Zumbi dos Palmares

Zumbi dos Palmares

No final do século XVI, não se pode ainda estabelecer exatamente o ano, escravos negros de um grande engenho de açúcar no sul da capitania de Pernambuco, atacam e dominam seus amos e feitores. Viram-se assim senhores do mesmo engenho que tanto tempo havia sido o instrumento de sua opressão; mas o que fazer com a liberdade conquistada?

Sabiam que se ficassem no engenho, seriam recapturados e triste seria o seu fim; então tomam uma resolução: buscar refúgio numa região conhecida como Palmares. Até então não se tinha notícia de que alguém já tivesse incursionado naquela região temerosa. Era uma imensa selva virgem que se iniciava na parte superior do rio São Francisco e ia terminar sobre o sertão do Cabo de Santo Agostinho. A região recebera esse nome devido à abundância de palmeiras.

A região era praticamente impenetrável, mas os rebeldes não tinham muita escolha. A destemida caravana andou muitos dias antes de penetrar na selva densa e obscura. Abriram caminhos entre árvores gigantescas, mato rasteiro e muitos espinhos. Uma dessas serras, muito íngreme e com a forma de uma barriga, permitia descortinar a região por todos os lados, numa distância de dezenas de quilômetros, constituindo por si própria uma fortaleza.

No topo desta serra, abriram clareiras e levantaram choças cobertas de palha. Chamaram as choças de mocambos – do quimbundo mukambu – termo que os portugueses usaram para designar genericamente as povoações nas matas de todo o Brasil pelos escravos rebeldes. Presume-se que nem todos tenham sobrevivido à longa e dificultosa marcha através das selvas palmarinas – reza a tradição que o grupo inicial de rebeldes fora de quarenta, mas qualquer que tenha sido o número, constituiu o núcleo pioneiro da futura República de Palmares, um Estado Negro que resistiu até o fim do século XVII às incessantes tentativas de destruição da coroa portuguesa. A serra se situa hoje no Estado de Alagoas, território que aqueles tempos integrava a grande Capitania de Pernambuco.

Zumbi nasceu no começo do ano de 1655, num dos inúmeros mocambos palmarinos.

Alguns anos após sua fundação, o quilombo dos palmares foi invadido, muitos habitantes, inclusive crianças foram mortos ou feito prisioneiros. Entre estes estava um menino que foi levado pelos invasores e dado de presente ao padre português Antônio Melo, do distrito de Porto Calvo, povoação cujos limites marcavam a fronteira entre o povoamento luso brasileiro e a república negra. O padre batizou o pretinho e deu-lhe o nome de Francisco. Ensinou-lhe a ler e escrever, além de dar-lhe noções de latim. Tornou-se coroinha quando contava dez anos de idade. O padre não tratava o pretinho como escravo.

Certa manhã do ano de 1670, Francisco então com seus quinze anos, foge para a “companhia dos negros levantados de Palmares”. Mais tarde, já chefe dos palmares, Zumbi por três vezes penetrou no distrito de Porto Calvo para visitar o padre. Por ocasião da segunda visita o padre ficou sabendo que o caudilho negro trocara o nome cristão Francisco pelo nome africano de Zumbi que conservou até o seu lastimável fim.

Dois anos após sua volta, aos 17 anos, a povoação ou mocambo, a que se acolhera, elegeu-o “maioral”. Aos 18 anos, em 1673, quando derrotou a expedição de Antônio Jácome Bezerra, fora elevado a “cabo de guerra”, provavelmente um “cabo maior”. Aos 22 anos, em 1677, quando da expedição de Fernão Carrilho, torna-se comandante-geral das milícias palmarinas (“general das armas” ou “mestre de campo”), ao que parece, entretanto, na luta contra esta expedição o comando das operações foi exercido pessoalmente por seu tio Ganga-Zumba, então rei de Palmares.

Ao mesmo tempo em que consolidava sua posição em Palmares, tratava Zumbi de minar a de Ganga-Zumba. As seguidas derrotas militares desencadearam profundo descontentamento na massa palmarina. Esse descontentamento se alastrou a numerosos maiorais e cabos-de-guerra dos mocambos. Atribuía-se a culpa à inépcia e à responsabilidade de Ganga-Zumba. Consta que teria comandado uma operação em estado de completa embriagues. Zumbi passa ser opositor declarado de Ganga-Zumba, e começa a conspirar para depô-lo pela força. A conspiração se espraiava e Ganga-Zumba sentiu que não poderia detê-la. Foi então quando iniciou conversações de paz com o governo colonial.

