem amar os Orixás. Talvez os motivos de cada um variem. Talvez o amor tenha intensidades diferentes. Talvez o amor seja subjetivo ao ponto de se colorir de vários matizes. Mas tem que ter amor. Não porque o Candomblé é um peso, um fardo a quem deseja abraça-lo. Mas porque quem o abraça, abraça junto o convívio com muitas coisas, como a dedicação, o preconceito, a intolerância, a incompreensão.

O amor aos Orixás quando é verdadeiro não se dissipa. Se abate, por vezes, por conta do convívio com as pessoas, mas não esmorece.

E justamente o convívio entre as pessoas é que torna o amor um sentimento ímpar no Candomblé.

Pessoas são sempre pessoas, em qualquer lugar, tempo e com qualquer credo. Mas nas Casas de Candomblé elas se chamam de “pais”, ”mães”, ”filhos”, ”irmãos”. Como tratar assim os semelhantes sem desenvolver e nutrir um sentimento de amor?

O amor, mesmo o biológico, o amor que se sente pelos filhos paridos, é também desenvolvido, gerado, ganha corpo e cresce.

Por isso é possível amar de verdade, como os filhos paridos, os filhos que os Orixás nos dão (ou nos emprestam?).

Se por um lado o amor é a mola propulsora de tudo que se faz, ou que se deve fazer em uma Religião, às vezes ele atropela, confunde e gera problemas.

 

O amor por vezes é traiçoeiro, surpreendente e até mesmo torna-se indesejável. Este sentimento tão puro límpido e inspirador dos mais belos gestos, poesias, músicas e outras expressões artísticas, pode não ser bem vindo.

Numa Casa de Santo não é permitido o relacionamento entre “filhos”, nem entre “filhos” e “pais”. As relações precisam ser bem definidas, pautadas e conduzidas, para que não desandem, sob este ponto de vista.

Em razão disso, é sempre recomendável conduzir as relações com prudência. Evitando intimidades desmedidas, brincadeiras e tratamentos maliciosos, ou situações que possam acarretar consequências que levem o amor fraternal ao desejo sexual. Não que este seja deplorável. Mas incabível na relação fraternal entre irmãos de santo e filhos de santo.

Há contudo casos inúmeros em que casais formados nas Casas de Santo tornaram-se sólidos. Mas na maioria das vezes essas relações quando ocorrem, revelam-se frívolas, descompromissadas e irresponsáveis. É impossível julgar o sentimento alheio. Mas é necessário fazer valer as regras para manter equilibrada a harmonia de toda a comunidade. Administrar um egbé não é simples. As regras precisam valer para todos, senão o zelador perderá o comando, o respeito e a própria confiança.

Nessas situações, melhor que omitir, se alienar, ou estimular, recomenda-se uma conversa franca. Se realmente quiserem viver o amor, deverão afastar-se da Casa, para manter a ordem e a regra.

Há contudo os casais que já chegam no Terreiro como namorados, ou como esposos. Não interessa o sexo, ou a opção sexual: são casais. Os Terreiros de Candomblé sempre funcionaram como verdadeiras embaixadas da diversidade, acolhendo as minorias, dando oportunidade aos diferentes e espaço aos oprimidos. Por isso não pode haver preconceito em uma Casa de Santo.

Esses casais “formados”, na maioria das Casas não é tratado pelas mãos da mesma pessoa. Existe uma tradição nos Terreiros, que diz não dar sorte que um mesmo zelador ponha a mão sobre as cabeças de um casal. Dizem que isso dá azar e desfaz a união.

Claro que o Candomblé é uma Religião brasileira, fundada sobre sua própria história, aspectos sociais, geográficos, etc e tal. Mas é importante dizer que não há motivos litúrgicos, nem rituais que fundamentem isso. Não há itans, orikis, nem orins que descrevam ou expliquem esse impedimento. Nem mesmo a prática na matriz africana reproduz esse medo. Lá, os sacerdotes eram únicos e cuidavam de toda a comunidade, por vezes iniciando famílias inteiras: pais, mães, filhos, netos, tios, avós…

É possível que num Brasil ainda escravagista, quando casais que viviam nas mesmas senzalas eram “tratados” pelo mesmo sacerdote, tenham experimentado o dissabor de serem separados dramaticamente, em razão da condição de escravos. Isso pode ter gerado esta cisma de que a mão do mesmo “pai de Santo” não traz sorte aos casais.

Pois é… o amor é assim mesmo: inexplicável. Mas acima do ọkàn (coração) está orí (a cabeça).

Os iorubas nos ensinaram que é orí (a cabeça) que indica para onde nossos pés (lẹ́sẹ̀) nos levarão; é ela (a cabeça), que decidirá o que ọwọ̀ (as mãos) irão fazer.  

Que orí faça sempre boas escolhas e que nos conduza pelo nosso destino com prosperidade.

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Márcio de Jagun

05/12/13

5 comentários

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    • Maria em 22 de maio de 2014 às 14:07
    • Responder

    Motumbá, Tomeje
    Sabe que esse assunto sempre me intrigou? Porque a gente ouve os itans e vê que em alguns casos orixás que eram irmãos tiveram filhos, certo? Então nunca vou conseguir entender por qual razão irmãos de santo não possam se apaixonar ou se relacionar…
    Uma vez que, ao meu ver, essa questão do incesto é um pecado cristão, não parece fazer sentido que em uma casa de santo, que nada tem a ver com cristianismo, isso seja proibido!
    Enfim, parece uma dúvida besta, mas é uma das coisas que mais me intriga e eu gostaria de ouvir sua opinião.
    Obrigada!

    Axé

    • katia em 3 de maio de 2017 às 07:44
    • Responder

    Bom dia. ! Meu nome é katia . Minha dúvida é pode uma mãe de santo dar banho de santo e tirar ebo de marido e mulher.
    Não somos iniciados. Porém o que me foi dito é que só não podia iniciar os dois.
    Mais banho e ebo podia isso é verdade.
    Desde já agradeço. Ase

    1. Katia, seja bem vinda ao blog. Veja se este texto te ajuda.

      A religião deve unir as famílias sempre. Vc já viu em outras religiões o marido comungar num templo religioso e a mulher em outro???? Com certeza nunca viu isso. O candomblé tem tabus que na minha opinião são sem fundamento algum, pura invenção. E uma dessas invenções é o que lhe foi dito por este tal pai de santo. É correto sim que o casal seja iniciado na mesma casa de axé e pela mesma pessoa. Porém não devem ser irmãos de barco, ou seja, serão iniciados em tempos diferentes.

      O conceito de “incesto” é católico e não tem nada conosco que somos de candomblé. Ser iniciado pela mesma pessoa não faz de vcs irmãos, ok??? Porém deitar na mesma esteira vai contra alguns princípios da religião pois poderia estimular o desejo de o casal manterem relação sexual naquele local que deveria ser sagrado, ok?? Por isso, e só por isso não se deve permitir que um casal seja iniciado ou se deite na mesma esteira.
      Tenho na minha Casa e vejo na Casa do meu Pai e do meu Avô de santo vários casais que vivem perfeitamente bem. Não vejo nada além de um entendimento equivocado da sua parte. Asé e felicidades, Baba Tomeje.

    • katia em 23 de maio de 2017 às 23:12
    • Responder

    Muito obrigada pelo seu esclarecimento.

    1. Katia, ficamos felizes em contribuir e ajudar. Asé e felicidades, Baba Tomeje.

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