Ser “dentro” e ser “fora” e o que a conduta de Ìyàwó nos pede Março 9, 2017 por Egbon Dayane

Texto retirado do blog Ocandomble.wordpress.

Ser “dentro” e ser “fora” e o que a conduta de Ìyàwó nos pede

Março 9, 2017 por Dayane

A minha infância foi marcada por um ritual que muitas vezes eu achava tedioso, mas pela obrigatoriedade fazia sem reclamar: pedir bênção a todos e todas parentes mais velhas assim que eu chegava num lugar. Cansei de chegar da escola ou de qualquer lugar e estar reunida em frente a casa de vovó uma roda de pessoas que ia da minha bisavó à irmã mais nova da minha mãe (minha tia), e da ponta mais velha até a mais nova algumas tias-avós também. Lá íamos nós pedir bênção de uma a uma para então entrarmos e matarmos a fome.

Eu sei que, apesar de ser nova, as coisas hoje acontecem de uma forma um tanto diferente. Com o tempo os comportamentos vão mudando de acordo com as demandas, os estilos de vida etc. As famílias estão “menores”, os parentes costumam morar mais distantes e a ligação torna-se diferente: a famosa família nuclear está a se formar.

Quem acostumou a viver desta segunda formar ao começar a frequentar uma casa de Candomblé logo nota a diferença porque vai ter que começar a fazer o que eu fazia aos 7 e dessa vez de forma mais aprumada e ainda tendo que ter a educação que muitas vezes não é exigida pela espontaneidade da criança: abraçar, perguntar se tá tudo bem, falar qualquer amenidade. Isso com 10, 20, 30 pessoas a depender do dia e do tipo de função… Sim, isso pode ser bem cansativo, mas a gente não pode reclamar.

Ao ser iniciada e passar por todos os procedimentos rituais a gente aprende de forma muito enfática que agora fazemos parte de uma família: aquelas 10, 20, 30 pessoas são nossa família, escolhemos e aceitamos o elo, aceitamos a eternidade desse elo. Há quem vá dizer agora “Mas elo eterno é com o Orixá!”, sim, está subentendido e exatamente pelo elo eterno ser com o Orixá nele vem “omitido” todas as pessoas que estavam vinculadas ao lugar e a família na qual você foi iniciada ou iniciado, queridx omorixá. Uma energia não surge do nada, você nasceu em alguma casa de axé, em alguma família de axé, foram necessárias mãos para que tudo ocorresse, então tudo isso estará contido na tua história com o teu Orixá. Do mesmo modo que Orixá sabe de onde está vindo aquele sacrifício que ele está a receber ele também sabe quem participou do grande momento de concepção do seu filho ou filha para ele. Estamos falando de energia que se materializa, mas que está presente em toda parte. Não sejamos ingênuas ao ponto de pensar Orixá tão limitado como somos nós…

Por causa do pertencimento, do berço, da família que ganhamos, é exigido de nós postura, respeito, bom comportamento. A partir de agora eu represento a mim, o caminho de Ori, o meu Orixá, represento a minha ascendência. A gente pode considerar isso um peso ou então perceber o quanto isso pode trazer benefícios pra vida em âmbitos fora desse mundo religioso.

Há quem goste de separar “no barracão devo me comportar de tal forma, fora dele, salve-se quem puder”. Isso me confunde. A gente percebe que realmente internalizou um aprendizado quando usamos dele aonde nem imaginaríamos. Por exemplo, eu gosto um pouco de uma afronta. Às vezes ela é pode ser bem-vinda para a situação. Mas eu posso pensar antes de engolir a corda que estão me dando: isso vai me beneficiar? Vai melhorar o ambiente de alguma forma ou só vai criar mais um aperreio? Isso é realmente da minha alçada? Quando o sangue esquenta os “olhos” (leia-se juízo) costumam cegar mesmo, mas sempre há aqueles 5 segundos em que dá pra gente ponderar as coisas.

Em Yorùbá as palavras casa, terra e o planeta Terra vêm de palavras incrivelmente semelhantes: Ilé, Ilè (há um ponto embaixo do e) e Ilé Ayé. Percebam que somente o som das vogais que mudam o sentido entre elas. Enquanto na língua portuguesa as palavras soam tão diferentes, no yorùbá é tudo bem parecido. Isso não é coincidência. Se é tudo tão semelhante é porque nossa conduta deveria ser semelhante também nos diferentes ambientes. O que nós queremos de bom na nossa casa, no chão em que pisamos, no planeta que habitamos? Acredito que não queremos coisas tão diferentes para cada um: desejamos o mínimo de harmonia, que a dor não exista, que a fertilidade esteja presente… Então o que é ser Ìyàwó? Eu responderia: viver nestes três “mundos” como o único mundo que ele de fato é. Não somos Ìyàwós pro barracão, somos Ìyàwós pro mundo.

Egbon Dayane Oyakole

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