Zumbi passou à ação. A frente de tropas de seu mocambo marchou sobre os mocambos ainda fiéis a Ganga-Zumba. Em alguns houve luta fratricida, em outros a massa aderiu maciçamente. Os maiorais e cabos-de-guerra fiéis a Ganga-Zumba fugiram para Macaco com suas famílias. Zumbi marchou então sobre Macaco, à frente de tropa numerosa e aguerrida. Quando as tropas de Zumbi já escalavam a Serra da Barriga, Ganga-Zumba retirou-se às pressas para Cacaú, acompanhado de300 a400 pessoas.

Foi assim que com pouca resistência armada, Zumbi pode ocupar Macaco e assumir o poder na confederação palmarina. Um conselho composto de adeptos aclamou-o chefe e outorgou-lhe pleno poder. Ganga-Zumba acaba morrendo envenenado; seus homens de confiança foram massacrados.

Zumbi é líder absoluto nos Palmares. Diz a tradição que Zumbi era casado com uma mulher branca chamada Maria, mas não há como apurar a veracidade do fato. Esta mulher reza a tradição, teria espontaneamente acompanhado Zumbi por ocasião de uma incursão realizada numa propriedade alagoana. Consta que teve pelo menos cinco filhos. Num combate contra a expedição de Manoel Lopes Galvão, recebeu um ferimento que o deixou coxo.

As autoridades coloniais viam nele o líder mais capaz e aguerrido da república negra. Zumbi dos Palmares, herói da liberdade, cuja luta pode ser comparada a de grandes generais como Napoleão e Alexandre. Só que Zumbi nunca combateu para conquistar territórios. Foi um guerreiro integral na defesa de seu povo e da sua cultura, e disparou uma flecha certeira contra o mundo escravista.

Negros alforriados e negros que fugiam iam para Palmares. Neste Palmares a povoação tinha todas as conveniências e comodidades para seu sustento por que os rios lhes ofereciam fartura em peixe, os matos, caças, o tronco de mel e as palmeiras ramos com que cobrem as casas, como também das mesmas folhas fazem panos para vestirem, além do sal, azeite e vinho, que a indústria humana soube tirar daquelas abundantíssimas e fertilíssimas árvores.

Um dos fatores da resistência palmarina era a “prática militar, aguerrida na disciplina do seu capitão e general Zumbi, que os fez destríssimos no uso de todas as armas, de que tem muitas em quantidade, assim de fogo, como de espadas, lanças e flechas”.

Varias foram as expedições para destruir o quilombo, e muitas atitudes tomadas para enfraquecer a república palmarina,em vão, Zumbireina absoluto.

Até que em janeiro de 1694 um imponente exército expedicionário se pôsem marcha. Domingos Jorge Velhoia no comando geral. Batedores, índios seguiram à frente para farejar emboscadas palmarinas, ao passo que uma turba de escravos-carregadores fechava a marcha.

 

Os expedicionários ficaram atônitos quando chegaram à vista de Macaco.

As fortificações palmarinas erguiam-se na cumiada da serra. Eram sólidas e, aparentemente, inexpugnáveis. Constituíam em uma tríplice cerca de madeira e pedras que circundavam a praça numa extensão de aproximadamente cinco quilômetros e meio. Na parte de fora haviam sido escavados largos e profundos fossos dissimulados por vegetação, e crivados de ferros pontiagudos.

Esta circunstância obrigou os expedicionários a acompanharem bastante longe as fortificações. Atarantados, os comandantes ficaram dois dias sem saber o que fazer. Uma coluna de sessenta homens a mando do alferes João Montez tentou efetuar um reconhecimento, mas teve imediatamente de recuar com várias baixas entre mortos e feridos.

Num esforço desesperado para impedir o avanço dos expedicionários, os palmarinos por duas noites consecutivas deixaram suas fortificações e desfecharam violentos assaltos em que foram repelidos com numerosas baixas.

Varias frentes de ataque se lançam contra Palmares, que os recebia a balas e flechas. Quando por fim no dia 3 de fevereiro de 1694 chegaram a Serra da Barriga seis canhões conduzidos por duzentos homens.

Meio século havia que os palmarinos suportavam o flagelo quase ininterrupto de uma guerra apenas atenuada por breves intervalos de paz. A tática de que vinham usando para enfrentar esta guerra impunha periódico e por vezes freqüente deslocamentos da população não combatente, o abandono das casas, das lavouras, das oficinas. Tática que, em uma palavra, condenava a população a um estado de perene sobressalto. Teria mais dia menos dia de evoluir para uma definição.

As expedições vinham desenvolvendo a olhos vistos uma tática crescente e eficaz que exprimia Palmares. Zumbi e sua gente haviam decidido aceitar um confronto cujo resultado seria ou a vitória ou a derrota completa.

Pelas duas horas da noite de cinco para seis, a coluna de negros iniciou silenciosamente a operação no estreito corredor à beira do despenhadeiro. Quase teve êxito, faltando passar apenas a retaguarda, na qual marchava o próprio Zumbi. Mas nisto uma sentinela de Vieira de Melo pressentiu a furtiva coluna e abriu fogo alertando o acampamento. Os sitiadores fizeram sucessivas descargas sobre os negros e depois acometeram à arma branca.

Seguiu-se um demorado e feroz combate à beira do abismo no escuro da noite. Os palmarinos encurralados entre o despenhadeiro e o inimigo, lutavam com a bravura do desespero. Supõe-se que uns quinhentos tenham rolado pelo despenhadeiro; outros tantos tombaram mortos no local. Os que haviam podido ganhar o mato tentavam em vão se reagrupar.

A resistência palmarina se desintegrou rapidamente. Os expedicionários degolavam e matavam sem misericórdia. Pelo anoitecer deste dia 6 tudo estava acabado em Macaco. Arrasada e incendiada, a cidadela negra ardeu a noite inteira. Apenas quinhentos e dez negros apareceram vivos como prisioneiros. Depois de Macaco foi a vez das outras povoações palmarinas. Não puderam oferecer maior resistência. Por toda parte se repetiu a matança. Em rigor só ficaram com vida as mulheres e as crianças. Mesmo o número destas se reduziu rapidamente, pois as mulheres se deixavam morrer de fome ou matavam os próprios filhos para não vê-los reduzidos à escravidão. Na madrugada do dia 7, correios partiram às pressas para o litoral levando a notícia da queda do baluarte negro.

Após se certificar de que Zumbi estava vivo imediatamente o governador lhe pôs a cabeça a prêmio.

Nos primeiros dias de novembro, um mulato chamado Antônio Soares, um dos homens de confiança de Zumbi, foi capturado e entregue a André Furtado de Mendonça, que prontamente o submeteu a tortura para que revelasse o esconderijo de Zumbi. Inicialmente o mulato se recusou a falar, mas fraquejou quando o paulista lhe assegurou em nome do governador a liberdade e a vida se entregasse Zumbi.

O esconderijo se situava em ponto recôndito da mata, provavelmente na serra Dois Irmãos, lugar de desfiladeiros, penhascos abruptos e gargantas profundas por uma das quais se precipita o rio Paraíba. Zumbi mantinha sempre junto a si uma guarda de 20 homens, mas quando Soares chegou seguido à distância pelos paulistas, a guarda se achava reduzida a seis homens.

O grupo se aproximou cautelosamente durante a noite e tomou posição, a espera do amanhecer.

Quando amanheceu. Antônio Soares saiu do mato para uma pequena clareira e aí gritou com toda força:

Zumbi! Zumbi! Zumbi!

Seguiu-se intensa expectativa entre os paulistas emboscados no mato à roda da clareira. Algum instante após os gritos de Soares, apareceu Zumbi à entrada do “sumidouro”.

O drama foi rápido. Soares se encaminhou para o chefe, que o acolheu confiadamente. Então, bruscamente, Soares enterrou-lhe um punhal no estômago e deu o sinal aos paulistas. Acudido pelos companheiros e apesar de mortalmente ferido, Zumbi ainda lutou com bravura, mas não resistiu.

Deu-se isto no dia 20 de novembro de 1695.

Era necessário provar que Zumbi estava morto. Dezenas de comandantes de expedições haviam anunciado, ano após ano, ter dado morte a zumbi, a notícia logo desmentida pelo reaparecimento do chefe negro. Depois de morto o general negro fora castrado e o pênis enfiado na boca; havia-lhe arrancado um olho e decepado a mão direita. Por proposta de André furtado de Mendonça, deliberou a Câmara que se conduzisse para Recife apenas a cabeça do chefe negro. Levado o cadáver para o pátio da Câmara, aí, perante todos os oficiais, um escravo decepou a cabeça, lavrando-se “Auto de decapitação do negro Zumbi”. Salgada com sal fino, a cabeça seguiu para Recife, onde o governador Melo e Castro mandou espetá-la em um chuço no lugar mais público da cidade. E aí permaneceu até se decompor totalmente, “para satisfazer os ofendidos e justamente queixosos e atemorizar os negros que supersticiosamente o julgavam imortal”.

Fale Conosco